Uma velha conhecida voltou com força ao cenário nas unidades de saúde mineiras no ano passado, situação que pode se repetir este ano. A dengue, doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, terminou 2022 com 93.074 casos prováveis em 2022, cinco vezes o total do ano anterior, envolvendo 66 mortes confirmadas e 19 ainda em investigação, segundo os últimos dados, divulgados pela Secretaria de Estado de Saúde, na terça-feira (3/1). Na capital mineira, 2.016 pessoas tiveram a doença e uma morreu, de acordo com o mesmo levantamento. O panorama foi ainda mais grave em nível nacional, uma vez que no ano passado o Brasil se aproximou do recorde de contaminações e mortes pela doença, que foi registrado no país em 2015, segundo dados do Ministério da Saúde (leia mais abaixo).
Mas se 2022 terminou, o mesmo não se pode dizer da dengue. Divulgado em 26 de dezembro, um levantamento da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH), por exemplo, aponta risco médio de infestação do mosquito em quatro das nove regionais da cidade, situação que, atrelada às chuvas volumosas – que ocorrem em grande parte do país e propiciam condições para que o Aedes se prolifere em poças, inservíveis e outros criadouros por toda parte –, liga o alerta para a próxima temporada da doença.
Segundo a virologista Jordana Coelho, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os casos estão aumentando desde 2020, relacionados também à situação geral do país. “No início da pandemia de COVID-19, também registramos aceleração da dengue e, de cinco anos para cá, as campanhas diminuíram, além de ter havido decréscimo da qualidade de vida das pessoas em nosso país. Quando há uma precariedade de vida somada à diminuição dos recursos para questões básicas, como campanhas de saúde, a tendência é de aumento desse tipo de doença endêmica”, analisa, lembrando que a situação pode provocar “problemas seríssimos” para indivíduos e a saúde pública. “No caso da dengue, existe o quadro hemorrágico, que pode levar até à morte”, ressalta.
O Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa) de 2022 em Belo Horizonte, divulgado em 26 de dezembro, apontou risco médio de infestação do mosquito em quatro regionais da capital mineira. De acordo com a padronização do Ministério da Saúde, o índice de infestação larvária recomendado para minimizar o risco de epidemia é de até 1%, ou seja, os focos devem ser encontrados somente em até um de cada 100 imóveis visitados. Embora, na média das nove regionais, o LIRAa do município tenha permanecido inferior a esse teto – ficando em 0,9% –, o índice foi superior nas regiões Leste (1,1%), Nordeste (1,1%), Pampulha (1,2%) e Venda Nova (1,7%).
Perigo em casa
O LIRAa identifica as áreas da cidade com maior proporção/ocorrência de focos do mosquito e os criadouros predominantes. O levantamento foi realizado em cerca de 45 mil imóveis e apontou que 83,3% dos focos do mosquito estão em ambiente domiciliar. Segundo o diretor de Zoonoses do município, Eduardo Viana, BH tem um plano de contingência para prevenção ambiental e assistencial. A análise dos números do LIRAa será utilizada para que as intervenções da prefeitura ocorram no momento certo. “Temos que estar preparados para acolher qualquer pessoa que venha a ser infectada pelas arboviroses. Neste momento, a prevenção é a mais importante. A PBH tem feito diversas ações, sendo que a mais importante é a vistorias em todos os imóveis”, diz.
Nas regiões com mais risco de infestação é feito um monitoramento de focos por meio de drones que sobrevoam os locais de difícil acesso pela Zoonoses, captando imagens em grande escala. “Após análise, identificamos focos importantes para as intervenções das equipes de campo e, assim, os agentes priorizam os imóveis que são detectados como risco. Além disso, os mutirões de limpeza, em parceria com a SLU, acontecem em todo o município. Isso dá a oportunidade de os moradores jogarem fora tudo que esteja sem utilização em casa, acumulando lixo e/ou água parada”, detalha.
A pesquisa também indica quais os criadouros predominantes nas áreas. Os cinco principais encontrados foram: pratinhos de plantas (26,5%); inservíveis (19,2%); recipientes domésticos (10,2%); barris/tambores (7,5%); e pneus (6,3%). Além da dengue, o Aedes aegypti é transmissor da chikungunya e zika. Em 2022, foram realizadas cerca de 4 milhões de vistorias. De acordo com a Fiocruz, os ovos do mosquito são postos milímetros acima da superfície da superfície da água em recipientes como latas e garrafas vazias, pneus, calhas, caixas d’água descobertas, pratos de vasos de plantas ou qualquer outro que possa armazenar água de chuva. Quando chove, o nível da água sobe, entra em contato com os ovos e esses eclodem em poucos minutos. Os mosquitos transmitem o vírus da doença para humanos, que pode ser assintomática ou evoluir para quadros mais graves, como hemorragia e choque. Os principais sintomas são febre alta, dor no corpo e manchas na pele.
Cuidado básico
Bem informada, a aposentada Ivânia Augusta dos Santos Rodrigues, de 71 anos, moradora de Venda Nova, uma das regiões com médio risco de infestação do mosquito, fica de olho nas larvas do Aedes. Com uma casa repleta de flores, árvores e suculentas de todo tipo, ela dispensou pratinhos e usa apenas vasos com furos. “Tirem os pratinhos das plantas, não adianta deixar a água lá parada. Quando regar o vaso com terra, ela puxa. Depois de pegar toda a água que precisa, não faz diferença para as flores ficarem com água no prato. Às vezes, acho que as pessoas imaginam que deixando lá, a planta continua puxando, mas não é assim”, afirma.
Dona de um grande jardim, ela ainda deixa dicas para os fãs de plantinhas. “Todos os dias de manhã, eu coloco borra de café no meio da terra, para não deixar dar mosquito. É importante prevenir de todo jeito, porque a dengue também mata”, finaliza.
Além de ficar de olho nos criadouros, a PBH mantém a aplicação de inseticida a ultrabaixo volume (UBV), o popular fumacê, para o combate a mosquitos adultos em áreas com casos suspeitos de transmissão local e em função de uma avaliação ambiental pelas equipes de Controle de Zoonoses. Segundo o diretor de Zoonoses, o produto tem o objetivo de eliminar o mosquito em sua fase adulta, momento em que o vírus pode ser transmitido. Em 2022, foram realizadas ações com uso UBV em cerca de 23 mil imóveis.
A PBH também lança mão do método Wolbachia e a continuidade das liberações dos mosquitos em todas as regiões de BH. A Wolbachia é um microrganismo intracelular e não pode ser transmitida para humanos ou animais. Mosquitos que carregam o microrganismo têm a capacidade reduzida na transmissão das arboviroses, diminuindo assim, o risco de surtos das doenças e da febre amarela.
Por todo lado
De acordo com o mais recente boletim epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) referente às doenças provocadas pelo Aedes aegypti , Minas Gerais registrou 93.074 casos prováveis (exceto os descartados) de dengue em 2022. Desse total, 71.056 foram confirmados para a doença até 2 de janeiro, um dia antes da divulgação do levantamento. Foram confirmadas 66 mortes e outras 19 seguem em investigação. Em 2021, o balanço de casos fechou em 23.066, com seis óbitos, menos de um décimo do total do anos passado. O estado registrou ainda 10.575 casos prováveis de chikungunya, com cinco óbitos em investigação, e 63 de zika, sem mortes até o momento.
Já no Brasil, 2022 foi um dos piores em relação à dengue. Até 10 de dezembro, houve 1.406.022 casos prováveis da doença e 980 mortes confirmadas – outras 94 estavam em investigação – , patamar semelhante ao de 2015, que registrou recorde de 1.688.688 casos prováveis e 986 mortes. O ano foi também o terceiro com mais casos prováveis de chikungunya, outra doença transmitida pelo Aedes aegypti. Até o último boletim, foram 170.716 registros, abaixo apenas do total observado em 2016 (277.882) e 2017 (185.593). Até 10 de dezembro, foram 90 mortes pela doença.
Questionado sobre a disparada no fim do ano, o Ministério da Saúde, ainda na gestão anterior, afirmou que monitora a situação epidemiológica das arboviroses e investe em diversas ações de combate ao mosquito. A pasta argumentou que o número de casos é impactado pelos picos epidêmicos, que têm sido cada vez maiores em períodos que se repetem a cada 3 a 5 anos, e que é importante considerar a letalidade. Nesse sentido, destaca que os anos de 2014 e 2017 tiveram taxa de letalidade maior do que o de 2022, respectivamente 0,080, 0,077 e 0,069.
Já a SES informa que iniciou uma série de ações para “reduzir os riscos de ocorrência de casos e preparar as equipes que atuam no combate ao Aedes” como capacitação dos profissionais, alinhamento de estratégias nos territórios e sensibilização da população quanto aos cuidados necessários para o combate ao vetor. E ressaltou um constante monitoramento de casos, óbitos e níveis de infestação do Aedes.