Jornal Estado de Minas

SONHO REALIZADO

Mágica? Como transformar 39 estudantes em Cinderelas em uma só noite


Era muito mais do que um sonho... Afinal, esses desaparecem ao menor ruído, somem aos primeiros raios de Sol, não resistem muito à força do tempo. Mas, dessa vez, tudo se transformou num conto de fadas (bem real!), com príncipes e princesas, salões iluminados e um eterno “felizes para sempre” que, com muito gosto, poderá ser revivido como um livro que se abre e, linha após linha, traz boas lembranças, desperta sorrisos, convida à esperança.



Era noite de uma sexta-feira quando 39 estudantes da Cidade dos Meninos São Vicente de Paulo, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, tiveram em alto estilo seu baile de debutantes, com direito a um dia inteiro de beleza e a uma festa animada por todos os ritmos da juventude. O evento beneficente na sede do Sistema Divina Providência resultou da parceria da instituição filantrópica sem fins lucrativos com empresários capitaneados pelo Ateliê Dona Vera.

Com vestidos vaporosos, tiaras faiscantes, sapatos de salto altíssimo, sem falar na “maquiagem ok” e “cabelo ok”, como diz a música, as meninas estavam acompanhadas de pais, avós, irmãos, tios, primos, amigos. Um deles, durante a valsa, se transformava em príncipe para conduzir a debutante pelo salão. Uma demonstração de que, resistindo à modernidade, os bailes de 15 anos voltam a todo vapor, após a interrupção provocada pela pandemia. “Temos aqui um trabalho de equipe e muitos frutos de doações para retomar a festa”, afirmou Cíntia Maria Vieira, diretora do ateliê Dona Vera.

Em cada jovem coração, uma história. “Estou muito feliz. Vou lembrar para sempre deste dia tão importante, pois só acontece uma vez na vida. Sei que muitas meninas não têm essa oportunidade, outras nem chegarão à nossa idade, pois hoje há muita violência no mundo”, refletiu Gabrielle Vitória Ilídio Miranda, aluna do 9º ano. À mesa, a menina estava com os pais, Antônio Luiz de Miranda, soldador, e Marilde Maurício Ilídio, doméstica. A valsa foi com o primo Douglas Henrique, músico que já se apresenta em bares e aposta na carreira artística.



Com seu vestido verde, Gabrielle se declarou “realizada com cada momento” do dia, que teve massagem, troca de roupas, missa, presentes, jantar, bolo, doces e a cerimônia na qual todas receberam um anel de cristal. “Seria muito difícil para os pais fazer uma festa tão grandiosa assim”, disse Marilde, que não deixou de celebrar o aniversário da filha em abril. Fazendo planos, a jovem quer ser bióloga, “pois gosto demais de plantas e animais”, ou dançarina. “Faço aula de dança aqui na escola, adoro ‘street dance’”, contou, pouco antes “de se jogar” na pista ao lado das colegas e amigos.

SÓ NO SALTO

 Baile de debutante tem lá seus protocolos e encantos. As meninas posaram para fotos e esbanjaram charme para os vídeos registrados na moderníssima plataforma 360, com direito a um lambe-lambe digital na cabine de fotos. “É gratificante dar essa contribuição à sociedade”, comentou o empreendedor Diego Nunes, da DNS.

Pouco antes da valsa, os príncipes, aos pés das garotas, trocaram os sapatos delas por sandálias de salto. Nesse “instante Cinderela”, os familiares empunharam os celulares e criaram no ambiente a “iluminação da memória”, que a partir de então poderá ser acessada, multiplicada e, claro, ter imagens armazenadas para a eternidade. No cenário enfeitado de rosas vermelhas, as mamães se sentiam duplamente satisfeitas, pois não tiveram a chance, pela condições financeiras da família, de curtir o “debut”.



Muitas das meninas estão na instituição (hoje com mais de 3 mil jovens dos 2 aos 18 anos) desde a infância, a exemplo de Ana Vitória Santos Costa, que completou 15 no último dia 9. “Estou aqui desde os 2, então me sinto em casa, apenas trocando o uniforme pelo vestido de baile”, brincou, ao lado dos pais Cláudia Santos Batista, educadora social, e Hilário Borges, gesseiro, e do amigo da família, naquele momento promovido a príncipe, Cléres Rosa de Souza Neto. Aluna da 8ª série e resplandecente no vestido azul, Ana Vitória gostou demais da sessão de maquiagem, embora não queira seguir esse ofício. “Ainda não decidi nada sobre o futuro”, disse, deixando a resposta no ar e a leveza da noite conduzir a conversa. Tempo é que não falta...

Sorrisão de orelha a orelha, Hilário encontrou uma palavra para descrever tanta emoção: “Comovente”. Ao lado, o amigo Cléres se dizia “feliz da vida” no papel de príncipe. A alegria de Ana Vitória estava estampada na entrada do Galpão de Eventos, onde ocorreu o baile. Junto ao dela, fotos de Mariane Moreira, Maria Eduarda Cristina, Maria Eduarda Pereira, Maria Eduarda Maurício, Maria Rita Lopes, Rayane Tomaz, Mariana Costa, Nicolle Batista, Larissa Martins, Maria Luiza Alves, Pérola Vieira, Paola Lima, Nathaly Vitória, Vitória Cristiny, Sara Izabely, Andressa Oliveira, Beatriz Rosa, Fernanda Cordeiro, Fernanda Lemos, Jhenifer Félix, Júlia Amanda, Júlia Conceição, Júlia de Oliveira, Júlia Silva, Karine Gabriela, Katheleen Barbosa, Ketheleen Lorrayne, Lívia Monteiro, Anthonia Gomes, Clara Cristina, Isabelly Cristine, Kimberlly Ivana, Ludymilla da Silva, Anna Clara Lages, Anne Isabel, Gabrielle Vitória, Letícia de Souza e Marcela Mendes.

BRILHO TOTAL

Os olhos de Maria Eduarda Cristina de Moura brilhavam na mesma intensidade, talvez um pouco mais, do que seu vestido dourado. “Por que escolhi esta cor? Porque gosto do dourado... Gosto de brilhar”, definiu, cheia de atitude, a filha do guarda civil Ivan de Oliveira Moura e da confeiteira Ester Cristina de Moura. A família não escondia a alegria, e foi completa à festa, com os filhos Carlos Eduardo, de 13, e Bianca, de apenas 3 meses, ora aninhada nos braços da mamãe, ora do papai.




Aluna do 9º ano, Maria Eduarda revelou que não escondia a ansiedade. “Fiquei contando os dias para a festa chegar. Tenho certeza de que vou me lembrar para sempre dia de novembro de 2022”, afirmou a jovem, ao lado do amigo da família e príncipe na ocasião, Bryan Ferreira da Costa, de 15.

A satisfação também reinava ao lado, na mesa de Beatriz Rosa da Silva, aluna do 9º ano e prestes a completar 15 anos – o aniversário será em 27 de dezembro. “Então, serão dois presentes?” Diante da pergunta do repórter, a menina sorri e recebe um afago de Joseane Rosa dos Anjos, camareira, e José Nilton da Silva, contador, também papais de Kaio, de 12. O príncipe foi o vovô Expedito Geraldo dos Santos, que aceitou a missão “com muita honra”. E resumiu: “Olha só: hoje, além de avô, sou príncipe!”

Beatriz definiu seu primeiro baile como emocionante... Às vezes um pouco cansativo, mas, no fim das contas, valeu cada segundo. Sobre o novo caminho que se abre após momento tão marcante, o que muda? À expectativa de que há um mundo de descobertas, a mamãe Joseane completou: “Um mundo de responsabilidades... Mas fico tranquila, pois a Beatriz recebe uma boa educação em casa e aqui, na escola”.

PARCEIROS

E assim seguiu o baile, com todos os tons que a garotada gosta, munido de muitas coreografias, músicas cantadas em alto volume e rodopios na pista. “Acompanho a história dessas meninas desde que eram crianças... Muitas chegaram aqui aos 2 anos de idade. É uma maravilha vê-las agora, umas já mais altas do que eu”, orgulhou-se a pedagoga Dulce Doval, superintendente do Centro da Juventude da Cidade dos Meninos São Vicente de Paulo.



No mesmo entusiasmo estava a coordenadora da Casa da Juventude da instituição, Patrícia Silva Latorre, explicando que o primeiro baile ocorreu em 2004, sendo interrompido devido à pandemia. “O Sistema Divina Providência completa meio século este ano, e a Cidade dos Meninos vai fazer 30 anos em 2023, oferecendo não só a escola, mas também capacitação em vários ofícios, atividades culturais, formação religiosa e outros”, disse a coordenadora. Em cada canto, brilhava o resultado do trabalho, a exemplo dos garçons, jovens da instituição que aprenderam o ofício – e capricharam no atendimento aos convidados.

Atento aos detalhes, estava o CEO da Primore Eventos, de BH, Thiago Barbosa, um dos parceiros na realização da festa. “Trabalhar realizando sonhos é muito bom, mas essa festa para as debutantes da Cidade dos Meninos é ainda mais especial. Essa atitude ratifica nossa essência e, pessoalmente, toca minha história de vida, pois estudei em escola pública. Proporcionar a essas meninas uma festa de bom gosto e alto nível, a qual elas não poderiam ter neste momento, é motivo de muito orgulho para nós.” Ao lado, igualmente satisfeito, Fernando Fantoni supervisionava o jantar servido pelo buffet Uno Gusto e complementado pela chocolateria La Luna.

JUBILEU DE OURO PELA CIDADANIA

O Sistema Divina Providência é uma instituição filantrópica, sem fins lucrativos, composta por 24 obras, programas e serviços sociais. Há 50 anos, atende crianças, jovens, idosos e famílias em situação de vulnerabilidade social em Minas. Segundo a direção, a principais metas de trabalho são promover inclusão social, capacitação profissional e resgate da dignidade humana dos atendidos, por meio de educação em tempo integral, moradia, alimentação, saúde, cultura, esporte, lazer, bem como formação moral, humana e religiosa. Na Cidade dos Meninos, em Ribeirão das Neves, há regime de internato, semi-internato e externato, com estrutura que inclui 100 casas alojamentos, duas escolas (ensinos médio e fundamental), 17 galpões destinados a oficinas profissionalizantes e muitas outras dependências.