Um desentendimento entre a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum) e a Vale, no que tange a governança do memorial que homenageia as 272 vítimas da tragédia de Brumadinho, causou o adiamento da inauguração do espaço que estava marcado para este mês de janeiro.
O projeto surgiu ainda em 2019 por concepção dos familiares, como um local para onde levar o restante dos segmentos das vítimas e o que mais era recolhido durante as buscas. Com as obras em reta final de conclusão, a Avabrum entende como incoerente a Vale gerir do local. A ideia é que uma fundação livre da interferência da mineradora administre a homenagem.
“Aguardamos a construção do documento jurídico que garante para nós, familiares das vítimas, o direito de governança, estabelecendo legalmente que o memorial seja nosso e dos nossos”, destaca o informativo da associação divulgado no último sábado (14/1).
Kenya Paiva Lamounier, integrante do conselho fiscal da associação, explica que até existe um diálogo com a Vale, porém existe pouca abertura. “Ela até se coloca disponível, mas dentro daquilo que ela considera como correto. A Vale quer garantir que esse memorial funcione da maneira que se gerencia uma empresa, mas ela não pode mandar no espaço”, disse.
Em nota, a Vale informou que as obras do memorial estão em reta final de conclusão e que mantém diálogo constante com a Avabrum, reforçando que o espaço é fruto de escuta ativa junto aos familiares das vítimas representados pela associação. No entanto, a mineradora não informou uma nova data para a inauguração.
Contradição
O projeto de assinatura do arquiteto Gustavo Penna é construído em formato de trincheira para estimular a introspecção. Nas paredes do memorial será gravado o nome de cada uma das vítimas da tragédia.
Para Kenya, é contraditório que a Vale queira gerir o espaço. “É importante pensar que esse memorial não é uma homenagem da Vale para as vítimas que ela causou. Ela tem que fazer uma homenagem, valorizar e respeitar a vida enquanto os funcionários estão vivos”, ressaltou.
O memorial ainda vai contar com 272 ipês amarelos para homenager as pessoas que morreram na tragédia de janeiro de 2019. Por outro lado, caso um acordo entre a Vale e a Avabrum não seja estabelecido, a mineradora não terá autorização dos familiares para gravar o nome das vítimas nas paredes do memorial e nem depositar os restos mortais no espaço
A conselheira ainda ressaltou que o acordo parece estar avançando com intermédio do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag). A expectativa é que o memorial seja inaugurado ainda no primeiro semestre de 2023.
O MP informou que, por meio das Promotorias de Justiça de Brumadinho, participa ativamente da construção dos documentos jurídicos que embasarão o efetivo funcionamento do Memorial, sendo que a prioridade é garantir que os familiares das vítimas se sintam atendidos e contemplados no modelo de governança que está sendo instituído.
Já a Seplag ressalta que o apoio dado à Avabrum tem como intuito garantir que os aspectos técnicos, em especial os relativos ao financiamento e gestão do Memorial, sejam acordados entre Vale e familiares da melhor maneira possível.