Em pleno cenário de emergência climática, moradores da região e cidadãos de Belo Horizonte se depararam com a notícia do corte de 465 árvores numa área localizada na Avenida Barão Homem de Melo, no Bairro Jardim América, o que pode causar a morte e desalojar centenas de animais silvestres.
Por isso, está marcado para este domingo (22/1), um ato em frente à mata com manifestações artísticas do Movimento Lambuzados e do Boi Rosado Ambiental, meditação, oficina de música com instrumentos naturais e flautas, a força dos maracás indígenas, poesias, doações de mudas e demonstrações de amor à natureza. A manifestação em defesa da mata do Jardim América será na Rua Gama Cerqueira, 451 (em frente à mata), a partir das 9h.
Há 13 anos alguns moradores da região já haviam iniciado um movimento pela preservação do local que hoje é, segundo o Plano Diretor da cidade, uma Área de Preservação Ambiental (PA1), por conter grande diversidade de árvores – algumas centenárias -, por ser um rico ecossistema, onde habitam centenas de animais silvestres, um deles de espécie avistada pela primeira vez na cidade, o pássaro caneleiro.
Moradores da região denunciam que, mesmo após a luta e um processo de ação civil pública, há um processo de licenciamento – que hoje já autoriza quatro grandes edificações de até 17 andares, e lista 465 árvores para morrer. Por isso, criaram recentemente o SOS Mata do Jardim América. O movimento é contrário à construção e demonstra uma verdadeira união de forças para proteger integralmente a área. Conta com o apoio de mais de 60 coletivos, ambientalistas, associações, parlamentares, advogados, arquitetos, urbanistas, artistas e moradores.
O economista Flávio Moreno, do Coletivo Vozes Maria e morador da região, comenta: “esse massacre das árvores não pode ser decidido entre quatro paredes, porque afeta a vida de toda a Região Oeste e também da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Isso tem causado muita preocupação, principalmente pela não participação da população. Então nós queremos uma ampla discussão com a comunidade para decidir os rumos da nossa vida”.
Manifesto junto ao Ministério Público
O movimento protocolou também junto ao Ministério Público um Manifesto pedindo a anulação do acordo e da licença ora concedida, para que haja a ampla participação da sociedade e a devida preservação da área.
O documento levanta questionamentos importantes, como possíveis divergências de valores de metragens, defasagem dos estudos de impacto ambiental, sobreposição de torres no espaço que teria sido acordado de ser preservado e mudanças do Plano Diretor da cidade, que hoje enquadra o local como Área de Preservação Ambiental (PA 1), de máximo grau de proteção, por exemplo.
O engenheiro ambiental Felipe Gomes questiona: “No acordo a área que eles concederam para a criação de um “parque” do outro lado da rua não tem relevância ambiental nenhuma. Enquanto que a área que eles querem fazer o empreendimento possui árvores nativas e dezenas são ameaçadas de extinção, como jacarandás e cedros. Algumas delas são árvores centenárias. Nós temos que chamar a atenção pra essa aberração. Queremos exigir o imediato cancelamento desse acordo e dessa licença”, detalha.
Duda Salabert
A deputada federal e ambientalista, Duda Salabert, se juntou à luta e além de ter sua assinatura no manifesto, protocolou dois requerimentos junto à Comissão de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Política Urbana, da Câmara de Vereadores, um endereçado à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e outro à Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo de Belo Horizonte, com questionamentos sobre o processo.
A atual proprietária do terreno também estaria cometendo uma série de irregularidades, como o não pagamento de impostos e a poluição visual no local, com anúncios de outdoor e nos muros que não teriam a devida licença para ser veiculados. “Quem deve milhões em impostos para a prefeitura não poderia ter o direito de destruir e fazer publicidade uma área tão importante para a cidade”, completa Felipe Gomes.
O Manifesto
“A proteção desta gleba é uma obrigação da Prefeitura e estamos atentos ao fato de que os órgãos municipais que deveriam proteger este oásis, acabam por beneficiar o mercado imobiliário que por sua vez compensa mal a sociedade por destruir esta que é uma das últimas áreas verdes da região. É preciso que o Ministério Público se sensibilize e cobre um posicionamento da Prefeitura porque em tempos de desequilíbrio climático provocado por este tipo de licenciamento, o que a sociedade quer é uma mudança dos paradigmas em prol de um maior equilíbrio ambiental”, pede a arquiteta urbanista, Cláudia Pires.
O Manifesto pondera que “diante do cenário de emergência climática e catástrofes com enchentes se tornando cada vez mais comuns, tirando vidas e com grande impacto econômico, é importante considerar essa questão não apenas sob a ótica particular e local, mas sim sobre os direitos de todos da cidade, do estado e do país, considerando o direito social da propriedade”.
Ele sugere o uso de soluções legais, como desapropriações, permutas, parcerias público privadas ou até a transferência do direito de construir, instrumento que consta no Plano Diretor da cidade. E pede ainda que sejam adotadas medidas pelo Ministério Público e demais órgãos de controle, a fim de assegurar a transparência e efetiva participação social no processo, tendo em vista que se trata de uma área tão importante para toda a cidade de Belo Horizonte, com preservação total da área verde para uso público e social.
“Seria um massacre absurdo uma retirada de mais de 400 árvores nesse local. Enquanto moradores estamos nos unindo em prol da total preservação dessa área, não de parte dela. Eu vejo os animais da minha janela, são vários pássaros, tucanos, maritacas, gaviões que tem aqui um local para viver e se reproduzir. E vemos também a importância dessa área quando chove. Quero deixar claro o nosso protesto! Nós somos totalmente contra a derrubada dessas árvores! Essa área precisa ser preservada”, defende a arte educadora e defensora da área, Denise Mursine.
Compensação ambiental é questionada
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou que a “supressão de árvores será compensada com o plantio de mudas conforme a legislação aplicável”.
Segundo o ambientalista e fundador do Projeto Manuelzão, Apolo Heringer, é preciso ter cuidado com essa área. “Sabemos que plantios são atos importantes para o futuro e um gesto de educação ambiental, mas esse tipo de “compensação” jamais vai refazer uma área tão expressiva como esta, que tem árvores centenárias e de grade porte. A existência delas é muito importante pra cidade e para os animais que passam e habitam esse refúgio verde. Mudas pequenas não conseguem contribuir da mesma forma com o microclima e não servem de abrigo e alimento para os animais, que agora estão em risco”, pondera.
Para César Pedrosa, do coletivo Bóra Plantar, compensação é uma medida que precisa ser analisada com ceticismo. “Tem sido difícil encontrar áreas públicas para plantar 200 mudas. Para o número de 3.457 mudas, previstas conforme a licença, seriam necessários pelo menos 2 hectares de terras para um plantio com espaçamento de 3 metros entre as mudas. Haveria um espaço público com essa dimensão em BH? O que garante que o plantio seja realizado com todos os procedimentos vitais para a sobrevivência, como o enriquecimento do solo, calagem, adubação e adição de substrato de plantio?”, questiona.
Áreas verdes abaixo do necessário para a saúde
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que o índice de área verde deve ser de no mínimo 12m²/habitante, sendo que a ideal é de 36m², ou seja, cerca de três árvores, por morador.
Especialmente a Mata do Jardim América, é uma das últimas áreas verdes que restam numa região onde habitam mais de 140 mil habitantes, entre 10 bairros: Jardim América, Gutierrez, Nova Suíça, Nova Granada, Calafate, Prado, Barroca, Alto Barroca, Salgado Filho e Grajaú. Na região em que estes bairros estão inseridos o número de área verde por habitante não cumpre o recomendado pela OMS.
Os números estão cada vez piores. Segundo pesquisadores do BH Verde, no levantamento destas áreas em Belo Horizonte em quatro anos (de 2017 a 2020) é percebida uma significativa diminuição das áreas arborizadas no município. “Fica visível que a Área Verde do espaço urbano vem sendo diminuída a cada ano. Houve uma redução de 7% do que existia em 2017, diminuindo-se aproximadamente mais 2km² de área verde no município”, relata Maria Lina Aguiar de Souza, na plataforma BH Verde.
Manifestação
- Manifestação em defesa da mata do Jardim América, em Belo Horizonte
- Data e hora: Domingo (22), a partir das 9 horas.
- Local: Rua Gama Cerqueira, 451 (em frente à mata), Belo Horizonte, Minas Gerais.
- Um abaixo-assinado aberto já reúne mais de 15 mil assinaturas. Para assinar, clique aqui.