“Não tem um dia sequer que não penso nela. Passo com frequência na área onde está a lama e fico pensando que não é justo com a gente que ela esteja ali e não tenhamos encontrado ainda.” A fala é de Tânia de Oliveira, prima de Nathalia de Oliveira Porto Araújo, uma das três vítimas da tragédia de Brumadinho que seguem desaparecidas.
Há quatro anos, o rompimento da Barragem B1 da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, interrompeu a vida de 270 pessoas e causou um dos maiores desastres ambientais da história do país. Desde então, familiares e amigos das vítimas convivem com o luto, o acompanhamento das buscas e o andamento dos processos na Justiça.
Há quatro anos, o rompimento da Barragem B1 da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, interrompeu a vida de 270 pessoas e causou um dos maiores desastres ambientais da história do país. Desde então, familiares e amigos das vítimas convivem com o luto, o acompanhamento das buscas e o andamento dos processos na Justiça.
Nathalia de Oliveira tinha 25 anos e era estagiária da Vale há quatro meses quando a barragem se rompeu. Natural de Brumadinho, foi criada pela tia. Tânia, a prima mais velha que a acompanhou desde os primeiros passos, conta que, apesar da dor, se alenta ao saber que os bombeiros seguem com as buscas na área atingida pela lama de rejeitos. “Creio que com essa demora toda, não sei se vão encontrar algum fragmento dela ou se vão ter a possibilidade de reconhecer, mas se o Corpo de Bombeiros está lá e tem esperança, eu estou junto com eles. Pela esperança de dar um enterro digno à Nathalia e confortar nossa família”, desabafa.
À frente dos trabalhos de busca, os bombeiros trabalham ininterruptamente por mais de 1.400 dias para recuperar os corpos das centenas de vítimas que se perderam em meio à lama da barragem rompida. Segundo o tenente-coronel Ivan Neto, do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, “desde o começo da operação o Corpo de Bombeiros se faz presente sem ter parado um único dia. A gente teve duas interrupções de busca durante a pandemia e o período de chuvas, mas nunca da operação. Durante esse tempo, as estratégias de busca foram evoluindo. À medida que a eficiência de uma estratégia ia diminuindo, a gente ia se reinventando”, explica.
Desde agosto de 2022, os bombeiros aplicam a oitava estratégia nas buscas por corpos. Ela foi desenvolvida por militares da corporação em conjunto com profissionais da mineradora e empresas contratadas. O tenente-coronel explica alguns dos métodos empregados e aponta que as medidas aumentam a eficiência dos trabalhos .
“As buscas são feitas através de estações de busca, hoje são quatro estações operando. Nessas estações é utilizado um equipamento vibratório onde todo o rejeito é depositado, esse equipamento vibra, separa o material descartável, que representa 90% do rejeito. Apenas 10% do material é levado para nossa análise, a gente ganha em eficiência, tempo e segurança. A máquina elimina riscos de falhas que poderiam acontecer com análise a olho nu e os bombeiros não trabalham mais próximos a maquinários pesados. Além disso, a previsão de conclusão da busca era de três anos a partir de janeiro deste ano e agora esperamos conseguir vistoriar todo o material em um ano e meio”, conta.
Segundo os bombeiros, aproximadamente 60% do rejeito vazado da barragem já foram vistoriados. Resta portanto, 40% do material para ser analisado. Ivan Neto comenta que a grande quantidade de trabalho a ser feito pode ser tratada como uma esperança para os familiares que ainda esperam pela identificação de segmentos corpóreos.
“Isso é o que nos motiva diariamente, a esperança de que vamos conseguir provocar esse momento de alento e conforto para as famílias. Propiciar o início de um novo ciclo para essas pessoas”, afirma o tenente-coronel, que salienta que não há previsão para encerramento dos trabalhos.
Identificação
O trabalho das buscas de bombeiros segue na identificação dos fragmentos encontrados. Em entrevista coletiva concedida ontem, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) apresentou um balanço dos trabalhos de investigação criminal e identificação de vítimas nos últimos quatro anos.
De acordo com a diretora do Instituto Médico Legal (IML), Naray Paulino, 1.004 segmentos corpóreos foram encontrados nos quase quatro anos de buscas na área afetada pelo rompimento da barragem. Das 270 vítimas, 267 já foram identificadas. Há 36 exames em andamento na atualidade, mas os peritos acreditam ser improvável que eles pertencem às três vítimas desaparecidas, já que foram achados em regiões próximas à fragmentos já identificados.
O trabalho de identificação é dificultado pelo tempo e pela fragmentação dos corpos. O fato também influencia nos processos de luto das famílias, que nem sempre optam pelo sepultamento a partir da notícia de identificação dos segmentos encontrados, como explica a diretora do IML.
“Até o momento, a maior parte das famílias tem optado por não retirar os restos mortais aqui do IML. Então existe uma câmara frigorífica aqui com caixas individualizadas de zinco, onde se pretende deixar os segmentos individualizados até que seja encerrada a busca ou até que as famílias decidam pegar os seus segmentos e sepultá-los juntamente com o segmento inicial, caso já tenha sido sepultado, ou sepultá-los uma primeira vez. Essa disponibilização é um ato personalíssimo, cada família tem direito aos segmentos e cada família vai decidir o que fazer com eles”, afirma.
Ao todo, são cerca de 400 segmentos corpóreos divididos em 120 caixas no IML, em Belo Horizonte. A estimativa da Polícia Civil é que aproximadamente 15 mil fragmentos ainda estejam espalhados pela lama em Brumadinho e, a maior parte deles, não será analisada.
Paulino ainda reforçou que tanto os trabalhos de busca como os de identificação não têm previsão de interrupção e que o objetivo da Polícia Civil é permitir que todas as famílias sepultem seus entes perdidos na tragédia.
"Em nome das três vítimas fazemos uma homenagem. Esperamos que nós possamos restituí-las às famílias o mais rápido possível para que possamos fechar o ciclo de luto, que é um luto individual para cada família e um luto coletivo para cada um da comunidade", disse a médica.
Na sequência, Paulino citou as três vítimas ainda não identificadas e reforçou o compromisso de encontrá-las. As três vítimas desaparecidas são Maria de Lurdes Bueno: corretora de imóveis e tinha 59 anos quando foi atingida pelo rompimento da barragem em uma pousada na região. Deixou dois filhos e um neto. Dois outros netos nasceram após a Tragédia de Brumadinho. Nathalia de Oliveira Porto Araújo era estagiária no setor de técnica em mineração. Tinha 25 anos quando aconteceu a tragédia. A terceira vítima, Tiago Tadeu Mendes da Silva, era funcionário da Vale em Sarzedo antes de ser transferido para Brumadinho, onde trabalhava há apenas 20 dias quando a barragem rompeu. Deixou uma filha de 4 anos e um filho de 7 meses.
Justiça Federal
A Justiça Federal aceitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre a Tragédia de Brumadinho. A decisão torna réus a Vale e a Tüv Sud e mais 16 pessoas físicas pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão.
Na última segunda-feira (23/1), o MPF apresentou a denúncia com o mesmo texto já elaborado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e aceito pela Justiça Estadual. As duas empresas listadas respondem por crimes contra a fauna, flora e crime de poluição.
Entre as 16 pessoas físicas listadas estão diretores e ex-diretores de ambas as empresas, como o ex-diretor-presidente da Vale, Fábio Schvartsman. Estas pessoas respondem por crimes ambientais e também 270 vezes pelo crime de homicídio qualificado.
A decisão acontece na véspera do dia em que a tragédia completa quatro anos, o que significaria a prescrição de alguns dos crimes ambientais citados na denúncia. A proximidade com a data fez com que a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, determinasse, na semana passada, o andamento imediato do processo à Justiça Federal de Minas Gerais.
A federalização do caso é vista com maus olhos pela representação das vítimas do desastre. Segundo Luciano Pereira, advogado da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum) e do sindicato Metabase de Brumadinho, a medida traz morosidade ao processo.
“A posição que temos a respeito disso é que entendemos não haver motivo algum para tirar o processo da Justiça Estadual. Isso é uma manobra protelatória dos réus com objetivo explícito de busca de impunidade. A partir desse momento, com tudo decidido entendemos que a Justiça Federal precisa garantir a celeridade desse processo e tenha a mesma sensibilidade que a ministra Rosa Weber ao pedir para acelerar o aceite para impedir as prescrições de crimes”, comenta.
Polícia Civil esclarece risco de prescrição
Durante a coletiva de ontem, o delegado da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), Luiz Otávio Paulon, falou sobre os riscos de prescrição relacionados ao processo da Tragédia de Brumadinho. Ele ressaltou que o prazo da prescrição de quatro anos não se aplica a todos os crimes enquadrados no inquérito feito pela polícia.
Segundo Paulon, apenas alguns dos crimes ambientais, com penas determinadas até dois anos, corriam o risco de prescrição a partir de amanhã, quando a tragédia completa quatro anos. Os demais crimes têm prazos diferentes.
O delegado deu exemplo do crime de homicídio, que tem prazo de prescrição de 20 anos. Paulon detalhou que o inquérito da PCMG, concluído cerca de um ano após a tragédia, indiciou diretores da Vale e Tüv Süd por homicídio duplamente qualificado por perigo comum e dificuldade ou impossibilidade de defesa da vítima.
Outra questão levantada durante a coletiva foi a diferenciação dos processos nas esferas criminal e cível. O delegado destacou que a possível prescrição de algumas acusações criminais não interferem nos acordos de reparação econômica e ambiental.
“O que nós estamos falando agora é só desses crimes ambientais menor potencial ofensivo, cuja prescrição pode ocorrer em quatro anos. Não podemos misturar com a reparação Cível, a reparação do meio ambiente. Essa é obrigação, não morre com essa prescrição criminal, não há vinculação”, explica.
O que dizem as empresas
A Vale afirmou que, a partir do recebimento da denúncia, a defesa jurídica da empresa compete ao advogado David Rechulski.
“A Vale reafirma seu profundo respeito pelas famílias impactadas direta e indiretamente pelo rompimento da Barragem 1, em Brumadinho, e segue comprometida com a reparação e compensação dos danos. A companhia reforça que sempre pautou suas atividades por premissas de segurança. A partir do recebimento da denúncia, compete ao advogado David Rechulski a defesa jurídica da empresa”, completa a nota.
Procurada pela reportagem, a Tüv Süd disse que a empresa não vai se manifestar sobre o tema.