Jornal Estado de Minas

TRAGÉDIA

Mineiros na Turquia: bombeiro explica trabalho de resgate internacional

O Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) integra os esforços de ajuda humanitária enviados pelo Brasil à região da fronteira da Turquia e Síria, que lida com os impactos de um terremoto, ocorrido na última segunda-feira (6/1), e já contabiliza mais de 22 mil mortos. Em entrevista ao Estado de Minas, militar que trabalhou em missões de resgate de outras tragédias fora do país conta como são feitos os trabalhos e os percalços vividos por quem viaja milhares de quilômetros para contribuir com os esforços de resgate de vítimas.





O tenente Rafael Rocha, integrante do Batalhão de Emergências Ambientais e Resposta a Desastres Naturais (Bemad), atuou nos trabalhos de resgate das tragédias de Mariana e Brumadinho e da ajuda humanitária após o terremoto que devastou o Haiti em 2021. Ele explica como é o passo a passo dos trabalhos em terras estrangeiras.

“Geralmente os militares desembarcaram em um setor especial, onde recebemos informações sobre as características do lugar, a cultura da população e mais diretrizes sobre o trabalho, como onde a base será montada. Todo o cadastro é feito antes da viagem, com informações sobre quantas pessoas integrarão a equipe, quais suas funções, quais equipamentos serão levados, se haverá cães, por exemplo”, afirma.

Além dos bombeiros mineiros, profissionais de São Paulo e do Espírito Santo integram a equipe deslocada pelo Brasil até a Turquia. O grupo embarcou com seis toneladas de equipamentos para auxiliar na busca por vítimas e quatro cães farejadores no mesmo esforço. O Ministério da Saúde enviou cerca de 750 quilos de medicamentos e itens emergenciais que possibilitam o atendimento de até 1,5 mil pessoas por pessoas por mês.





Rocha explica que, além das doações para atendimento às vítimas, as equipes de resgate também embarcam com todo o material necessário para a estadia e realização dos trabalhos. Em um cenário de vulnerabilidade do governo e população local, o planejamento preza por não criar mais exigências.

“Quando somos deslocados para essas missões, sabemos que o país está em uma situação difícil, então o planejamento leva em consideração usar a menor quantidade possível de recursos locais. Montamos a base e levamos alimentos para sustentar a equipe. Além das doações”, explica.


Ordem dos trabalhos


Após os trâmites burocráticos, resolvidos com agilidade dada a urgência do início dos trabalhos, os bombeiros, aliados às equipes que já atuam na área, começam os esforços de salvamento especificamente.





O tenente Rafael Rocha explica que o salvamento é dividido em duas etapas. A primeira delas é a de buscas, que exige um planejamento de conhecimento da área e uma ação meticulosa para evitar que interferências causem novos desabamentos.

“Temos que lembrar que é um ambiente instável, com chance de réplica, seja por um novo tremor ou por algum movimento que desencadeie mais desabamentos. A estrutura pode ceder, então é preciso também fazer escoras e ter muito cuidado neste tipo de terreno. É como um jogo de pega vareta, se você mexe em uma, pode ter impacto nas outras”, diz.

Ele destaca que os cuidados são tomados também para evitar que os profissionais que atuam no resgate se lesionem. O planejamento para o trabalho de buscas visa também otimizar os esforços e conta com equipamentos de alta tecnologia e desenhados para situações de resgates complexos.





“Outra questão na fase das buscas é evitar desperdiçar energia e fazer uma busca com planejamento prévio. Hoje usamos o equipamento LN1, o chamado ‘rastreador de vida’. É um equipamento que mistura engenharia biomédica com pulsos eletromagnéticos e permite, em um raio de 25 metros, detectar a respiração, batimentos cardíacos e movimentos das vítimas”, comenta.

Uso do 'rastreador de vida', o equipamento LM1 durante ocorrência em Belo Horizonte (foto: Acervo pessoal)

Realizados os trabalhos de busca, os bombeiros atuam no resgate, que também exige cuidado e delicadeza para evitar impactos nas estruturas já fragilizadas. Equipamentos específicos para resgate são usados para aumentar a precisão no resgate.

Preparo técnico e psicológico


Referência nas atividades de resgate, os bombeiros de Minas Gerais acumularam experiência a partir das tragédias locais dos rompimentos de barragens de mineração em Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019. O tenente Rafael Rocha lamenta as situações, mas aponta que os desastres possibilitaram que a corporação prestasse ajudas importantes em emergências fora do país, como agora na Turquia, em Moçambique, em  2019 e no Haiti, em 2021; e também em território nacional, como nas emergências causadas por chuvas em Petrópolis-RJ, Bahia e Recife-PE.





O tenente ressalta que situações calamitosas como a vivida atualmente na região fronteiriça entre Turquia e Síria exigem preparo técnico e psicológico. “É uma experiência fora do comum, mas somos treinados para isso. Os bombeiros passam muito tempo sem alimentação, porque não é possível mensurar exatamente quanto tempo uma missão vai durar e calcular a comida necessária. Além de questões como o frio, as informações que tivemos dos companheiros de que fez -5 ºC na Turquia de madrugada”.

Os bombeiros mineiros chegaram a Kahramanmara%u015F, no sul da Turquia, na noite desta sexta-feira (10/12), horário local. Em vídeo, as equipe brasileiras informaram que chegaram ao local onde estabelecerão base com o apoio da força aérea turca e começarão as atividades de busca horas após firmar base na região.


O tenente Rocha, que viveu situações similares às dos companheiros, comenta que a seleção dos profissionais que vão à campo em missões como essa leva também em consideração a capacidade psicológica, importante para trabalhar em cenário com pessoas em situação de extrema vulnerabilidade.





“A gente fica muitas vezes sem contato com as famílias, às vezes não consegue dar resposta. Você está convivendo com pessoas em situação muito precária, você pensa ‘preciso me alimentar para trabalhar e tem pessoas com fome ao lado’. Quando os bombeiros vão em uma missão como essa é preciso selecionar os melhores, não apenas tecnicamente, mas os que são mais firmes psicologicamente. É difícil, eu mesmo fui ao Haiti pouco tempo após o falecimento do meu sogro, tem casos de colegas que estavam fora do país e tendo de lidar com problemas médicos da esposa e dos filhos no Brasil”, conta. 

Para lidar com a experiência vivida e tratar da saúde mental, os bombeiros contam com apoio psicológico dentro da corporação e são orientados a compartilhar os momentos presenciados durante o salvamento.

O equilíbrio mental é um fator também para a perseverança nos esforços, visto que as chances de encontrar pessoas com vida diminui a cada hora passada desde uma tragédia como o terremoto de magnitude 7,8 na escala Richter que devastou território turco e sírio nesta semana.





Segundo o bombeiro, uma escala internacional determina que, em casos assim, vizinhos conseguem salvar cerca de metade das vítimas com vida nas primeiras quatro horas após um acidente. Entre quatro e oito horas depois, é necessária a ação de profissionais e o percentual de vítimas vivas passíveis de salvamento cai para 30%.

De oito horas até dois dias depois do ocorrido, é necessária a chegada de reforço técnico e cerca de 30% das vítimas com vida têm probabilidade de ser resgatada. De dois a sete dias depois do acidente, situação atual na Turquia e Síria, apenas 5% das pessoas ainda com vida devem conseguir escapar dos escombros.

Diante do cenário trágico e das perspectivas esparsas, os profissionais que trabalham nos esforços de resgate baseiam sua obstinação na convicção de que cada vítima vale o empenho. “Tenho certeza que nós vamos contribuir muito. Se uma vida for salva, já valeu a pena”, conclui o tenente.