A conclusão da investigação da Justiça espanhola sobre o caso de Daniel Alves, de 39 anos, preso desde 20 de janeiro, sem direito a fiança, sob acusação de ter estuprado uma mulher de 23 em uma boate em Barcelona, ainda é incerta, mas o protocolo No Callem, criado na capital catalã, já inspira iniciativas de segurança em casas noturnas de Belo Horizonte. O jogador de futebol brasileiro foi preso 10 dias depois de o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha informar que ele estava sob investigação. A vítima alega ter sido estuprada em 30 de dezembro e fez a denúncia dois dias depois.
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Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, foram registrados 4.922 casos de assédio sexual e 19.209 casos de importunação sexual no Brasil no ano anterior. Apesar dos altos números, alguns donos de casas noturnas de Belo Horizonte juram que nunca houve uma situação similar em seus estabelecimentos. Por outro lado, casas como Dduck, A Autêntica e Clube Chalezinho planejam adotar protocolos similares ao No Callem, visando combater possíveis situações de violência ou assédio.
“A segurança da mulher é, acima de tudo, essencial. Nossa sociedade é machista, então acho que a conscientização, o respeito, e inclusive punições mais severas são de extrema importância", afirma Elzio Pereira, sócio do Clube Chalezinho.
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Uma iniciativa que se tem popularizado é a adoção de um drinque falso como senha de situação de risco. O pedido da bebida pela mulher no bar significa que ela precisa de ajuda. A mulher é então acolhida pela equipe de segurança. Priscilla Pinheiro, que faz serviço de bar de diversas casas noturnas e festas de BH, conta que já implementou o drinque nos eventos de que participa.
Quando atua como produtora de eventos por meio da empresa Sensualiza, Priscilla utiliza uma equipe majoritariamente feminina. Se ocorre uma situação de assédio, além de prestar apoio para a vítima o agressor tem o nome registrado para que não entre em outros eventos realizados por ela.
“Não tem por que a pessoa continuar a frequentar o mesmo lugar como se nada tivesse acontecido”, afirma Priscilla. “Se a gente começar a barrar na noite, isso vai ter que ir para dentro das casas e vai incidir, querendo ou não, em um tratamento melhor para a mulher, e em menos agressões. É uma forma de, talvez, reformular o pensamento em uma forma que seja menos machista e menos abusiva.
A lista de “personas non gratas” também é empregada pelo Clube Chalezinho e pela festa de música eletrônica Masterplano. Além disso, uma cliente da Masterplano que passou por violência doméstica por parte do parceiro apresentou o registro do crime para os produtores e pediu que o ex-namorado fosse impedido de entrar na festa. O pedido foi atendido, mesmo que a violência não tenha acontecido durante um evento.
Equipe feminina na segurança
Sosti Reis, sócio da Masterplano, conta que no início teve problemas com a equipe de segurança, que era toda masculina. Isso mudou quando contratou a Nat Security, empresa de segurança com 90% de profissionais mulheres e que atende a 12 casas noturnas de Belo Horizonte.“O nosso trabalho é de prevenção, estratégia, inteligência e acolhimento. Com um bom trabalho de prevenção, dificilmente a gente tem problema em um evento”, afirma Nat Lanças, fundadora do Nat Security.
Projetos de lei criam selo nacional e Não se Cale MG
O protocolo No Callem, que deu agilidade às investigações e prisão preventiva do jogador de futebol brasileiro Daniel Alves na Espanha, serve de base para projetos de lei (PL) apresentados por parlamentares de Minas Gerais para a proteção da mulher em casas noturnas. Só neste ano, já foram apresentados dois PLs com essa finalidade, ambos de autoria de mulheres: a deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG) e a deputada estadual Lohanna (PV) se inspiraram no protocolo espanhol No Callem, de 2018, para criar o Não é Não e o Não se Cale MG, respectivamente. Em Belo Horizonte, já existe uma lei sobre o tema desde 2020 e outros dois projetos já tinham sido propostos em 2021, em nível estadual, mas ainda aguardam pareceres em comissões do Legislativo.
Na Câmara dos Deputados, a deputada Dandara Tonantzin apresentou o PL 4/2023, que prevê que os estabelecimentos que aderirem ao protocolo de segurança recebam o selo Não é Não, com validade de três anos. Em casos de abuso dentro desses locais, as ações previstas para auxílio às vítimas devem ser executadas por uma funcionária, para dar maior conforto e segurança.
“Queremos criar um protocolo que, realmente, proteja a mulher. Então, estabelecer que locais que sigam esses direcionamentos usem o selo Não é Não é dar liberdade para que as mulheres possam escolher frequentar ambientes seguros”, afirmou a deputada ao Jornal PT Brasil.
O texto ainda define que a ação prioritária deve ser a atenção à vítima, e não a acusação do crime ou do agressor. Entre a forma de prevenção, o documento indica que treinamentos periódicos devem ser oferecidos aos funcionários e a disponibilização de cartazes educativos que desestimulem a prática de crimes que atentem contra as mulheres.
Em âmbito estadual, o PL 217/2023, que institui o protocolo Não se Cale MG, obriga os estabelecimentos a adotarem ações de prevenção e acolhimento a potenciais vítimas de situações de risco ou violência sexual a partir de diversas ações, como a afixação de placas para conscientização e acesso aos meios de denúncia; a instalação de canais virtual e físico de denúncia; e a disponibilização de material informativo sobre os canais de denúncia.
O projeto de lei tem coautoria dos deputados Doutor Jean Freire (PT) e Ione Pinheiro (União) que, inclusive, dão continuidade a projetos de lei semelhantes (PLs 2.574/2021 e 3.111/2021), propostos anteriormente por eles. Respectivamente, os PLs previam a obrigatoriedade estadual de bares, restaurantes, boates e casas noturnas adotarem medidas de auxílio e segurança à mulher que se sinta em situação de risco nas dependências desses estabelecimentos; e a capacitação dos funcionários desses locais para a identificação e o combate ao assédio sexual e à cultura do estupro.
Agora, em conjunto com a deputada estadual Lohanna, eles ampliam seus projetos, a fim de tornar o regulamento mais fácil de ser seguido. “Já protocolamos um projeto, inspirado naquele No Callen, protocolo da Espanha para mulheres vítimas de violência em boates e espaços noturnos de lazer. Tivemos a sorte e a gentileza de contar com as assinaturas de Doutor Jean Freire e Ione Pinheiro. Os dois já tinham projetos semelhantes protocolados na Casa. Combinamos os três projetos e fizemos um que entendemos ter ficado mais robusto e amplo”, diz a deputada. “Esperamos que os parlamentares apreciem positivamente esse projeto, pois vai fazer diferença. Na Espanha, foi definitivo para a prisão de Daniel Alves haver um protocolo tão claro funcionando.”
Lei em Belo Horizonte
Na capital mineira, já existe uma lei ,em vigor desde 2020, que obriga bares, casas noturnas e restaurantes a adotar medidas para auxiliar mulheres que se sintam em situação de risco em suas dependências, além de dar outras providências. Sem prever punições, a lei lista três ações para a implementação nesses locais: qualificação dos funcionários para a aplicação das medidas de acolhimento; disponibilidade para oferecer ajuda divulgada por meio de cartazes afixados nos banheiros femininos; e a indicação de meios de transporte e de comunicação para que a mulher demonstre estar em perigo ou se sinta ameaçada. Caso ela solicite, a empresa ainda deverá acionar a polícia.
Prevenção e acolhimento
Criado em 2018 pelo governo de Barcelona, na Espanha, o protocolo No Callem foi essencial para que a investigação e a prisão do jogador fossem realizadas com agilidade. O regulamento visa combater agressões sexuais e a violência contra as mulheres em espaços destinados ao lazer noturno, e os locais que aderem à iniciativa recebem treinamentos sobre como aplicar as medidas e acompanhar os casos. Ao aderir ao protocolo, os donos e trabalhadores dos estabelecimentos passam a dispor de ferramentas para prevenir e identificar possíveis situações de agressão e assédio sexual para prestar o devido atendimento à vítima, descrevendo diferentes cenários de possíveis ataques e orientando na condução dos casos. Os espaços também devem ser pensados para evitar que áreas escuras e escondidas fiquem sem vigilância. Um dos pontos centrais é o foco na vítima, e não no agressor. A vítima deve ser mantida longe de seu agressor, receber todas as informações pertinentes e ter suas decisões respeitadas.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho