Com seus 66 m² de área, a casa foi construída pelo Coletivo LEVANTE, que tem o foco na elaboração de projetos em favelas e periferias. Para o dono da residência a conquista representa uma vitória para toda uma comunidade estigmatizada pela violência. “A gente coloca hoje a favela no topo. Geralmente a notícia é de violência, tiro, porrada, bomba, barraco caindo. Mas hoje é um barraco subindo, e subindo para o topo do mundo”, comemora Kdu dos Anjos.
O artista e gestor do centro cultural Lá da Favelinha também destaca que essa conquista é uma forma de vivenciar a favela de uma maneira incomum, "improvável". Com tijolos expostos, sem reboco e pintura, com sua simplicidade de longe a casa se camufla na paisagem do Aglomerado da Serra, carregando a assinatura da dupla de arquitetos Fernando Maculan e Joana Magalhães.
Fernando também destaca a importância da conquista para a comunidade do Aglomerado da Serra. “A premiação é uma grande oportunidade de mudar as perspectivas da favela. Mudar para uma perspectiva positiva, de mostrar a potência dos grupos que trabalham e tem tantas atividades exemplares dentro da favela”, afirma o arquiteto.
Para o ArchDaily, o portal que organizou a premiação, os vencedores são um exemplo concreto do que a sociedade reconhece como boa arquitetura, ao mesmo tempo, em que a área precisa se abrir e lidar com questões como a crise climática, escassez de energia, densidade populacional, desigualdade social, escassez de moradias, urbanização acelerada, identidade local e segregação.
Força da comunidade
Desde que o concurso começou no início de fevereiro, a “Casa do Pomar do Cafezal” tem gerado engajamento nas redes sociais por meio de campanhas realizadas pelo morador, fator que se mostrou decisivo para a conquista do prêmio. “A primeira notícia que eu soltei eu falei ‘vou precisar de todo mundo, dos amigos, dos artistas, das tias do zap’ e foi o que aconteceu”, afirma Kdu reconhecendo também o papel dos “haters” na premiação. “Tem pessoa que não aguenta ver favelado vencendo”.
Figura marcada na cena artística da capital mineira, Kdu também carimbou sua presença no Carnaval de BH em diversos blocos como o tradicional “Então, Brilha!”. Na maior festa de rua da cidade, o artista fez questão de lembrar do seu “barraco”. “No carnaval eu andava e as pessoas falavam ‘já votei na sua casa’. Quem vinha pedir foto eu falava ‘só vou tirar se votar na minha casa’, é felicidade demais”, contou.
O arquiteto Fernando Maculan também revelou um sentimento “coletivo”, com a vitória, ressaltando que o concurso gerou uma empatia em todo mundo que, de alguma forma, quis participar e dar o suporte através do voto. “Parecia que tava todo mundo esperando esse resultado e torcendo pelo Coletivo LEVANTE e pelo Kdu”, diz Fernando que também destacou os caminhos que o prêmio pode abrir. “A gente tem que entender como vai trilhar esses caminhos”.
A casa
Apesar de pequena, como destaca Maculan, a casa tem suas referências e seus diferenciais. O arquiteto observa que o fato dela ser muito parecida com as outras residências da comunidade, insere o projeto naquela realidade usando os mesmo sistemas construtivos e os mesmo materiais do entorno, “no entanto, ela mostra de forma muito sutil - até simples -, que tem uma série de cuidados arquitetônicos que podem tornar essas casas em ambientes mais agradáveis e confortáveis”, explica Fernando.
A diferença sutil destacada pelo profissional é que os tijolos são dispostos de forma horizontal, deitados. A escolha muda a aparência da casa que não recebe pintura, mas muda, principalmente, a eficiência da parede em reter calor não deixando que ele adentre o imóvel. Quando o tempo está mais frio, o calor tende a ser preservado porque a parede é mais grossa.
A área de 66 m² também considera as áreas externas da casa. Levando em consideração só os ambientes internos, ela tem em torno de 20 m² no primeiro piso, com sala, cozinha e área de serviço.
Para levar pro andar de cima, os arquitetos optaram por uma escada externa que não ocuparia mais espaço dentro da residência. Ao subir se tem mais 20 m² com terraço, quarto e banheiro. “A área fechada e construída, ela vai ter em torno de uns 40 a 45 metros quadrados”, afirma Fernando.
Já o maior desafio em erguer a residência foi chegar no local com os materiais, já que não existe uma rua de acesso de veículos que passam na porta da casa. Mas Fernando ressalta que esse é um desafio muito grande para todos que constroem na favela. “Acaba sendo o trabalho de ‘formiguinha’, disse.
Novos Projetos
Com atuação desde 2017 o Coletivo LEVANTE está em um movimento crescente, que agora é reconhecido com a premiação internacional. Nos últimos dois anos a demanda de trabalhos do grupo tem crescido e o próximo projeto que será conhecido pelo público é a galeria de arte “Torre de Bebel”, também em parceria com o Kdu dos Anjos.
O espaço será um prédio com quatro níveis pequenos, de aproximadamente 12 metros quadrados por piso. Ali será instalado um espaço para os artistas da favela e convidados de outras periferias exporem seus trabalhos, como uma forma de valorizar a arte local.
“A gente conhece muitos artistas de favela e vemos muitos deles ganharem o mundo. O projeto é uma forma de mostrar esse trabalho dentro das favelas, valorizar a arte aqui dentro e criar uma cultura de dentro para fora”, completa Fernando Maculan.
*Estagiário sob supervisão de Fernanda Borges