O Carnaval de Belo Horizonte acabou neste domingo (26/2), e para uma folia que durou quase três semanas – oficialmente, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) anunciou que a festança começou no dia 4 de fevereiro –, ainda teve gente afirmando já sentir falta do evento. Com 5 milhões de foliões confirmados na capital mineira e movimentação financeira de R$ 1,5 bilhão no estado de Minas Gerais, a edição foi considerada a maior da história da cidade na avaliação do público.
Com histórico político forte, o Carnaval de BH começou a se revitalizar em meados dos anos 2010 e, em 2023, depois de um hiato de dois anos, chegou com força e potência sociais muito grandes: para além da capital, a consolidação das festividades na cidade contribuiu, também, para o avanço da folia em todo o estado. Pelo menos 1,6 mil eventos carnavalescos foram declarados ao governo, dentre os quais cerca de 900 eram blocos de rua.
Em Belo Horizonte mesmo, foram mais de 500 blocos – dentre os quais mais de 100 saíram no pré-carnaval – cadastrados na PBH para desfilarem em diversas regiões com as mais diferentes propostas, a maioria celebrando a diversidade, a liberdade e a democracia.
Blocos de rua e a diversidade
O “Então, Brilha!”, que dá o “start” aos dias oficiais de Carnaval, por exemplo, é um dos blocos de rua mais tradicionais da capital mineira, e teve como tema, este ano, o “Sol da Justiça”, abrindo espaço, também, para manifestações contra a degradação da Serra do Curral.
"Esse ano vai ser um ano muito valoroso para essa volta do Carnaval. Nossos corpos também são políticos. Nós estamos aqui como um manifesto", disse Mateus de Souza, que há três anos participa da bateria do “Então, Brilha!”, lembrando que o Carnaval é, inegavelmente, uma festa com traços políticos.
Dentre tantas manifestações políticas envolvendo diversas causas sociais, como a negra, a LGBTQIAP+, a feminista e a ambiental, também tiveram destaques blocos realizados em regiões periféricas, como o “Seu Vizinho”, que teve como lema “Tudo que nóis tem é nóis” – título da música do rapper Emicida tida como hino de resistência periférica. Com presenças ilustres, como os políticos Áurea Carolina (PSOL) e Léo Péricles (UP), e o rapper Djonga, o bloco teve início com discurso político forte.
"O diferencial do Seu Vizinho é a inclusão, a diversidade, é um bloco da favela. As pessoas vêm porque se sentem abraçadas, a gente aceita todo mundo", disseram as irmãs Lorena e Mica Carvalho, ambas parte da produção do bloco, que acontece no Aglomerado da Serra.
O “Beiço do Wando”, no bairro Funcionários, também chamou a atenção por ter uma rainha não-binária, Rodrigo Falqueto. Segundo ela, que atua como rainha do bloco desde 2017, ao ocupar esse espaço, levanta a bandeira do respeito.
“Todos nós devemos ser respeitados. Não importa a sua opinião, eu só quero que você me respeite e respeite o próximo. Todos nós somos diferentes e temos que aceitar as diferenças do outro. Sou contra a homofobia, contra o feminicídio, contra o racismo, contra todos os tipos de preconceito”, explicou.
Além da diversidade social, a de ritmos também chamou a atenção do público que frequentou o Carnaval de BH. As foliãs Carolina Giovanetti e Gislane Caetano, enquanto aproveitavam o “Bloco Magnólia”, que acontece no bairro Caiçaras, afirmaram que este é um dos diferenciais da festança. “A gente vê muita heterogeneidade dos blocos. Você vai num rock, vai num samba, num axé, num funk. A gente pode aproveitar quase tudo”, disse.
Com um pré-carnaval extenso e um puxadinho de pós-carnaval, BH também esteve animado antes e depois do período oficial da folia. Um dos destaques do pré foi o “Mamá na Vaca”, conhecido por homenagear a estátua da vaquinha da Rua Leopoldina, no Bairro Santo Antônio.
"Mamá na Vaca' é, antes de tudo, ter muita disposição para estar aqui na muvuca, respeitar todos os corpos, todas as pessoas, todas as escolhas e todas as idades. O diferencial é a variedade de pessoas, de idade, de fantasia. Muita família, criança, cachorro. Outra coisa legal é o coletivo, na hora de descer os morros daqui, o pessoal dos carrinhos estava passando muito aperto com as bebidas. Aí, você vê um segurando com a bunda, outro puxando daqui, isso é muito legal", disse a foliã.
Do pós, o “Vira o Santo” também virou tradição. Reunindo membros de baterias de diversos blocos que desfilaram ao longo do Carnaval, a Praça da Estação lotou para dar início à despedida da folia de 2023 neste sábado (25/2). Para encerrar mesmo, domingo (26/2) começou com homenagem à rainha dos baixinhos, Xuxa.
O bloco “Lua de Crixtal”, que carrega a bandeira LGBTQIA e separou a parte de dentro do cordão para a inclusão de pessoas com dificuldade de locomoção, crianças e idosos. A retomada pós-pandemia é motivo de “explosão de alegria”, como conta Crixtal, rainha do bloco. "Uma retomada de afeto e do carnaval. Estou muito feliz por estar aqui mais um ano", conta ela, que é mulher trans.
E antes mesmo de a folia acabar, já tinha gente sentindo saudade. “O Carnaval está ótimo, mas o horário está muito curto. Hoje, deu 17h e já acabou. Eu queria mais, esse é o problema. O carnaval de Belo Horizonte é o melhor e todo mundo sabe disso. A animação, todo mundo dançando”, disse a foliã Marcela Alves na terça-feira (21/2) de carnaval.
Segurança
Minas Gerais também teve um dos carnavais mais seguros do Brasil, com redução de roubos, acidentes de trânsito e casos de violência em relação ao último Carnaval realizado antes da pandemia da COVID-19.
A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) informou redução de 75,2% no número de roubos em Minas em comparação com o carnaval de 2020. Foram 603 ocorrências naquele ano e 149 em 2023. Em relação aos furtos, a queda foi de 57,7% com 1750 registros no carnaval deste ano contra 4142 em 2020.
Já os crimes de importunação sexual caíram de 51 para 38 ocorrências, acompanhados por redução de 33% e 45% nos crimes de estupro e estupro de vulnerável, respectivamente. "Tivemos também um aumento, um incremento muito importante no nosso telefone 181, o Disque-Denúncia", comemora o secretário de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais, Rogério Greco.
Nas estradas, o Carnaval também ficou mais seguro com a redução em torno de 47% dos acidentes com vítimas fatais. A melhora no índice é atribuída a ações preventivas, como a apreensão de 1,5 mil veículos pela PRF e a condução de 1,1 mil motoristas por embriaguez ao volante.
Além da Secult e da Sejusp, foram compilados dados fornecidos pelas secretarias de Estado de Saúde (SES-MG) e Desenvolvimento Social (Sedese), além da Polícia Militar Militar de Minas Gerais (PMMG), Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) e Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG).
Limpeza e estrutura sanitária
No Carnaval de BH deste ano, a imagem dos garis acompanhando os desfiles dos blocos de rua também ficou marcada. A folia de 2023 resultou em, aproximadamente, 114 toneladas de lixo por dia recolhidas entre sexta (17/2) e terça-feira (21/2), totalizando 570 toneladas.
Ainda assim, a quantidade é menor (59%) que a do último Carnaval oficial, realizado no início de 2020. Naquele ano, a PBH recolheu 848 toneladas de resíduos nas ruas.
A Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) montou uma operação para dar conta da quantidade de lixo a ser recolhida. Contando a noite de sexta-feira até terça-feira, o SLU teve quase 950 funcionários nas ruas por dia, num esquema de limpeza que não contou apenas com vassouras, mas também com caminhões-pipas e lava-jato que ajudaram na limpeza da cidade.
Entre sexta e terça-feira, desfilaram 225 blocos e a cidade teve 1.826 banheiros químicos, em média, espalhados pelas ruas durante o período, número pequeno, se comparado à quantidade de foliões que estiveram na capital. Em entrevista ao EM para avaliação dos pontos positivos e negativos do Carnaval de BH, a maioria do público pontuou que teve problemas com os banheiros, que estavam muito sujos e eram insuficientes, principalmente em blocos maiores.
Trânsito e transporte
Em balanço atualizado pela PBH até a segunda-feira (20/2) de carnaval, 1.930 bloqueios de vias foram feitos para a realização dos cortejos desde a sexta-feira. Em média, a partir de sábado (18/2), foram ofertadas cerca de 11.450 viagens de ônibus na cidade e 200 linhas tiveram alteração de itinerário por conta da folia.
Recebendo foliões de diferentes cidades e também lidando com o deslocamento de pessoas entre blocos de diferentes partes da capital, a mobilidade urbana ainda contou com um problema a mais: a greve dos metroviários que deixou o modal fechado durante todo o carnaval.
“Eu nasci em BH, morei 12 anos fora e voltei há um ano e meio. O mineiro é muito acolhedor, as pessoas são muito animadas, civilizadas e os blocos são muito organizados. Acho que o transporte foi um ponto negativo, ficou muito aquém, também pela greve do metrô. O policiamento fora dos blocos também deixou um pouco a desejar”, disse Amanda Araújo ao lado da filha no bloco Juventude Bronzeada.
No Centro, durante o bloco Funk You, a estudante Giovana Melo foi mais uma foliã a destacar positivamente a organização dos blocos ao longo dos dias e a criticar o transporte, sugerindo, ainda, que a folia dos próximos anos conte com tarifa zero nos coletivos.
“Eu achei positivo poder ir em bloquinhos o dia inteiro. Tinha bloquinho de manhã, de tarde e de noite. Negativo é que faltam lixeiras, tinham muito poucas em toda cidade. Eu também acho que podia ter ônibus de graça. Às vezes, quando o ônibus demorava, a gente tinha que vir de Uber ou a pé. A pé é longe e de Uber fica muito caro”, comenta.