Jornal Estado de Minas

PATRIMÔNIO

Igreja do século 18 em Caeté corre risco de cair enquanto espera obras


Berço da Guerra dos Emboabas (1707-1709) e ex-vila do ouro da cidade localizada aos pés da Serra da Piedade, guardiã da imagem da padroeira de Minas, Nossa Senhora da Piedade, Caeté, na Grande BH, abriga grandes tesouros da história – alguns em degradação acelerada, com sério risco de desabamento. Interditada desde 2021 pelo Corpo de Bombeiros, a Igreja Nossa Senhora do Rosário, circundada por um cemitério, é exemplo de monumento do início do século 18 tomado pelas infiltrações, necessitado de intervenção na parte estrutural e clamando por obras de drenagem no terreno, no Centro do município. Já perto da porta principal, o anjo de pedra sobre um túmulo, retratando a dor da perda de uma família, parece lamentar também a deterioração do templo barroco.




 
Perto da porta principal, anjo de pedra que retrata a dor da perda de uma família parece lamentar também a deterioração do templo
“Precisamos preservar a igreja, pois se trata de um marco importante na nossa cidade e na vida das pessoas. O perigo de ela cair é grande, daí a necessidade de providências urgentes. Ficando fechado, o templo tem sua situação piorada devido à água das chuvas e ao mofo. O muro lateral já desabou, tememos por todo o conjunto”, diz a moradora Francisca Paulina Figueiredo, integrante dos  conselhos municipais de Cultura, Turismo e Patrimônio.
 
O mato no telhado escancara o estado de abandono da construção, dos primeiros anos do século 18, que foi tombada pelo Iphan em 1950
Tombada em 1950 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e vinculada à Arquidiocese de Belo Horizonte, sendo o cemitério administrado pela prefeitura local, a Igreja Nossa Senhora do Rosário é um dos templos católicos mais antigos de Caeté, ex-Vila Nova da Rainha. Devido à gravidade do quadro, foi alvo de investigação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que, diante dos  problemas, notificou as instituições envolvidas. Na sequência, os bombeiros constataram riscos estruturais, falta de equipamentos de segurança, desabamento do muro lateral e afundamento do piso no adro da construção.

Fechada

A interdição da igreja se deu pelo parecer técnico elaborado pela Coordenadoria de Patrimônio Histórico e Cultural do Ministério Público de Minas Gerais (CPPC/MPMG), fruto da vistoria realizada em 10 de outubro de 2021. Em seguida, houve a interdição do templo pelo Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, o qual constatou várias irregularidades no imóvel.




 
O MPMG informa que, desde então, dentro do procedimento instalado, foram feitas diversas notificações aos órgãos envolvidos para adoção de medidas de conservação e restauração da igreja. “Recentemente, houve uma reunião com o município de Caeté, Ministério Público Federal, Iphan, Mitra Arquidiocesana, Ministério Público de Minas Gerais, representado pela 2ª Promotoria de Justiça de Caeté e pela CPPC, ocasião em que várias deliberações foram acordadas. Por meio de um Procedimento de Apoio à Atividade-Fim, a CPPC está acompanhando todas as medidas adotadas.”
Na tarde de ontem, ao passar diante da igreja, uma vizinha lamentava o fechamento. "Uma pena mesmo não podermos entrar, viu? E olha que tem gente importante sepultada aí, a exemplo de João Pinheiro."

Responsabilidades

O coordenador técnico de turismo, cultura e patrimônio da Prefeitura de Caeté, Pedro Conceição, informa que a PUC Minas e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) concluíram um estudo de drenagem do terreno no entorno da igreja. “Vamos em busca dos recursos para execução dos serviços. A igreja não é nossa, somos responsáveis apenas pela gestão do cemitério”, afirma Pedro Conceição, destacando a necessidade de participação efetiva do Iphan e da Arquidiocese de BH na preservação do bem.
 
A estimativa é de que a intervenção custe R$ 5 milhões, incluindo cobertura, parte elétrica e drenagem do terreno no qual fica o cemitério. Nesse local, estão os túmulos de dois ex-governadores de Minas: João Pinheiro (1860-1908) e Israel Pinheiro (1896-1973). Conforme a prefeitura local, sepultamentos no entorno da igreja estão impedidos – só há autorização para novos se o túmulo estiver longe do templo.





Remoção

Em nota, o Iphan informa que os contratempos de conservação da Igreja Nossa Senhora do Rosário decorrem, em sua maioria, de problemas de fundação, os quais estão ligados à infiltração do solo e umidade causadas pela proximidade do cemitério e sepultamentos. “O Iphan defende a remoção de alguns túmulos, em especial os sepultamentos do entorno imediato da Igreja, para ser feita uma obra de drenagem, com estudos de engenharia e arquitetura especializados. Só a partir daí será possível discutirem-se obras de restauração e conservação, tendo em vista que qualquer obra nesse sentido não seria eficiente, dados os problemas de infiltração.”
 
A nota diz ainda que, no final de 2022, o Iphan participou de uma reunião com o Ministério Público de Minas Gerais, na qual foi discutido o fim dos sepultamentos e a remoção de alguns túmulos, sob responsabilidade da Prefeitura de Caeté. Por ocasião da reunião, o Iphan se comprometeu a orientar e analisar os projetos que forem elaborados pela prefeitura e pela Arquidiocese de Belo Horizonte, no sentido de orientar os estudos para possibilitar uma drenagem adequada da igreja e posteriormente pensar em uma intervenção de forma mais robusta, atuando diretamente na conservação do bem.
 
“Importante ressaltar que o Iphan se preocupa e reconhece que um dos valores da Igreja Nossa Senhora do Rosário é exatamente o fato de ela manter a prática de sepultamentos em seu entorno, bem como sabe de sua importância para a população, cultura e história. Porém, a manutenção dessa prática se tornou inviável para a manutenção da edificação em si, de sua materialidade”, diz o texto.




 
E mais: “Dessa forma, é fundamental a elaboração e execução de um projeto de drenagem para a Igreja Nossa Senhora do Rosário. Entretanto, devido ao contexto em que a mesma se insere, bem como a complexidade das motivações desse tipo de estudo e intervenção, recomenda-se que o projeto seja desenvolvido concomitantemente com outras intervenções e estudos: retirada de, no mínimo, duas fileiras de sepulturas imediatamente próximas aos muros do templo – essa intervenção necessita ser previamente analisada pelo Iphan, com manifestação, entre outros, de técnicos em arqueologia.”
 
As escavações necessárias para essa intervenção devem ser acompanhadas por estudos geotécnicos e de prospecção estrutural para se avaliarem as condições de solo e fundações do tem- plo. “Para, assim, elaborar-se a melhor solução de drenagem e, eventualmente, seu reforço es- trutural.” De forma semelhante, tais estudos devem apontar para a necessidade de ampliação ou não da área de retirada de túmulos, bem como sobre a continuidade de tal prática no entorno imediato da igreja.

Histórico

O templo dedicado a Nossa Senhora do Rosário data dos primeiros anos do século 18, sendo em sua origem subsidiária da primitiva matriz de São Caetano, construída na época da elevação do Arraial de Caeté a vila, em 1714. Chegou a servir de matriz e sede das demais irmandades, quando o novo templo destinado a esse fim estava em construção, entre 1757 e 1765. Conforme estudos do Iphan, é possível que, nesse momento, tenha recebido os dois retábulos laterais em estilo barroco, procedentes da primitiva matriz, que não têm adequação perfeita ao seu espaço interno.




 
O templo foi reconstruído em alvenaria de pedra por volta de 1787, com nova fachada, incluindo frontão ondulado com pequenas sineiras laterais e portada decorada com tarja, na qual pode ser visto o rosário, símbolo da irmandade proprietária.
 
Na decoração interna, dois períodos estilísticos podem ser identificados de imediato. Os três retábulos são do Barroco inicial, com estrutura em colunas torsas interligadas por arquivoltas concêntricas. Os laterais do arco-cruzeiro, mais antigos, têm decoração profusa, incluindo folhas de parreira, cachos de uvas e pássaros fênix. As sanefas superiores são, entretanto, de estilo rococó, assim como o púlpito, acrescentados na segunda metade do século 18, após a reconstrução. O altar-mor, da mesma composição dos altares da nave, permaneceu inconcluso, podendo ser observado que as colunas internas joaninas, assim como o sacrário, foram trazidos de outro local.
 
Do período rococó são as pinturas dos forros da capela-mor e da nave. O primeiro tem no centro a representação da Assunção da Virgem entre Anjos, cercada de movimentada moldura de rocalhas. Quatro pilastras fazem a ligação com o muro-parapeito das laterais, atrás do qual se postam representações dos Doutores da Igreja, os santos Agostinho, Jerônimo, Ambrósio e Gregório.




 
A pintura do forro da nave em abóbada facetada remonta provavelmente ao período final do ciclo rococó de pintura de perspectiva mineira. A composição se baseia em muro-parapeito sinuoso correndo ao longo das paredes laterais, com varandas nos eixos transversais e figuras dos santos dominicanos Vicente Ferrer, Tomás de Aquino, Pio V e Benedito XIII. No medalhão central está representada Nossa Senhora Mãe dos Homens, acolhendo sob o manto figuras ajoelhadas de homens e mulheres. A cena é artificialmente envolvida por um rosário de execução posterior, possivelmente para adequação à iconografia de Nossa Senhora do Rosário.