Caminhar por Belo Horizonte definitivamente não é uma tarefa fácil. Com as próprias pernas, os pouco mais de 331 km² de extensão se tornam uma "vida inteira" considerando os grandes morros da cidade. Mas há quem tente, como é o caso do coletivo Atravessar BH, que realiza no próximo sábado (4/3) sua décima travessia pelas ruas da capital Mineira, desta vez em um trajeto que passa por parques e áreas verdes da regional Oeste.
Em conjunto com o coletivo Verdejar BH - criado em 2020 e que realiza plantios de árvores pela cidade - o grupo, de mais ou menos 20 pessoas, vai percorrer uma distância a pé de 15 km a partir das 8h30. A ideia principal dos exploradores é observar a cidade de uma maneira incomum para a rotina acelerada do trabalhador belo-horizontino, que gasta uma quantidade considerável de tempo nos meios de transporte.
A jornalista e pesquisadora Prussiana Fernandes, idealizadora do Atravessar BH, explica que caminhar proporciona novas percepções do espaço, contribuindo para o aprofundamento no conhecimento da cidade. “A gente percebe a cidade de um jeito mais lento, com mais atenção, sem aquela ideia de ter que passar pelos lugares rapidamente para chegar ao trabalho. Também conseguimos conhecê-la e aprendê-la (BH) de outras formas, percebendo as semelhanças e diferenças entre os bairros e regiões”, disse.
Para contribuir com o aprendizado, o grupo vai fazer pequenas rodas de conversa com pessoas que atuam nas áreas verdes do caminho. Com um tempo de caminhada estimado em quatro horas, a partida será do Campus 1 do Cefet, no Nova Suíça, fazendo a seguinte rota:
- Parque Jardim América (Jardim América)
- Centro Municipal de Agroecologia e Educação Ambiental - CEMAR (Estoril)
- Parque Jacques Cousteau (Betânia)
- Recanto das Nascentes (Betânia)
- Cefet Campus 2 (Nova Gameleira) - dispersão
Organizador do Verdejar BH e analista socioambiental, Filipe Martins observa a região Oeste como um local extremamente delicado para a cidade, devido ao direcionamento do excesso de água da chuva das regiões mais altas, como Buritis, para o Ribeirão Arrudas, o que contribui para os transbordamentos.
“São áreas verdes que vão além do interesse para a saúde pública e mental das pessoas, com a integração da cidade. São áreas importantes de captação que evitam que mais água vá para o Ribeirão Arrudas, evitando as inundações de BH”, afirma Filipe.
Caminhar junto
A princípio, a caminhada deste sábado (4/3) estava com inscrições abertas para 15 pessoas, mas o interesse pelo projeto tem crescido, e o grupo deve fechar em 20, mas o importante é “caminhar junto, em grupo”, exclama Prussiana. A idealizadora observa que ter poucas pessoas ajuda a não perder a conversa em longas filas que podem se formar na calçada.
“Nas travessias que a gente já fez sempre tem gente que mora em vários lugares da cidade, e algumas delas moram em lugares que estamos passando, então elas trazem histórias e conhecimentos que elas têm sobre o lugar. A gente vai compartilhando impressões e um pouco do que é a vida de cada um na cidade”, expressa a jornalista.
Apesar de haver inscrições, elas são gratuitas, e o grupo ainda se disponibiliza a ajudar quem precisar em pequenas despesas, como o almoço e a passagem da volta. Os caminhantes também não se importam se outros transeuntes toparem e aderirem trajeto, se sentindo “lisonjeados e felizes com o interesse”.
Para Filipe Martins, o projeto ajuda as pessoas a se reconectarem com a cidade, já que muitos ficam concentrados nos bairros em que trabalham e moram. “A travessia por bairros de regionais distintas faz com que as pessoas vejam realidades distintas”, disse Filipe, que também observa a necessidade de ocupar e chamar atenção do poder público para esses locais.
“Tenho a percepção que os parques de Belo Horizonte precisam ter mais atividades, pois é com o uso que pressionamos o poder público a fazer uma melhor manutenção desses espaços. E vamos passar por algumas áreas que estão em disputa com a especulação imobiliária, como a mata do Jardim América, chamando atenção para as necessidades das áreas verdes remanescentes”, completa Filipe Martins.
Venda Nova ao Barreiro
Os 15 quilômetros da décima caminhada do Atravessar BH assusta quem não está acostumado com as distâncias da capital mineira. Por outro lado, o grupo já fez caminhadas maiores e mais “sem noção”, como diz a própria Prussiana. O projeto começou em 2018 literalmente já atravessando a cidade, indo de Venda Nova ao Barreiro.
Partindo da Estação Vilarinho até a Estação Barreiro, o percurso a pé tem 24 km e, segundo o Google Maps, dura em média cinco horas. No mesmo ano, o grupo também fez outras duas travessias completando uma espécie de circuito pelas bordas da cidade, indo do Barreiro até o Santa Tereza (16 km), na região Leste, e da Estação Santa Tereza até a Vilarinho (15 km).
Já em 2019, o Atravessar BH também explorou cidades da Região Metropolitana, andando de Venda Nova até Santa Luzia e Ribeirão das Neves, do Barreiro até Ibirité, e do Santa Tereza até Sabará. “Fomos e voltamos no mesmo dia”, disse Prussiana.
Objeto de pesquisa
Formada em jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Prussiana segue na área acadêmica e procura explorar BH em seus projetos. “Tenho muito interesse em pensar ‘sentidos de cidade’. Que sentido as pessoas no dia a dia produzem sobre a cidade!”, conta a pesquisadora que no trabalho de conclusão de curso fez um “Guia a pé sobre Belo Horizonte”.
No mestrado, ela pesquisou as narrativas de vendedores ambulantes da capital mineira. No doutorado ela pesquisa sobre saraus e slams, que são tipos de eventos de expressão artísticas - enquanto o primeiro é voltado para a confraternização, o segundo é marcado pela competição -, com o objetivo de entender quais sentidos, imaginários e afetos eles produzem para a cidade por meio dos seus eventos e das redes de coletivos e de poetas que eles formam.
“O que amarra esse percurso é, principalmente, conhecer e compreender como as pessoas conhecem e fazem a cidade cotidianamente e o ‘Atravessar BH’ surge nesse meio do caminho”, completa Prussiana Fernandes.
*Estagiário sob supervisão do subeditor Thiago Prata