O Ribeirão Soberbo, um dos mais importantes da região, vem se degradando com o passar do tempo. Com águas classificadas como de “excelente qualidade” em parte de sua extensão, o riacho já tem áreas degradadas e, por isso, foi lançado, na sexta-feira passada (3/3), pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), o Programa de Conservação e Produção de Água na Serra do Cipó. O projeto visa a recuperação do Soberbo, além de buscar soluções de saneamento para a localidade.
Foram selecionadas, através de um edital, quatro microbacias que vão ser trabalhadas num horizonte de quatro anos, sendo elas a do Ribeirão Soberbo, no Médio-Baixo Rio das Velhas, do Ribeirão Maracujá, no Alto Velhas, do Ribeirão Ribeiro Bonito, no Médio-Alto, e do Córrego das Pedras, no Baixo.
Projeto afetará positivamente a população da Serra do Cipó
Poliana Valgas, presidente do CBH Rio das Velhas, explicou os principais objetivos do projeto e como isso afetará positivamente a população local.
“Quando a gente pensa em água, a gente pensa diretamente em qualidade de vida, em segurança hídrica, em saúde pública. Então se conseguirmos reduzir a contaminação, se conseguirmos investir em saneamento, teremos água de maior qualidade. Os benefícios para a população são, diretamente, em saúde pública, um ambiente mais sustentável, de maior qualidade de vida para as pessoas se estabelecerem”, disse.
Ela também ressaltou que, ao longo dos anos, a bacia do Rio das Velhas vem perdendo essa capacidade de resiliência ao longo da bacia, de produção de água. “Além disso, o maior objetivo é aumentar a quantidade de água e ter maior disponibilidade para a população que vive nos territórios e também para as empresas, indústrias e prefeituras que dependem de água em qualidade e quantidade”, disse Poliana.
“A gente espera, no final desse programa, que a gente tenha um território mais resiliente, com maior sustentabilidade e mais saneado. Pretendemos, também, executar ações de saneamento ao longo do Ribeirão Soberbo”, concluiu Valgas.
Águas límpidas
Após o fim da cerimônia de lançamento, a reportagem do Estado de Minas foi guiada por membros do CBH Rio das Velhas para uma visita à região conhecida como Mãe D’água, próxima à cachoeira Véu da Noiva, bastante popular entre os turistas que visitam a Serra do Cipó.
Para chegar até lá, é preciso enfrentar uma subida considerável, que se torna um pouco mais fácil pela construção de um caminho de pedras, feito por mãos humanas. Em seguida, há trilhas que levam a diversos pontos. Mirantes são encontrados no caminho e permitem vistas panorâmicas para a Serra do Cipó, além de belas fotos.
O local é um dos últimos onde a água não recebe sedimentos oriundos da ação humana. Rodeado por uma paisagem de tirar o fôlego, a Mãe D’água é rica em fauna e flora e suas águas são cristalinas, sendo possível ver o fundo, além dos pequenos peixes que não possuem temor em se aproximar das pernas humanas que entram em seu habitat.
Diversos poços se formam, antes da cachoeira Véu da Noiva, tornando-o assim, bastante atrativo para banhos. Quedas menores de água também podem ser vistas no local. O caminho entre as quedas é traiçoeiro e precisa ser feito com cuidado. Se assim acontecer, a chegada é tranquila e rápida para quem sai do distrito da Serra do Cipó.
Classe Especial
Logo após a Mãe D’água, surge imponente a cachoeira Véu da Noiva, localizada em propriedade privada pertencente à Associação Cristã de Moços em Minas Gerais (ACM). Com uma queda de 70 metros e facilidade de acesso e camping, o local é muito procurado por turistas e o último onde as águas continuam limpas.
O Rio Cipó é um curso d'água de Classe Especial, enquadramento legal que atesta a excelente qualidade das águas e, por isso, impõe padrões mais restritivos de uso, ou seja, não pode receber efluentes, que são águas resultantes do processo de tratamento. Não é possível que tenha Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) no local.
Por isso, um dos principais desafios do projeto é buscar soluções para o saneamento do distrito. Visitas, entrevistas e análises técnicas serão empregadas para entender a situação das estruturas e possibilitar proposição de soluções adequadas.
Degradação
Logo que o curso d’água se afasta da Véu de Noiva, ele passa a receber sedimentos das residências do distrito, que cresce e sofre com a ação humana há cerca de 30 anos. As 1.001 residências do distrito da Serra do Cipó utilizam fossas sépticas, unidades de tratamento primário de esgoto doméstico nas quais são feitas a separação e a transformação físico-química da matéria sólida contida no esgoto. Apesar de comuns em áreas afastadas, as fossas geram vazamentos que contaminam a água e a tornam imprópria para banho.
Tornar o Ribeirão Soberbo, novamente, próprio para banhos é, inclusive, um dos principais objetivos do projeto. Antes da poluição, a população o utilizava para diversos fins, como recreação, para lavar roupas e louças, uso doméstico e para banhos, o que se tornou impossível com o passar do tempo.
Projeto de recuperação
Romina Belloni da Silva, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), destacou a importância ambiental e turística da região da Serra do Cipó e a necessidade de preservá-la. “O turismo não vive sem o meio ambiente e o meio ambiente não vive sem o turismo. Esse programa é de recuperação de um córrego que é afluente do Rio Cipó, que nasce dentro do Parque Nacional da Serra do Cipó, e é um rio de Classe Especial, de água de qualidade maravilhosa para a bacia do Rio das Velhas”.
Segundo Romina, há um otimismo em recuperar o córrego, que nasce na área de proteção ambiental Morro da Pedreira, e que, após passar pela cachoeira Véu da Noiva, deságua no Rio das Velhas já numa qualidade ruim e em pouca quantidade.
Ela explicou os motivos da escolha do Ribeirão Soberbo para ser revitalizado. “Esse rio foi escolhido porque é emblemático e importante para a população da Serra do Cipó, que começou a se desenvolver à beira desse rio. A cidade foi crescendo e as captações de água e saneamento não muito adequado fizeram esse rio perder a qualidade”.
Entre as principais ações previstas do programa na região, estão:
Realização de diagnóstico das condições hidrológicas e ambientais
Levantamento das necessidades de investimentos em ações de recuperação e conservação de água, solo e áreas de preservação permanente
Cadastro de moradores e usuários de água
Levantamento da situação específica e individual de saneamento básico de cada propriedade
Elaboração de Projeto Executivo para Recuperação Ambiental da Microbacia do Ribeirão Soberbo
Ações de sensibilização junto à comunidade, proprietários rurais e agentes públicos envolvidos
Atuação do poder público
O prefeito de Santana do Riacho, Fernando Burgarelli (União Brasil), destacou o papel do programa de conservação que foi implantado. “O que possibilitou esse projeto ir para frente foi a importância do rio Cipó e da Serra do Cipó no âmbito do Rio das Velhas. Nós vamos atuar dentro de uma comunidade que cresceu muito e que está poluindo nosso córrego Soberbo que deságua no Rio Cipó”.
De acordo com Burgarelli, o projeto precisa do apoio da população, visto que a análise dos impactos da atuação humana para as águas do Ribeirão Soberbo será feita individualmente, por residência. As soluções a serem propostas também serão individuais.
“A comunidade é de suma importância. Sem sua participação, o projeto não vai para frente. O projeto precisa saber quais são os problemas, o que realmente é jogado no Córrego Soberbo, como as pessoas convivem no ‘fundo’ dele. As pessoas têm que trazer para a gente, abraçar o projeto, para que ele possa ter êxito, um resultado significativo e que vai retornar à própria população que vive no córrego do Soberbo, hoje”.
A participação popular, inclusive, se mostrou presente durante a cerimônia de lançamento do projeto. Moradores da Serra do Cipó estiveram no Centro de Atendimento ao Turista (CAT), do distrito, e levantaram questões junto ao poder público municipal e ao corpo técnico que atua na região.
Entre os pontos citados pelos presentes, estiveram pedidos de fiscalização quanto a captação irregular de água do Ribeirão Soberbo, solicitação de realização de testes que identifiquem quais fossas estão com vazamentos, e também que os técnicos e fiscais atuem de forma empática junto aos moradores. Os responsáveis pelas ações que estiveram presentes no lançamento garantiram que tais medidas serão tomadas, respeitando os processos do projeto.