Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pôs fim a uma atitude polêmica tomada por um médico de Conselheiro Lafaiete, na Região Central de Minas. Ele denunciou uma paciente grávida, que procurou atendimento em um hospital da cidade após ter tentado fazer um aborto clandestino. A 6ª turma do STJ decidiu, por unanimidade, trancar a ação penal. Na prática, o processo será arquivado e a mulher não será julgada pelo crime.
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O magistrado destacou, ainda, que o médico que atendeu a paciente se encaixa nessa proibição. Ele seria uma espécie de confidente necessário, ficando proibido de revelar segredo de que tem conhecimento em razão da profissão, bem como de depor sobre o fato como testemunha.
Assim, a instauração do inquérito policial ocorreu após a provocação do próprio médico, que, além de ter sido indevidamente arrolado como testemunha, encaminhou o prontuário médico da paciente para comprovação das afirmações.
Decisão
A defensora pública Mônia Aparecida de Araújo Paiva, que atua em Conselheiro Lafaiete e cuidou do caso na 1ª instância, explicou que o “questionamento da Defensoria é anterior à denúncia e diz respeito à própria investigação.”
A mulher foi pronunciada, mas não julgada pelo Tribunal do Júri. A pronúncia ocorre quando o juiz entende que o acusado cometeu um dos crimes dolosos contra a vida e deve ser julgado pelo Tribunal do Júri.
A defensora ressalta ainda que apesar da decisão do STJ ser colegiada, ela não é vinculante. “Gera um precedente, é entendido como uma jurisprudência e pode ser usado como modelo em outros casos, como argumento”, afirma.
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A decisão do tribunal superior pode assustar e causar confusão nas pessoas, segundo a defensora, porque a regra é que, se a pessoa praticou o crime, tem que ser denunciada.
“Mas, neste caso, especificamente, ao analisar o processo, vimos essa questão (quebra de sigilo profissional) e quisemos alegar porque não era uma obrigação legal do médico. Se ele fosse denunciado por algum outro motivo, estaria amparado por outros meios.”
A defensora reforça que, neste caso, o médico não tinha dever legal de acionar a polícia. Os profissionais de saúde são obrigados a reportar, por exemplo, casos de violência doméstica contra mulher, crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, violência contra idosos e pessoas com deficiência, entre outros.
“O médico não pode expor a paciente a um processo criminal”, explicou.
Ela acredita que não haverá recurso, já que o Ministério Público Federal (MPF )se manifestou favoravelmente à decisão do STJ.
Questão tabu
A defensora destaca que o aborto é uma questão delicada e, por ser um tabu, envolve muitos aspectos até mesmo ideológicos que geram repercussão. “Por isso, não tem como afirmar como serão os próximos julgamentos na 1a instância, mas acreditamos que tenha influenciado de forma positiva.”
Ela afirma que, apesar de praticar o aborto, a mulher procurou atendimento médico em um momento de risco de vida. “A mulher de fato fez o processo de abortamento em casa, com remédios comprados de forma clandestina. Mas ela procurou o serviço de saúde em um momento de risco de vida. Se ela não tivesse procurado, poderia ter morrido muito provavelmente.”
A defensora lembra que a paciente recebeu atendimento, porém, depois foi exposta a um processo criminal indevido. “Não se pode passar por cima da ética médica sob pretexto de combate de crime, não é assim que fazemos isso, ainda mais em casos como este. Temos vários absurdos sendo cometidos porque as pessoas deixam de observar algumas regras e este foi um caso.”
Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto em três casos:
- quando a gravidez representa risco de vida para a mulher,
- quando foi causada por estupro
- quando o feto é anencéfalo (sem cérebro)