As coordenadas que marcam locais de desastres não deixam dúvidas sobre os pontos exatos onde ficam curvas, trevos e outras armadilhas que mais matam nas rodovias federais brasileiras. As estatísticas provam que são os mesmos, e que vitimam pessoas há anos, com pouca ou nenhuma interferência do poder público. Dos 10 piores, três estão em Minas, dois deles na BR-251, a mais mortífera do estado por esse critério, e a que tem maior concentração de lugares críticos. Outros dois ficam em São Paulo, dois na Bahia, um no Paraná e um no Mato Grosso, sendo o mais letal deles no Ceará.
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“Beira a negligência termos pontos exatos onde pessoas morrem aos montes e nada definitivo ser feito para interromper a sangria, pelo menos nessas verdadeiras armadilhas. As rodovias têm trechos longos que precisam de duplicação, de melhorias na geometria. Mas tudo sempre esbarra na desculpa de falta de verbas. Com isso, vivemos entre remendos, mortes e dor”, resume o professor aposentado da Fumec Márcio Aguiar, engenheiro, consultor e especialista em transporte e trânsito.
Degradação
E a tendência não tem sido de redução dos segmentos mais perigosos e com condições deterioradas, como mostram estudos como a pesquisa “Transporte rodoviário – Os pontos críticos nas rodovias brasileiras”, da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Divulgado em janeiro, o levantamento aponta que, entre 2021 e 2022, esses locais propícios a acidentes no Brasil aumentaram 50%, passando de 1.739 para 2.610.
A estimativa do estudo é de que seriam necessários R$ 5,24 bilhões para sanar os problemas – 28% do orçamento do Ministério da Infraestrutura para 2023. Minas Gerais mais uma vez detém a maior quantidade de trechos perigosos, respondendo por 15,2% dos identificados pela pesquisa.
Armadilhas
O ponto rodoviário que mais custou vidas entre janeiro de 2020 e janeiro de 2023 fica em Caucaia (CE), na Região Metropolitana de Fortaleza, na altura do Km 406 da BR-020 (veja mapa). Na estrada, a que registrou mais mortes no Ceará, em 2023, segundo a CNT, morreram 13 pessoas e 10 ficaram feridas em 13 acidentes.
Trata-se de um segmento urbano, com comércio, indústrias, serviços privados e públicos, onde a imprudência se encontra com a falta de estrutura. A pista duplicada e esburacada que sai de Fortaleza no sentido Brasília se afunila em duas simples e praticamente se acaba em uma mancha cinzenta de asfalto com areia e terra, sem faixas de sinalização visíveis.
No trecho, tráfego em alta velocidade, transporte pesado e de passageiros se misturam entre manobras de acesso para todos os lados, sem ordenamento necessário.
Choque na madrugada
Foi tentando transpor esse caos que o irmão da cabeleireira Josialine Garcia, de 44 anos, se feriu gravemente quando um carro atravessou a estrada em alta velocidade e atingiu a moto que ele pilotava, há alguns meses. “Era madrugada, escuro ainda. Meu irmão voou da moto. Quase morreu. Abriu até a cabeça, fundo mesmo. Jesus ajudou que ele estava de capacete. Foi tempo que passou no hospital e gemendo na cama de casa, sem trabalhar. Essa BR é perigosa demais”, resume.
Segundo ela, a situação no lugar até chegou a melhorar com a instalação de um semáforo, mas não o bastante para desativar a armadilha. “Os motoristas não respeitam os retornos, nem os pedestres, a passarela. E piora, porque tem uma faculdade de um lado e uma UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) do outro”, descreve Josialine.
Método
Foram considerados neste levantamento os pontos precisos identificados pela PRF com dois ou mais acidentes que resultaram em mortes, com registro mínimo de três óbitos. A partir daí, foram classificados como piores os locais com mais mortes em menos acidentes. Um cuidado para evitar ao máximo ocorrências esporádicas com muitas vítimas, que poderiam deformar a análise e não traduzir a regularidade de desastres fatais próprios de cada local.
Mistura explosiva de estrada e cidade
Travessias urbanas movimentadas, com diversos acessos misturando tráfego de passagem com o da cidade resultaram em vários acidentes, entre janeiro de 2020 e janeiro de 2023, sobretudo nos pontos mais mortais das rodovias brasileiras, além do pior deles, no Km 12 da BR-020, em Caucaia, no Ceará, como mostra com exclusividade a reportagem do EM.
Foi também nesse ambiente conflituoso que ocorreram 10 acidentes com 12 mortos no segundo ponto mais letal nas estradas do Brasil: a Fernão Dias (BR-381 ), no Bairro de Jaçanã, na Zona Norte de São Paulo. Muito violenta, apesar de ter separação de sentidos, quatro faixas de cada lado, acostamento, marginal e passarela.
O mesmo ocorre no terceiro trecho, com cinco acidentes e 11 óbitos, no Km 161 da BR-101, em Conceição do Jacuípe (BA), onde, além dos acessos urbanos, foram abertas trilhas por dentro do canteiro central para transpor a rodovia. “Não adianta fazer como na BR-020, no Ceará, colocando semáforo, quebra-molas, sinalização. Esses estreitamentos são de alto risco de acidentes. E as vias passam dentro das cidades. Tráfegos de ritmos distintos para destinos diferentes na mesma estrada entram em conflitos graves. É preciso que haja contornos fora das cidades”, alerta o engenheiro Márcio Aguiar.
Ele chama a atenção ainda para a necessidade de monitoramento e fiscalização após as intervenções. “Quando se fizerem melhorias, é preciso que não se permita uma explosão de ocupações das áreas, como vemos na BR-116, trazendo mais acidentes”, completa.
Promessas e projetos
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) informa que monitora mensalmente sua malha, por meio de levantamento denominado Índice de Condição da Manutenção. “Com foco direto na segurança viária, o Dnit concebeu o programa BR-Legal, para proporcionar aumento da segurança, com implantação e manutenção da sinalização horizontal, vertical e dispositivos de segurança”, informa.
O departamento afirma atuar de forma educativa, com o Programa Nacional de Educação para o Trânsito, desenvolvendo ações nas escolas de todo o país.
Sobre o ponto mais mortal do Brasil, no Ceará, o departamento informa que há plano de restauração. “Há contrato de manutenção e conservação rodoviária ativo e vigente, que consiste em melhorar a qualidade do estado de conservação da rodovia.”
A ANTT informou que uma de suas atribuições é garantir a segurança nas rodovias concedidas, e que para isso faz monitoramento constante da situação e das ocorrências nas estradas. Dados das concessionárias orientam ações junto às empresas para a redução dos acidentes, e eventuais inadequações são punidas conforme previsão em contrato.
Minas concentra mais áreas críticas
Se não está nas primeiras colocações entre os pontos mais letais das estradas brasileiras, Minas Gerais é o estado que mais vezes aparece no levantamento do EM com base em dados da Polícia Rodoviária Federal. São três locais críticos, dois deles na BR-251, no Norte de Minas. A via tem a sexta curva mais mortal, com três acidentes e nove mortes no período, no Km 509, em Francisco Sá, e a nona pior, no Km 476, no mesmo município, onde ocorreram sete óbitos em dois desastres.
O décimo ponto com mais mortes no país foi o Km 528 da BR-381 (Fernão Dias), em Brumadinho, na Grande BH, também com sete mortos, mas em cinco acidentes. “Minas tem problemas de geometria, por ser um estado muito montanhoso. As rodovias acabam são muito sinuosas, acompanhando antigos traçados perigosos, que não evoluíram, mas recebem tráfego constantemente ampliado por ser passagem para vários estados. Soma-se a isso o fato de que comunidades inteiras cresceram às margens dessas vias, completando o cenário propício para desastres”, observa Márcio Aguiar.
PRF afirma que faz sua parte
A Polícia Rodoviária Federal informa que o policiamento é intensificado nos trechos identificados pelo alto índice de acidentes ou de infrações, “garantindo aos usuários das rodovias federais segurança, conforto e fluidez do trânsito”. Segundo a corporação, a maioria dos acidentes graves são precedidos de irregularidades, que os policiais se esforçam para combater.
A PRF afirma ainda que orienta suas ações também com base nas estatísticas usadas pela reportagem. “O reforço no policiamento preventivo em locais e horários de maior incidência de acidentes graves – de acordo com as estatísticas – tem a finalidade de conter números de acidentalidade com as mais variadas causas, como velocidade incompatível, condutor que deixou de manter distância do veículo da frente, ingestão de álcool pelo condutor, ultrapassagem indevida etc.”