Montes Claros/Francisco Sá – Há precisamente um ano, a rodovia federal que concentra dois dos três pontos com maior número de mortes em Minas ceifava mais seis vidas em um único desastre – e exatamente em um dos locais de risco, o Km 476, segundo mostra levantamento do Estado de Minas com base em dados da Polícia Rodoviária Federal. Todos os ocupantes de um carro – dois homens, duas mulheres e duas crianças – morreram quando o veículo com placa de Bertioga (SP) foi atingido de frente por uma carreta carregada de placas de gesso no perigoso trecho, uma das armadilhas conhecidas das estradas de Minas.
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Não são exceções. A tensão é indesejada companheira de viagem para milhares de pessoas que precisam percorrer a BR-251, uma das rodovias mais movimentadas de Minas, com grande fluxo de caminhões e carretas que viajam do Centro/Sul para o Norte/Nordeste do país. Um tráfego estimado em mais de 10 mil veículos por dia, que virou triste retrato da carnificina nas estradas brasileiras.
A estrada, que liga Montes Claros à BR 116 (Rio-Bahia) em extensão de 300 quilômetros, passando por Salinas, tornou-se uma das mais perigosas de Minas Gerais e do país. Seus registros diários de mortos e feridos provocam bem mais que traumas entre vítimas e familiares. A má fama do trecho espalha uma espécie de pânico entre pessoas que dependem dele para se deslocar de uma cidade a outra.
Estrada do medo
Pista simples, descidas e curvas perigosas, somadas ao intenso trânsito de caminhões e carretas fazem do medo uma constante para quem precisa viajar pela BR-251. Foi que constatou a equipe de reportagem do Estado de Minas, que, na última quarta-feira (22), percorreu a estrada, de Montes Claros, até a Serra de Francisco Sá, um dos trechos mais perigosos, onde os acidentes são constantes, apesar dos alertas da sinalização e da instalação de radares.
A equipe do EM passou pelo Km 509 da BR-251, que, segundo dados da PRF, é o ponto rodoviário mais mortal de Minas, tendo registrado, de janeiro de 2020 a janeiro de 2023, um total de nove mortos e 12 feridos em apenas três graves acidentes. Vítimas do risco elevado, representado por uma forte curva em pista simples, localizado após longo trecho íngreme.
Logo após a área urbana de Francisco Sá (distante 42 quilômetros de Montes Claros), encontra-se a Serra de Francisco Sá. Embora os moradores se refiram genericamente à área como “curva da morte”, o trecho é, na verdade, uma sequência de curvas em região íngreme, ao longo de seis quilômetros, do Km 470 ao Km 476.
Situado logo ao fim da descida da serra, o km 476, onde há um ano ocorreu a tragédia com o veículo de São Paulo, também está entre os pontos rodoviários mais mortais do país, segundo dados da PRF. Entre 2020 e 2023 ocorreram sete mortes no local, em apenas dois acidentes.
Imprudência ignora avisos
Na Serra de Francisco Sá, os riscos da sequência de curvas em trecho íngreme são agravados pelo asfalto liso. Além do perigo evidente e da sinalização, cruzes às margens da rodovia são alertas sobre as muitas vidas encerradas de forma violenta na região.
Mesmo com esses avisos, motoristas desrespeitam o limite de velocidade e fazem ultrapassagens proibidas, o que contribui para os acidentes. A observação é do sargento Lyon Freitas, do Corpo de Bombeiros de Francisco Sá, ouvido pela reportagem no perigoso trecho da BR-251 na serra perto da cidade.
Ao elencar os motivos de acidentes no trecho, ele salienta a geometria das pistas, o fluxo intenso e misto de veículos de carga e passeio, as ultrapassagens indevidas e a alta velocidade, apesar da existência de radares ao longo do trecho perigoso.
“Também ocorrem muitos acidentes devido à perda dos freios de caminhões e carretas na descida da serra”, afirma Freitas, que, com sua guarnição, sempre atende a ocorrências no local. “Nossa demanda é muito grande. Infelizmente, sempre deparamos com acidentes graves, muitas vezes com óbitos”, lamentou.
O sargento Frederico Santos de Jesus, também da unidade dos Bombeiros de Francisco Sá, observa que os acidentes aumentam no período do chuvoso, por causa da pista escorregadia, e no fim de ano, fazendo muitas vítimas de São Paulo – normalmente, pessoas que viajam para rever parentes no Nordeste e desconhecem o perigo da rodovia que corta o Norte de Minas.
O trauma de quem viu a morte de perto
Se a simples menção a uma viagem pela BR-251 já causa arrepios em quem conhece a fama da estrada, para quem já esteve envolvido em acidente e perdeu parentes na rodovia, o pavor é maior ainda. Essa é a situação enfrentada pela bancária Amália Terezinha Rodrigues Brito, de 34 anos, de Francisco Sá. Desde dezembro, Amália enfrenta os traumas de um acidente de carro que sofreu na perigosa Serra de Francisco Sá, onde já havia perdido três pessoas próximas – um tio, uma tia e o padrinho.
Às vésperas do último Natal, em 22 de dezembro, Amália retornava de Salinas para sua cidade dirigindo um Fiat Uno. Quando se aproximava da descida da serra, em meio a chuva e neblina, o carro dela se chocou contra a traseira de um ônibus que estava parado na pista. “Quando percebi, estava em cima do ônibus. Tentei desviar, mas não consegui evitar a batida”, conta a bancária, que viajava com três crianças no banco de trás – duas sobrinhas, de 10 e 11 anos, e a filha, com 10 meses de vida.
Amália sofreu ferimentos na mão direita e as crianças praticamente saíram ilesas. “Mas, assim como minhas sobrinhas, fiquei um mês com dores no corpo. O carro teve perda total”, conta. Ela afirma que hoje o maior sofrimento são as consequências psicológicas do desastre. “Sinto gratidão por não ter tido nada grave, mas fico em pânico quando me lembro (do acidente)”, diz. “Quando ouço uma sirene de ambulância, meu coração aperta, meu peito dói, eu choro onde eu estiver”, completa.
A bancária informa que, a cada 15 dias, precisa viajar para Salinas (a 172 quilômetros de Francisco Sá), passando pelo perigoso trecho da serra onde sofreu o acidente. “Só vou se for de ônibus, ou no carro com alguém de confiança”, afirma.
O motorista Francisco Carlos de Oliveira, de 62 anos, que faz transporte de passageiros, se desloca diariamente pelo trecho da BR-251 entre Montes Claros e Francisco Sá, mas já decidiu reduzir as viagens. “Fazia até quatro viagens por dia. Agora, só faço uma”, afirma o morador de Francisco Sá.
Ele salienta que a imprudência e a pressa dos condutores de veículos de carga aumentam o perigo na BR-251. “Uma das virtudes que os caminhoneiros não têm é a paciência”, diz, apontando as ultrapassagens em locais indevidos como uma das principais causas de acidentes na rodovia.
Mas o motorista cobra também melhorias na BR-251, principalmente no trecho da Serra de Francisco Sá, para diminuir os desastres e evitar mortes. “Se uma carreta perder o freio na descida da serra, não tem pra onde escapar. Ou ela passa por cima do seu carro ou bate no barranco. Com o fluxo enorme de caminhões, tem que alargar a estrada”, reclama.
Abaixo-assinado
Diante do aumento de acidentes na BR-251, um movimento em Francisco Sá envolvendo o Rotary, a Maçonaria e igrejas organizou abaixo-assinado a ser enviado a deputados federais e senadores, cobrando melhorias na rodovia. As lideranças pedem recursos orçamentários para recuperação dos trechos mais perigosos da BR-251, principalmente de Montes Claros a Francisco Sá e da cidade até Salinas.
Os organizadores destacam que a BR-251 é uma das rodovias mais movimentadas do país, com fluxo de mais de 20 mil veículos por dia, e se encontra em péssimo estado de conservação, com trechos que exigem duplicação.
Manutenção
Atualmente, estão sendo feitas obras de recapeamento na BR-251. Entre Montes Claros e Francisco Sá, os motoristas devem redobrar atenção diante da falta da marcação das faixas na pista em determinados pontos, por causa dos serviços.
O Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (Dnit) informou que a BR-251 é coberta por contratos de manutenção em todo o segmento.
Trecho perigoso
O empresário Eduardo Veloso, que, há mais de 20 anos, trabalha no ramo de funerária no Norte de Minas, afirma que perdeu as contas dos corpos que resgatou em tragédias na BR 251, especialmente, no perigoso trecho da Serra de Francisco Sá. “Vi cenas fortes e muitas vidas ceifadas nos acidentes na estrada, incluindo adultos e crianças”, afirma a fonte.