Jornal Estado de Minas

ARMADILHAS RODOVIÁRIAS

BR-381: por que o risco na estrada vai muito além da Rodovia da Morte

 Depois do Alto da Conquista, varando a Serra das Farofas e a Serra Azul (Serra de Igarapé), em Brumadinho, na Grande BH, a BR-381 no trecho conhecido como Fernão Dias (porção Sul) mergulha por um desnível de 268 metros morro abaixo, serpenteando um vale íngreme por 7,5 quilômetros até uma curva fechada, com mureta de concreto desgastada por tentar conter veículos acidentados

 

A pista dupla de asfalto riscada de borracha da frenagem de pneus e perfurada por ranhuras do aço de caminhões tombados denuncia um risco conhecido, que as estatísticas só fazem confirmar. Distante 74 quilômetros da má fama da “Rodovia da Morte”, como a mesma estrada é conhecida pelos desastres entre Belo Horizonte e João Monlevade (na porção Norte), a curva do Km 528 de Brumadinho, na Grande BH, é o ponto onde mais pessoas morreram na BR-381 entre janeiro de 2020 e janeiro de 2023, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF).





 

Foram cinco acidentes que deixaram quatro feridos e sete mortos e a tornaram o 10º lugar mais mortal das rodovias federais brasileiras. É o que mostra o mapeamento exclusivo feito pela reportagem do Estado de Minas, tendo por base acidentes georreferenciados pela PRF, compilados sob a orientação de especialistas em transporte e trânsito.

Como mostrou o EM em sua edição de ontem, para apontar os locais exatos onde mais pessoas morrem e as condições dessas áreas, foram consideradas coordenadas precisas em curvas, trevos, acessos e outros pontos com dois ou mais acidentes que resultaram em mortes, e com registro mínimo de três óbitos. Minas Gerais se destaca como o estado com mais pontos entre os 10 piores da lista, além de somar 66 locais críticos (acesse o em.com.br e veja o guia com as localizações), nas rodovias BR-040, BR-050, BR-116, BR-153, BR-251, BR-262, BR-267, BR-364, BR-365 e BR-381.

Em São Paulo, ao cruzar o Bairro Jaçanã, na Zona Norte, um segmento de reta com quatro pistas da BR-381 acumulou 10 acidentes com 12 mortos dentro do período analisado, sendo o segundo ponto que mais mata no Brasil, atrás apenas do Km 012 da BR-020, em Caucaia (CE), o lugar que concentrou mais mortes no Brasil no período avaliado.





 

Concentração

Analisando Minas Gerais isoladamente, com base nessa avaliação, a BR-381 é a que mais mata e a que tem mais pontos críticos com alto índice de óbitos em acidentes. São 19, praticamente 30% dos 66 piores locais em território mineiro levantados pelo mapeamento com dados da PRF. Doze ficam entre Belo Horizonte e Governador Valadares, no segmento Norte, sendo que desses nada menos que sete estão nos domínios da chamada Rodovia da Morte (BH/João Monlevade). Outros sete se encontram na Fernão Dias, segmento Sul, rumo a São Paulo.

 

Além de Brumadinho, outros pontos mortais da BR-381 no trecho mineiro da Fernão Dias ficam nos Kms 478 e 505, em Betim, Km 541, em Itatiaiuçu, Km 580 e no trevo de Carmópolis, no mesmo município, e o Km 711, em Carmo da Cachoeira.

 

Campeã de violência
 

Investimentos

Responsável pelo trecho concedido da BR-381, a concessionária Arteris Fernão Dias informou em nota que “mantém investimentos permanentes em educação e melhorias com foco em segurança viária, o que inclui dispositivos de controle de velocidade, sinalização e monitoramento da BR-381”, acrescentando que negocia com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a implantação de mais 32 radares.

 





 

Informou ainda que desde 2008, quando teve início a concessão, investiu R$ 2,9 bilhões em obras e manutenção, além de promover campanhas de conscientização. Entre 2010 e 2020, sustenta, o trabalho reduziu em 52% as mortes em ocorrências no trecho, compromisso renovado para os próximos 10 anos.

 

A ANTT informou que uma de suas atribuições é garantir a segurança dos usuários das rodovias concedidas, e que para isso faz monitoramento constante da situação e das ocorrências nas estradas. Dados informados pelas concessionárias orientam ações junto às empresas para a redução dos acidentes, acrescentou.

 

“A Agência também atua na fiscalização da infraestrutura e operação das rodovias federais concedidas, zelando pelo fiel cumprimento da execução dos contratos de concessão”, afirma a ANTT, garantindo que o acompanhamento é constante e que inadequações são punidas conforme previsão em contrato.





 

"Todos os dias um caminhão tomba ou tem carro acidentado. São muitas curvas, todos aguardam a duplicação, mas não sai nunca%u201D, Alisson Rosa da Silva Duarte, de 23 anos, operador de guincho (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
 

Duplicação sem fim virou perigo

Bastou terminar a pista nova de concreto em duplicação em Bom Jesus do Amparo e a estrada de asfalto velho se curvar para a esquerda, no fim da descida, para que a carreta carregada de fardos de algodão não conseguisse manter o traçado. Sem controle, o veículo tombou para o meio do mato no barranco à direita, na pista sentido Governador Valadares da BR-381. 

Nesse caso, o motorista escapou com vida, mas ficou com cortes e hematomas, sendo levado para o hospital em São Gonçalo do Rio Abaixo, por volta das 14h30 de 17 de março, em uma das vezes em que a equipe de reportagem percorreu a Rodovia da Morte. Em meio ao movimento constante dos carros, funcionários de uma empresa de transbordo rapidamente chegaram com a seguradora e trataram de passar a carga para outros caminhões.

 

Por pior que tenha sido a experiência, o motorista não sabe, mas escapou vivo de um dos trechos mais mortais da estrada, a descida em curva do Km 407. Só naquele ponto já morreram cinco pessoas e cinco ficaram feridas em dois acidentes ocorridos entre janeiro de 2020 e janeiro de 2023, segundo mapeamento da reportagem do EM sobre dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF).





 

“Aqui são curvas demais. Dependendo, se a carga mexer um pouco para o lado, leva o caminhão e tomba mesmo. No caso aqui, parece ter sido distração, pegou a canaleta de drenagem e tombou”, observou o operador de guincho Alisson Rosa da Silva Duarte, de 23 anos. Apesar da pouca idade, ele tem muito trabalho na Rodovia da Morte. “Todos os dias um caminhão tomba ou tem carro acidentado de manhã, de tarde e de noite, pelo menos. Aqui, a gente não para”, conta. “São muitas curvas, todos aguardam a duplicação, mas não sai nunca. A situação aqui é catastrófica, muita batida por causa de buracos também”, afirma.

De novo

Seguindo pela estrada, minutos depois, outro acidente entra para as estatísticas da Rodovia da Morte. Uma carreta-tanque tombou na altura do Km 364, em São Gonçalo do Rio Abaixo, deixando também o motorista com ferimentos leves. O veículo passou direto pela curva, arrastando inclusive a placa com o limite de velocidade de 60 km/h, rasgando a vegetação e rompendo uma cerca de arame farpado, quase invadindo um barranco e se chocando contra eucaliptos.

 

Outro ponto com alto índice de mortes fica em João Monlevade, no Km 348, depois do trevo para a BR-262. Foram quatro desastres que deixaram cinco mortos e 10 feridos na descida longa de pista única, com buracos e até um radar antecedendo a curva fechada, que não conseguiu inibir os acidentes.





 

Em São Gonçalo do Rio Abaixo, o Km 369 também tem forte descida que termina em curva fechada em segmento cercado por acessos a bairros, comércio e pontos de ônibus onde se aglomeram passageiros, entre eles estudantes. Lá, em três acidentes morreram três pessoas e uma se feriu entre janeiro de 2020 e janeiro de 2023.

Mesmo se aproximando de Belo Horizonte, os números de acidentes da Rodovia da Morte seguem altos. No Km 445, em Santa Luzia, na Grande BH, a reta curta em pista simples sem faixa que permita ultrapassagem é um convite à imprudência. Lá, motoristas que vêm de longos trechos sem condições de visibilidade ultrapassam fileiras de veículos mais lentos, se arriscando entre duas curvas e acessos a comércio e bairros da região. Não à toa, bastaram três acidentes para causar cinco mortes no período analisado.

 

Bem perto da ponte sobre o Rio das Velhas, em Sabará, também na Grande BH, o Km 452 faz vítimas em curva forte de pista única, sem faixa de ultrapassagem, que corta adensamento urbano e dá acesso a Sabará e a Santa Luzia, com pontos de transporte público e sem passarelas de pedestres. O ponto concentrou cinco acidentes, cinco mortes e um ferido em três anos. 

DNIT

Responsável pela rodovia no trecho entre BH e o Espírito Santo, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) sustenta que, até Governador Valadares, toda a estrada está coberta por contratos de manutenção. “Foram duplicados dois lotes de obras, e o restante está em estudo para ser concedido. O lote 3.1, entre Jaguaraçu e Antônio Dias, tem previsão de conclusão de obras em maio deste ano”, informou.