Ainda que totalmente concedida à iniciativa privada, a BR-040 é uma das estradas que mais matam em Minas Gerais, a segunda em mortes em 2022, com 128 óbitos. E um dos motivos destacados para isso é o fato de a estrada, com 850 quilômetros no estado, cortar diversas áreas urbanas municipais onde o tráfego de viagem se confunde com o local, criando conflitos com carros, ônibus e pedestres. Isso fica mais nítido com o mapeamento feito pela reportagem do Estado de Minas a partir de dados georreferenciados das ocorrências da Polícia Rodoviária Federal (PRF), entre janeiro de 2020 e janeiro de 2023, que apontou 66 locais exatos onde mais pessoas morreram em acidentes. Desses, a BR-040 marcou 14 pontos críticos, perdendo apenas para a BR-381, que apresenta 19.
Metade dos pontos que mais matam na BR-040 em Minas Gerais se localizam justamente em trevos e acessos a bairros, pontos de ônibus, de vans escolares, serviços públicos e privados. Lugares que também respondem por metade das vítimas, com 26, metade dos 52 mortos em todas as 14 coordenadas de desastres.
O município cortado pela rodovia BR-040 que concentra mais pontos mortais é Ribeirão das Neves, na Grande BH, onde três locais se destacam como os mais críticos, todos eles tendo em comum uma ampla diversidade de acessos a comunidades, áreas de embarque do transporte público e de estudantes, bem como serviços públicos e privados. O que mais matou fica no Km 509, sendo responsável por cinco óbitos em três acidentes, que deixam ainda um ferido. E é um trecho que recebeu vários instrumentos para inibir alta velocidade e tentar resguardar pessoas de acidentes.
Lá existe radar, com placas alertando que a velocidade máxima permitida cai de 100 Km/h para 70 Km /h. O local dispõe ainda de separação de sentidos com telas metálicas, para forçar pedestres a passar pelas passarelas, seja para o bairro ou para um dos pontos de ônibus que ficam em frente ao condomínio Vale do Ouro. Ainda assim, muitas pessoas se arriscam em travessias sem utilizar a passarela e motoristas entram com seus veículos na rodovia em baixa velocidade e de forma displicente, se expondo a colisões e desastres.
No Km 477, em Paraopeba, na Região Central, foram três desastres no período pesquisado, sendo um ponto também afetado pela mesclagem de tráfego rodoviário com local. Esse ponto fica entre uma longa curva e o trevo de acesso sul à cidade pelo Bairro Nossa Senhora do Carmo. O fluxo de veículos ingressando ou acessando o trevo é intenso, bem como ocorre do outro lado da rodovia.
Conflito
“As rodovias, sobretudo concedidas, deveriam ter contornos para não passar dentro de áreas urbanas densamente povoadas e movimentadas nas cidades. Isso é uma fórmula catastrófica, que só poderia resultar nos pontos mais mortais. Imagine caminhões e carretas em ritmo de viagem na estrada cruzando com condutores de pouca experiência e que cruzam a via de um bairro a outro para levar filhos à escola, por exemplo. É preciso haver desvios e alternativas. Tem casos, da BR-040 e da BR-116, por exemplo, onde a estrada se torna a via principal de um bairro, da comunidade e até da cidade inteira. Sobra tentar reduzir a velocidade do usuário rodoviário, com radares e quebra-molas, mas os acidentes vão continuar”, afirma o engenheiro, consultor e especialista em transporte e trânsito Márcio Aguiar.
Tanto ele, quanto o também consultor e especialista em transporte e trânsito Silvestre de Andrade Puty Filho afirmam que a BR-040 é um dos casos que mostram como mesmo as rodovias concedidas precisam de planos bons. “Foi concedida, mas o poder concedente falhou em ter mecanismos que obrigassem a concessionária a duplicar trechos, criar rotas alternativas, dar soluções de segurança. Para isso, seria preciso fiscalizar, mas o que ocorreu foi o que vemos, essa concessão falida que está sendo devolvida, enquanto a BR é praticamente a mesma, com apenas os trabalhos mínimos de manutenção”, afirma Silvestre.
ÁREAS críticas
Desde domingo (26), série de reportagens do EM mostra mapeamento exclusivo com as indicações geográficas precisas de acidentes registrados pela PRF entre janeiro de 2020 e janeiro de 2023, compilados sob a indicação de especialistas em transporte e trânsito. O objetivo é mostrar as condições dos locais que mais matam no Brasil e em Minas Gerais, levando-se em conta coordenadas com dois ou mais acidentes que resultaram em mortes e registro mínimo de três óbitos. O levantamento revela que os pontos críticos se repetem há anos, sem que sejam tomadas providências definitivas. Minas é o estado com mais pontos dos 10 piores da lista, somando 66 locais críticos (acesse o em.com.br e veja o guia com as localizações) nas rodovias BR-040, BR-050, BR-116, BR-153, BR-251, BR-262, BR-267, BR-364, BR-365 e BR-381.
Ameaças vão de Norte a Sul
Os 14 pontos mais críticos de mortes em acidentes da BR-040 em Minas Gerais somam sete locais no segmento de BH a Brasília e sete de BH ao Rio de Janeiro. Nos trechos a Sul da capital mineira, as travessias em áreas urbanas e para destinos urbanos também tornam a estrada muito perigosa, fazendo desses acessos pontos de muitas mortes. Em Itabirito, por exemplo, o Km 586 e o Km 588, além de terem curvas muito fechadas após descidas fortes, ainda contam com o ingresso e saída de veículos de bairros, áreas agrícolas, travessias de pedestres e passageiros buscando ônibus de transporte público ou escolares. Nessas circunstâncias, cada um desses pontos soma três mortes entre janeiro de 2020 e janeiro de 2023, segundo os dados da Polícia Rodoviária Federal compilados pela reportagem do EM.
“Essas curvas têm muitos acidentes, porque os carros chegam já em alta velocidade, e muitas vezes os motoristas não conseguem reduzir para virar, ou entra na frente deles um outro carro que vem do trevo ou do acostamento para atravessar. Quando chove, acaba sendo pior ainda. Já vi muitos acidentes feios. Um dia foi um caminhão de madeira que tombou, outro dia uma carreta bateu e o motorista morreu na hora. Muito triste. Precisava de ter radar, mais quebra-molas, algo assim para reduzir a velocidade dos motoristas”, sugere o atendente de lanchonete Francisco Sales, de 54 anos, que trabalha entre as duas curvas.
Mais à frente, em Congonhas, o trevo do Km 619, que leva a São João del-Rei, Tiradentes e é permeado por pontos de ônibus, acessos a propriedades rurais, comércios e bairros, também se tornou palco de muitos acidentes. Mesmo com quebra-molas nos dois sentidos e placas alertando para a travessia de pedestres, os acidentes são frequentes. Os carros vêm da entrada para a Vila Cardoso e atravessam a rodovia pela faixa contínua para pegar o sentido BH em vez de rodar mais um pouco para retornar ou fazer o traçado do trevo. Muitos pedestres que querem acessar os pontos de ônibus ou estudantes atrasados para suas vans se arriscam correndo de um lado para o outro, o que ajuda a explicar as três mortes ocorridas no local desde janeiro de 2020.
Nova concessão
Questionada pelo EM sobre a situação da BR-040, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informou que os trechos atualmente concedidos da rodovia serão divididos em dois novos contratos: de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro e da capital mineira a Goiás. Os projetos contemplam obras como duplicação da via, faixas adicionais, novos viadutos, correção de traçado e regularização de acessos, sustenta a agência, completando que estão previstas melhorias da segurança por meio de sinalização e de elementos de proteção.
Segundo a ANTT, uma de suas atribuições é garantir a segurança dos usuários das rodovias concedidas. Para isso, afirma fazer monitoramento constante da situação e das ocorrências nas estradas. Dados informados pelas concessionárias orientam ações junto às empresas para a redução dos acidentes, e eventuais inadequações são punidas conforme previsão em contrato.
O EM questionou a Via 040, atual responsável pelo trecho mineiro da rodovia até Juiz de Fora, sobre a segurança na estrada, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.