O governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Educação, não divulga quantas escolas estaduais funcionam sem o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). A reportagem do Estado de Minas pediu a informação do número de instituições de ensino da rede estadual que estariam com o processo de regularização concluído na terça-feira (28/3). Até o momento, a resposta da Secretaria é de que não havia um levantamento nem uma previsão para a divulgação dessas informações.
O Corpo de Bombeiros também foi procurado e informou apenas que, em 2022, foram emitidos 13.542 AVCBs em todo o estado. Esses números incluem imóveis públicos e particulares. Além disso, os militares fizeram 31.073 fiscalizações no ano passado e aplicaram 11.901 sanções.
Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), das 323 unidades educacionais municipais, somente cem concluíram o processo e estão regularizadas. Assim, três de cada dez escolas municipais têm o AVCB.
Incêndios em locais sem regularização
O incêndio no Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG), na semana passada, acendeu o alerta para o problema do funcionamento de estabelecimentos sem o laudo do Corpo de Bombeiros.
Na ocasião, funcionários e alunos da escola questionaram a falta de equipamentos anti-incêndio no local. Sem alarme, eles precisaram gritar pelos corredores para alertar sobre as chamas. Apesar disso, segundo o Corpo de Bombeiros, o IEMG está em processo de regularização em relação às medidas de segurança contra incêndio e pânico para seu funcionamento. O órgão destacou ainda que a edificação tem projeto aprovado, e os ajustes ainda estavam sendo feitos, o que não impede o funcionamento.
A Santa Casa de Belo Horizonte também foi atingida pelas chamas em junho do ano passado. O incêndio deixou dois pacientes mortos, e, assim como no IEMG, o hospital não estava com o projeto de prevenção e combate a incêndio totalmente regularizado. O processo, em fase de aplicação, tinha o andamento dificultado pelo orçamento curto.
Em fevereiro de 2022, os bombeiros aprovaram um projeto de prevenção e combate a incêndios para o hospital. Ele estava sendo implementado pela administração, mas exige uma série de mudanças estruturais que pesam no orçamento. Segundo o diretor-jurídico da Santa Casa, João Costa, o projeto custaria R$ 2,5 milhões.
Importância do AVCB
A arquiteta e especialista em AVCB Vitória Vieira explica que o documento é importante porque garante, perante o Corpo de Bombeiros, que o estabelecimento está pronto para funcionar em perfeita segurança contra incêndio.
Ela diz que os requisitos dependem do tipo de estabelecimento. “Quanto menor, mais fácil de ser aprovado, menos medidas de segurança são exigidas.” Segundo a arquiteta, uma escola precisa de praticamente todas as medidas de segurança.
“São necessárias luminárias e sinalização de emergência, extintores, hidrantes, chuveiros automáticos - são acionados com a presença de fumaça - e portas com medidas grandes, para evitar aglomeração e pisoteamento. A saída de emergência final também tem que ser bem ampla, pois todas as pessoas precisam sair pelo mesmo local.” A quantidade de alunos também influencia nas medidas de segurança.
A especialista ressalta que, para conseguir o AVCB, é preciso apresentar um projeto de incêndio, indicando todas essas medidas. Esse projeto vai para o sistema on-line do Corpo de Bombeiros. “Existe uma análise de projeto. Os bombeiros dão um parecer determinando se o projeto atende ou se precisa de ajustes. Assim que ele é aprovado, os bombeiros fazem uma vistoria, para verificar se todas as medidas de segurança foram instaladas de acordo com o projeto. Caso contrário, eles dão um parecer pedindo ajustes.”
O documento tem um prazo de vencimento de três a cinco anos. Quando houver renovação, todos os trâmites devem ser feitos novamente. A arquiteta destaca que se o uso do estabelecimento mudar, novas medidas de segurança serão necessárias.
Ela alerta para o risco de funcionamento de uma escola sem a regularização do AVCB. “Tem muito material inflamável como papel e papelão. Não se sabe o que os alunos levam nas bolsas, podem ter isqueiros, fósforos... O risco de ter muita aglomeração de pessoas e acontecer uma tragédia é muito grande.”
Ela lembra que as salas de aula precisam ter ainda sinalização de emergência e placas informando os locais de saída. “Se os alunos estudam à noite e a escola fica sem energia, eles não conseguem visualizar saídas, sem luzes de emergência. O fogo, geralmente, queima as lâmpadas. Se não há visibilidade por falta de luz de emergência, o estudante fica perdido em meio ao incêndio.”
Situação das escolas estaduais
O ex-presidente e atual membro do Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais (CEE/MG) Hélvio Teixeira explica que o órgão recebe pedidos de reconhecimento, renovação de reconhecimento e autorização de funcionamento tanto de escolas públicas quanto particulares. Para isso, elas precisam estar com o laudo do Corpo de Bombeiros regularizado. Porém, segundo ele, depois de dada a autorização, a fiscalização fica a cargo da Secretaria de Educação.
Teixeira afirma que o estado passou por um período com problemas de caixa e escolas precisando de reformas. “Agora, estão sendo regularizadas. Estamos vendo um esforço grande da Secretaria de Educação em reformar escolas e manter o orçamento das instituições.”
Instituições de ensino como o IEMG, por exemplo, tem a situação agravada por funcionar em prédio histórico tombado.
“Neste caso, o processo é ainda mais complicado e com uma série de contrapontos. Claro que não podemos esquecer também que o Estado é moroso nesse processo e demora muito para fazer coisas que poderiam ser feitas de forma mais rápida e emergencial”, pontua.
“Sabemos também que há uma preocupação grande, principalmente, do atual secretário de educação com a questão da manutenção e da reforma das escolas, haja visto que ele é um funcionário público de carreira e não político. Ele tem uma visão melhor de todo o processo”, completa.
Teixeira ressalta que a educação no país não é prioridade dos governos, de maneira geral. “É só olhar, por exemplo, a questão salarial dos professores e o descaso histórico com a educação.”
Porém, ele acredita que a mudança no governo federal pode ajudar na melhoria de condições para a área.
Porém, ele acredita que a mudança no governo federal pode ajudar na melhoria de condições para a área.
“A educação está tendo uma mudança maior e um olhar diferenciado com o atual governo federal. A gestão anterior teve muitos problemas nessa área, com corte de verbas. E, sabemos, que ocorre um efeito cascata. Assim, estados e municípios acabam dependendo de liberação de verba federal. Quando não há dotação orçamentária para a educação - e o governo anterior retirou grande parte desse orçamento - atrapalha muito não só o investimento, mas a manutenção do que já existia”, frisa.
Para ele, o incêndio no IEMG é um alerta, principalmente, para o que pode acontecer em instituições de ensino que funcionam em imóveis tombados. “Prédios tombados da UFMG, da UEMG, instituições de ensino de 1° grau que precisam de reforma.”
Teixeira lembra da reforma recente no prédio da Escola Estadual Barão do Rio Branco, localizada no Bairro Funcionários, Região Centro-Sul, que demorou para ser finalizada. Outro exemplo citado por ele é a finalização das obras de restauração da Escola Estadual Delfim Moreira, em Juiz de Fora, na Zona da Mata. Depois de quase dez anos, ela voltará a funcionar em um prédio histórico.
Ele afirma que, para a situação melhorar, é preciso a participação da iniciativa privada, de empresas que apoiem esse processo, por meio de renúncia e incentivos fiscais.