Jornal Estado de Minas

AMAZÔNIA

Cientista da UFMG: "As novas gerações é que vão cuidar da Amazônia"

 

 

Quais são as maiores ameaças que, em sua avaliação, sofre hoje o núcleo da floresta Amazônica, áreas ainda preservadas?

Sabemos, pelo histórico da Amazônia, que a mobilidade entre as áreas é muito dinâmica, por conta desse processo de exploração até o esgotamento, uma pressão muito grande sobre a terra: grilagem, concentração fundiária e a própria expansão do agronegócio. Então sobre o pequeno produtor, as comunidades tradicionais e agora, infelizmente, as populações indígenas, há uma pressão pelo garimpo do ouro, mas também pela exploração ilegal de madeira, pelo desmatamento, queimadas. Não se trata de pressão demográfica. Há uma preocupação sim, agora, com o núcleo da floresta, com a área de floresta propriamente dita. É difícil detectar uma tendência sem os dados censitários, mas é certo que ela passa por uma instabilidade. É preciso entender melhor o que acontece ali, o que é potencialmente muito grave, por se tratar do núcleo da floresta amazônica. Seria preciso ter aprendido com o passado e não deixar que essa área seja ocupada da mesma forma predatória que outras foram. E há também a pressão exercida pela própria expansão da atividade econômica em si, que traz a necessidade de infraestrutura.





 

Como essa pressão se dá?

Veja o exemplo das hidrelétricas ou a construção de estradas, que são grandes vetores de desmatamento. Há uma preocupação muito grande, hoje, com a pavimentação da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, que vai cortar a floresta. Se a gente permitir que todas as áreas de estradas sejam construídas, áreas de escoamento da própria produção das commodities, se não forem feitas de maneira muito criteriosa do ponto de vista ambiental, é quase certo que vão contribuir tremendamente para todos esses processos de aumento da emissão de gases de efeito estufa. A Amazônia deixa então de ser aquela sequestradora de carbono para se tornar uma emissora. E esse é um ponto muito complicado. Estamos em um momento então muito perigoso, que é preciso reverter.

 

Que providência imediata o novo governo precisa adotar, em sua avaliação, para evitar os erros do passado?

Essa é uma discussão necessária. Órgãos como o Ibama e o Incra, que devem proteger a área também sob a perspectiva socioambiental, precisam ser restabelecidos e, inclusive, ser fortalecidos. Porque, para a proteção da Amazônia, de uma maneira mais imediata, é preciso proteger as comunidades tradicionais. A população indígena, as comunidades tradicionais, ribeirinhas, todas essas comunidades que fazem parte de uma Amazônia muito extensa, além da proteção da própria mobilidade dessas populações. Essa é uma condição sine qua non. Essas comunidades precisam ter uma garantia, uma estabilidade de posse da terra.

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Que riscos essas comunidades enfrentam?

As populações tradicionais já habitam essas áreas, geralmente muito próximas dos cursos dos rios. Vemos a invasão do garimpo ilegal de ouro justamente nessas áreas. Então, não é possível proteger a Amazônia de queimada, de desmatamento, de garimpo ilegal, sem a proteção das comunidades tradicionais. Agora olhando para um futuro um pouco mais distante, independentemente até dos resultados do censo demográfico por vir, é preciso pensar também em coisas básicas, como a escolaridade da população, principalmente, das crianças da Amazônia. Porque a Amazônia ainda é mais jovem do que o restante do país. E a gente sabe que o sistema educacional da Amazônia, por si só também já é muito complexo, dada a distância das áreas, dada a mobilidade da população, pois, embora se tenha evoluído tremendamente em termos de acesso à educação, a qualidade das escolas da Amazônia ainda deixa muito a desejar. Precisamos garantir uma entrada, um acesso e permanência da criança na escola, e escolas com condições de atender bem.





 

Há na região alguma característica particular para essa faixa da população?

Apesar de a taxa de fecundidade estar numa tendência de diminuição na Amazônia, ali ela é mais alta que a brasileira: nascem mais crianças e a mortalidade também cai. Temos, portanto, uma participação da população jovem maior do que no restante do Brasil. Por isso digo que é preciso também encaminhar o olhar não só em função dos recursos naturais e de ocupação da Amazônia, do uso do solo e cobertura: é preciso se voltar para a própria população das comunidades tradicionais, por um lado e, principalmente, as crianças da Amazônia. Porque elas são o recurso do futuro. Se não caminharmos para essa discussão, fica muito difícil pensar em sustentabilidade da Amazônia. Porque essas serão as novas gerações que vão cuidar da floresta.

 

A Amazônia tem proporcionalmente maior população em idade ativa em relação à média brasileira. Com os dados hoje disponíveis, pelas projeções, até quando a Amazônia contará com esse bônus demográfico?

Na Amazônia, a população em idade ativa, os adultos, cresce mais do que a de crianças e idosos. De acordo com as projeções mais recentes, podemos dizer que até a próxima década ou até mesmo até 2040, a região ainda vai ter um crescimento maior de sua população economicamente ativa, mas o ritmo desse crescimento vai diminuir muito. Primeiro, por consequência da taxa de fecundidade, que vai diminuindo. E também porque a Amazônia passou da fase de grandes migrações, fluxos grandes que vinham de outras regiões. E como o migrante é jovem adulto, juntando a diminuição da fecundidade e das migrações, não esperamos mais um crescimento muito acelerado. Então até por volta de 2030 e 2040 vai haver essa inflexão, e esse bônus demográfico, essa janela de oportunidade, vai se fechando.

 

Esse bônus demográfico foi devidamente aproveitado na Amazônia Legal, convertendo-se em desenvolvimento econômico?

Na década de 1970, diante do impulso na migração e do contexto macroeconômico nacional, o PIB per capita da região cresceu muito além do que seria previsto pelo dividendo demográfico da época, que não seria muito grande apenas pela mudança na estrutura etária. Mas, desde os anos 1980, a economia da região tem crescido menos do que os ganhos proporcionados pela transição demográfica fariam prever. Entre 1980 e 2020, essa mudança na composição etária poderia ter ocasionado um crescimento potencial da economia acumulada do PIB de 88%, mas apenas 44% foi efetivamente realizado.





 

Quer dizer que ainda estamos, na Amazônia Legal, com uma janela de oportunidade, com um crescimento maior do que o resto do Brasil?

Isso. Eu diria que a demografia, talvez, contribua. O ritmo de crescimento demográfico da Amazônia talvez seja uma contribuição. Eu digo “uma contribuição”, porque a demografia abre uma janela de oportunidade. Mas ela precisa ser muito bem aproveitada.

 

Equipe

 

Os pesquisadores do Cedeplar que integram os estudos sobre a dinâmica demográfica da Amazônia Legal

 

» Cássio Turra

Economista e mestre em Demografia pela UFMG, Ph.D. em Demografia pela Universidade da Pennsylvania (EUA), professor associado do Departamento de Demografia/Cedeplar-UFMG.

 

» Fernando Fernandes

Economista, mestre e doutor em Demografia pela UFMG, graduado no Senior Executive Program pela IESE Business School (EUA). Foi consultor do Departamento de População do IBGE. É pesquisador de pós-doutorado do Cedeplar-UFMG.





 

» José Irineu Rangel Rigotti

Graduado em Geografia pela UFMG, mestrado e doutorado em demografia pelo Cedeplar/UFMG, onde atualmente é professor do Departamento de Demografia.

 

» Renato Moreira Hadad

Engenheiro mecânico pela UFMG, mestre em ciências pelo PG/EEC-ITA, doutor em ciência da computação pela DCC-UFMG, professor do Departamento de Engenharia de Produção da PUC Minas e pesquisador Residente do Departamento de Demografia/Cedeplar-UFMG. 

 

Os pesquisadores do Cedeplar José Irineu Rangel Rigotti e Cássio Turra integram estudos sobre a dinâmica demográfica da Amazônia (foto: Túlio Santos/E.M/D.A Press)
 

 

Trabalho do Cedeplar é referência nacional

 

Iniciados na década de 80, os estudos pioneiros no Brasil sobre a dinâmica demográfica na Amazônia realizados pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) seguem como referência nacional e integram o projeto Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros na propositura de um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia brasileira.

 

Formado por demógrafos, economistas e cientistas da computação, desde 2021, o grupo de trabalho do centro mineiro de pesquisa produziu três estudos para o projeto, que fundamentam o debate em torno da dinâmica demográfica da Amazônia Legal. É integrado pelos economistas e demógrafos Cássio Turra e Fernando Fernandes para estudos de demografia econômica; pelo demógrafo José Irineu Rangel Rigotti, especialista na mensuração dos processos migratórios; e pelo cientista da computação Renato Moreira Hadad, que trabalha com os sistemas e base de dados que sustentam as análises.





 

“A dinâmica demográfica da Amazônia Legal: População e transição demográfica na Região Norte do Brasil”; “A dinâmica demográfica da Amazônia Legal: As migrações na Amazônia Legal”; e “Os dividendos demográficos da Amazônia Legal” são os três papers que, em seu conjunto, traçam o panorama histórico da ocupação e evolução da população em composição e tamanho da Amazônia Legal ao longo de quase dois séculos.

 

 

Saiba mais sobre o processo de ocupação da Amazônia Legal

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Saiba mais sobre a trajetória demográfica da Amazônia Legal

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: “Os dividendos demográficos da Amazônia Legal” e “A dinâmica demográfica da Amazônia Legal - Migrações na Amazônia Legal”.

 

Autores: José Irineu R. Rigotti, Cassio M. Turra, Renato Hadad e Fernando Fernandes, com dados do Imazon, Amazônia 2030 e do IBGE, 2022