Empréstimo obtido pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) junto ao Banco Mundial em setembro do ano passado deve começar a ganhar forma de obras neste ano, e o destino de boa parte desse dinheiro é a Vila Cabana do Pai Tomás, na Região Oeste da cidade. A comunidade tem um histórico de luta por obras viárias e aguarda o início dos trabalhos, que prometem ser mais ambiciosos e mudar radicalmente a paisagem da região.
Leia Mais
PBH assume vigilância do Carlos Prates no 1º dia sem pousos e decolagens PBH amplia vacinação contra meningite C para toda a populaçãoA cada dez escolas da PBH, apenas três possuem laudo dos bombeirosTrânsito é desviado na Via Expressa para obras do viaduto da Arena MRVParque abandonado no Aeroporto Carlos Prates vira ponto de tráficoAs intervenções serão feitas com financiamento de US$ 100 milhões contratado pela prefeitura com o Banco Mundial. Parte dessa verba será usada também para projetos como um corredor de sistema de ônibus de trânsito rápido, o BRT, na Avenida Amazonas.
No Cabana, a principal obra é o alargamento e abertura de vias para ligar a Avenida Amazonas à Avenida Tupã. Essa via corta a comunidade no sentido sudeste/nordeste e fará uso do atual percurso das ruas Sete de Setembro e VVP-01. Sobre a VVP-01, há projeto ainda de um viaduto para facilitar a fluidez do trânsito na Rua Santa Catarina.
A abertura de duas vias no setor Fundo da Colina também está prevista no cronograma. De acordo com a prefeitura, as obras permitirão acesso a 16 becos na região. Para isso, o planejamento inclui adequação do pavimento, iluminação pública e construção de muros de contenção.
Como as medidas envolvem diversas desapropriações, o cronograma de obras inclui a construção de 220 unidades habitacionais para reassentar parte das famílias que serão afetadas pelas intervenções. Todos os prédios são projetados para cinco pavimentos.
Segundo a prefeitura, os procedimentos de licitação para contratação do trabalho social e serviços de demolição estão em andamento. Os orçamentos para obras de infraestrutura e produção de unidades habitacionais estão em fase de elaboração e a previsão é de que as intervenções comecem, de fato, no próximo semestre.
Histórico de mobilização
Andar pelas ruas da Vila Cabana do Pai Tomás em 2023 é uma experiência radicalmente diferente da que ocorreria décadas atrás. Os moradores da região têm um histórico de luta por obras de urbanização, que remonta aos anos derradeiros do último século, época de implantação do Orçamento Participativo (OP) em Belo Horizonte.
“A gente ia de porta em porta para chamar o pessoal para as reuniões do Orçamento Participativo. Esse povo todo é o coração dessas obras. Dá uma sensação de orgulho demais. Vou morrer e deixar uma conquista para a Cabana”, recorda a comerciante Matilde de Souza, enquanto aponta para a comunidade. Ela participou das reuniões do OP que viabilizaram as primeiras obras na região, no início dos anos 2000.
Matilde mora na vila há 45 anos. Ali ela criou dois filhos, que cresceram acompanhando a mãe nas reuniões da comunidade para abertura de ruas que hoje facilitam o acesso e o trânsito dentro da Cabana. A comerciante explica que o início da caminhada foi difícil, mas diz que a comunidade aprendeu, aos poucos, a criar as condições para que o poder público olhasse a região com mais atenção e viabilizasse obras de urbanização.
RAIO-X “Na época, descobrimos que para fazer as obras seria preciso um plano global da comunidade. Como a gente não entendia, explicaram que era como um raio-x da comunidade, as veias eram os becos e as vielas, por exemplo. Aí a gente entendeu. Conseguimos fazer o plano e conseguimos as obras”, lembra.
André Souza, filho de Matilde, seguiu os passos da mãe e hoje atua como liderança comunitária na Cabana. Ele diz que a expectativa dos moradores pelo início efetivo das obras anunciadas pela prefeitura é grande e que, além dos benefícios de mobilidade, as intervenções significam oportunidade de trabalho e movimentação financeira.
“Para nós vai ser muito bom, vai gerar emprego para a comunidade e trazer renda para os moradores. A pandemia foi muito dura para nós. Além disso, o pessoal não precisa sair daqui para trabalhar, pegar um ônibus para ir até o Centro... É uma economia de tempo muito grande. Quem sai para trabalhar tem que pegar ônibus 5h, 6h, depois de novo para voltar e chegar depois das 20h. Quando é que você vê sua família? Esse deslocamento cansa demais”, descreve.
André, no entanto, reivindica que a atuação da prefeitura não se limite às obras, mas também considere a manutenção dos espaços deixados. Caminhando pelas ruas da Cabana, ele mostra quadras, praças e áreas com brinquedos para crianças com equipamentos quebrados e pouca, ou nenhuma, condição de uso.
Conquistas são troféu coletivo
As obras do Orçamento Participativo são o grande orgulho da comunidade. Em mapas expostos na parede da Associação dos Moradores do Aglomerado Cabana (Asmac), o presidente da organização, Geraldo Majela da Silva, mostra obras que, nas últimas décadas, transformaram o acesso da comunidade a serviços e mobilidade urbana. É o caso de ruas como a Maria do Rosário, São Tarcísio, Pai Joaquim e Santa Catarina, que antes das intervenções eram interrompidas por becos e vielas, únicos acessos às casas.
Nas contas da Asmac, cerca de 64 mil pessoas moram na Cabana do Pai Tomás. Se fosse uma cidade, a comunidade seria a 59ª mais populosa de Minas Gerais. Uma dessas moradoras é Maria Lúcia de Carvalho, conhecida na região como Dona Lúcia. A casa da senhora de 73 anos fica em uma pequena viela ao lado da Rua Santa Catarina, onde ela trabalhou em obras para abrir a via, antes encerrada por um beco.
“Antes era um beco, só faltava cair tudo, o esgoto era todo aberto. A gente tinha que entrar nas casas pelas vielas. A obra foi uma mão na roda. Antigamente, não chegava Uber aqui, se alguém adoecesse não tinha como chegar a ambulância, não tinha coleta de lixo na porta de casa. Agora, mudou da água para o vinho. Mas eu não vou morrer enquanto não puder ver essas ruas todas abertas”, afirma.
REMOÇÕES
As obras viárias na área da Cabana do Pai Tomás implicam, necessariamente, a desapropriação de centenas de famílias. Como a região é muito adensada, mesmo a abertura de poucos metros de vias significa a demolição de muitas casas. Em projetos mais ambiciosos, como a ligação entre as Avenidas Tupã e Amazonas, o impacto é ainda maior: são mais de duas centenas de unidades habitacionais para reassentar parte dos moradores atingidos pela intervenção.
As obras das décadas anteriores também incluíram a construção de prédios para moradia popular. Um dos exemplos é um complexo de prédios com três blocos na Rua Paiva, construído ainda na primeira década dos anos 2000. Vânia Fernandes, de 67 anos, tem dois irmãos que foram reassentados nestas moradias e avalia como positiva a mudança.
“Meus dois irmãos sempre moraram aqui na Cabana. Quando começaram as obras para abrir as ruas, eles foram desapropriados e vieram para cá. Eu achei bom, a estrutura do prédio é melhor, fica perto de pontos de ônibus, do posto de saúde”, afirma. No local, porém, o empresário André Souza reclama da situação de uma quadra esportiva já sem equipamentos e em condições precárias de uso. “Precisa ter uma manutenção; não é só vir e fazer, tem que cuidar”, destaca, resumindo a expectativa de grande parte da comunidade.