Jornal Estado de Minas

PATRIMÔNIO

São Francisco da Penitência volta para cidade do interior de Minas

Imagens do São Francisco da Penitência sem e com a túnica que a compõem a peça de vestir: restauração demandou um ano e entrega ficou atrelada a medida de segurança (foto: Fotos: MPMG/Divulgação)

Uma imagem de São Francisco da Penitência atribuída a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), retorna, no próximo dia 19, à igreja matriz de Cipotânea, na Zona da Mata de Minas Gerais. Os moradores da cidade, localizada a 239 quilômetros de Belo Horizonte, preparam festa para receber a peça sacra restaurada no Centro de Conservação-Restauração de Bens Culturais Móveis (Cecor), da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA/UFMG), na capital, via Projeto Extramuros.



“Estamos muito felizes, o município se encontra na maior expectativa, todo mundo entusiasmado, pois a peça ficou cinco anos fora de Cipotânea”, conta o administrador da Paróquia São Caetano, padre Adelson Laurindo Sampaio Clemente. No templo católico, no Centro do município de 6,5 mil habitantes, haverá “acolhida” da imagem, às 15h, tendo à frente o padre Rogério Venâncio de Rezende, de 86 anos, prestes a completar seis décadas de sacerdócio, das quais cinco na paróquia. Às 18h, haverá missa e procissão. O santo ficará no altar, próximo ao calvário, que já abriga esculturas, a exemplo de Nossa Senhora das Dores, informa padre Adelson.

A peça foi encaminhada para restauro pelo padre Rogério, pois estava em estado de deterioração, fora do altar. “Sofreu, ao longo do tempo, várias intervenções equivocadas, inclusive apresentava os dedos serrados”, explicou padre Adelson. O restauro foi financiado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) em parceria com o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado de Minas Gerais (Iepha), como parte de conjunto de 24 esculturas do acervo mineiro encaminhadas ao Cecor/EBA/UFMG para conservação-restauração.

Atualmente professora colaboradora do Cecor – e então sua diretora quando a peça foi recebida para restauro –, a especialista Bethania Reis Veloso observa que o serviço demandou um ano, mas foi necessário esperar mais tempo para devolução, conforme entendimentos entre o MPMG e a Arquidiocese de Mariana, à qual a Paróquia São Caetano está vinculada, por questão de segurança na igreja matriz. “O importante é que a imagem, antes bem deteriorada, retorna à cidade de origem restaurada e em segurança”, disse a professora.





“De vestir”
Conforme o relatório do Cecor/EBA/UFMG, a escultura de São Francisco da Penitência é uma imagem de vestir, que muitos conhecem também por imagem de roca, ficando visíveis a cabeça e as mãos: “A escultura está vestida com uma túnica preta simples, um cordão de fibra natural amarrado à cintura e um terço preto e grande pendurado no pescoço. Acompanhando, estão um resplendor e uma caveira, atributo que o santo segura na mão”. O documento informa ainda que a imagem se encontra de pé sobre uma base, tendo 1,27 metro de altura total e 32 centímetros de largura. O peso é de 16,10 quilos.
... e com a túnica que a compõem a peça de vestir: restauração demandou um ano e entrega ficou atrelada a medida de segurança (foto: Fotos: MPMG/Divulgação)

A técnica escultórica usada foi madeira policromada, com definição de carnação na cabeça, busto, braços e pernas, e uma pintura simplificada branca no restante do corpo. “A cabeça é o que interessa particularmente, visto que o trabalho de atribuição ao mestre Aleijadinho é somente desta parte do corpo”, escreveram os especialistas do Cecor no relatório.

De acordo com informações do MPMG, via Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), a escultura apresentava possibilidade de atribuição ao Aleijadinho, sendo então solicitado à Arquidiocese de Mariana que a obra fosse inventariada e inserida no projeto. O Inventário Básico de Arte Sacra da Arquidiocese de Mariana foi realizado em 28 de agosto de 2015, por Carlos José Aparecido de Oliveira, contendo no final do texto, a seguinte observação: “O rosto da imagem de São Francisco apresenta características da caligrafia utilizada pelo escultor mineiro Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Necessário se faz uma intervenção de restauração na carnação do rosto para conclusões mais precisas.”



E mais: “As mãos e pés não seguem as características encontradas na imaginária produzida pelo referido escultor (Aleijadinho) em outros exemplos em Minas Gerais. A imagem de São Francisco é procedente da Capela de Bom Jesus da Paciência, distrito de Cipotânea, e pertence à Paroquia de São Caetano, Arquidiocese de Mariana.”

“Estamos muito felizes com a volta da imagem. A expectativa é grande, afinal, ela ficou muitos anos fora de Cipotânea para restauração”, comemorou, ontem, o secretário municipal de Governo, Hugo Araújo Guimarães. Ele lembrou que Aleijadinho trabalhou em Rio Espera, distante 15 quilômetros de Cipotânea, havendo na região muito cedro, madeira empregada nas esculturas.

História

Um dos maiores nomes da arte colonial brasileira, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, nasceu em Ouro Preto, cidade da Região Central de Minas em que foi sepultado, mais exatamente sob o altar de Nossa Senhora da Boa Morte, na Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, no Centro Histórico da cidade, que é Patrimônio Mundial.



Conforme está no livro “Aleijadinho revelado – Estudo histórico sobre Antonio Francisco Lisboa”, do promotor de Justiça e integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais Marcos Paulo de Souza Miranda, o artista se deslocava para onde tivesse serviço. Nas pesquisas, Souza Miranda verificou que o escultor dos 12 profetas de Congonhas (Região Central de Minas), obra em pedra-sabão feita entre 1800 e 1805, e de dezenas de outros tesouros admirados por visitantes de todo o mundo, foi aprendiz, oficial e se tornou mestre, aprendendo a trabalhar com a própria família, pois todos eram do ramo.

Quando tinha 23 anos, Aleijadinho começou sua oficina, embora não fosse um espaço físico, mas um serviço itinerante. Souza Miranda registrou: “Ele se deslocava para o lugar onde houvesse serviço, tanto que morou em Rio Espera e Sabará (Grande BH). A equipe dormia geralmente nas casas paroquiais. Outra atividade importante, a exemplo da desempenhada pelo pai, foi a de perito ou ‘louvado’. Um dos irmãos de Aleijadinho, o padre Félix, seguiu a mesma trilha e se tornou talentoso escultor de peças sacras.

Cristo da paciência

De Rio Espera, por sinal, há um caso na Justiça que tira a paciência dos moradores da cidade, conforme o Estado de Minas já publicou inúmeras vezes. Trata-se da imagem de Cristo da Paciência ou Nosso Senhor da Paciência, atribuída ao Aleijadinho e em poder de um colecionador.