Jornal Estado de Minas

Maior pronto-socorro de Minas

Hospital João XXIII: meio século em ritmo de emergência


A vida pulsa – e tem urgência – no maior pronto-socorro de Minas Gerais e um dos maiores da América Latina. Da portaria na Avenida Alfredo Balena, no Bairro Santa Efigênia, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, às entranhas do Hospital João XXIII, que completa neste mês 50 anos, os caminhos estão livres para pacientes que chegam de todos os cantos, alguns até de outros estados brasileiros. Por isso, o ritmo é frenético: por dia, são 300 atendimentos, média de um a cada cinco minutos.



Os números se mostram sempre superlativos, diz o diretor Fabrício Giarola: no fim do mês, o total de atendimentos fecha em torno de 7 mil pessoas, que podem apresentar politraumatismo, queimaduras, intoxicações, picadas de animais peçonhentos e uma infinidade de problemas graves que tornaram referência nacional o Complexo Hospitalar de Urgências vinculado à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), 100% voltado ao SUS (Sistema Único de Saúde).



“Tive um atendimento melhor do que em hospital particular”, testemunha a comerciante Deigles Torres Barros, moradora do Bairro Santa Tereza, na Região Leste de BH. Ela ficou internada quase três meses após ter o braço dilacerado pela mordida de um cão pitbull.

Para casos como o dela, nas 24 horas do dia há sempre uma ambulância do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) ou dos Bombeiros parada na porta do prédio que o povo acostumou a chamar, desde o início, de HPS (sigla de Hospital de Pronto-Socorro). Mas as três letras não dão a dimensão exata do gigantesco complexo hospitalar (veja quadro) no qual trabalham 3,7 mil pessoas distribuídas pelo João XXIII, que absorve a maior parte delas (2,7 mil), pelo Hospital Infantil João Paulo II (antigo Centro Geral de Pediatria/CGP) e pelo Hospital Maria Amélia Lins, especializado em ortopedia buco-maxilo-facial.



“Cada dia aqui é um dia diferente. Somos preparados para salvar vidas humanas, mas estamos também diante da dor, às vezes consolando familiares ou bancando detetives, investigando causas”, diz o cardiologista e hematologista da Agência Transfusional do João XXIII, Winston Khouri, que entrou no hospital como médico residente em 1986 e começou a trabalhar no CTI no ano seguinte.

Perto de completar 42 anos no HPS, a profissional de enfermagem Lourdes Aparecida Martins, do CTI, se emociona ao falar da sua trajetória. “Quando cheguei aqui, tinha pavor a sangue. Superei o medo, pois encontrei pessoas que me ajudaram muito”, agradece.

Urgência em salvar vidas se traduz na agitação constante dos corredores

Orquestra sempre pronta para atuar

Uma equipe a postos, como se fosse uma grande orquestra pronta para atuar: no lugar da batuta do maestro, está um bisturi; em vez do violino do “spalla”, pousa o estetoscópio sobre o jaleco branco; um tomógrafo de última geração segue o ritmo, enquanto centenas de mãos treinadas entram em cena para salvar vidas humanas. Um dia no Hospital João XXIII significa atestar que, por trás das paredes que o separam da metrópole, há especialistas em várias áreas, enfermeiros capacitados e demais profissionais preparados para emergências.



“Podemos atender até 150 pessoas de uma vez. O hospital está pronto para receber o doente no momento em que ele mais precisa”, garante Fabrício Giarola, diretor do Complexo Hospitalar de Urgências vinculado à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig).

Para manter afinada a “orquestra” da instituição que chega ao cinquentenário – a data exata é 4 de abril –, Giarola informa que estão previstos investimentos de R$ 50 milhões no parque tecnológico, reforma do bloco cirúrgico, da enfermaria e do pronto-socorro, construção do novo centro de treinamento, além de mais quatro salas cirúrgicas, que passarão de oito para 12.

Ainda nos planos, está a ampliação da Unidade de Tratamento de Queimados. Os recursos vêm do acordo firmado entre o governo de Minas e a Vale em decorrência do rompimento, em 25 de janeiro de 2019, da Barragem B1 da mineradora na Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Grande BH, que deixou 270 vítimas, entre mortos e feridos.



A Ala de Queimados: especialização reconhecida internacionalmente


Nos últimos quatro anos, contabiliza Giarola, foram investidos R$ 30 milhões, contemplando aquisição de um tomógrafo novo, centro de imagens, raio-x digital, ultrassom, respiradores e outros equipamentos. No dia do aniversário do “HPS cinquentão”, o governo de Minas inaugurou 10 novos de UTI Pediátrica no Complexo Hospitalar de Urgência e Emergência, que também engloba o Hospital Infantil João Paulo II e o Hospital Maria Amélia Lins.

RUMO CERTO

Embora longe de ser tranquila, a harmonia do trabalho no HPS tornou comum ouvir a referência de moradores da Região Metropolitana de BH: em caso de traumas múltiplos, intoxicações e queimaduras, o melhor caminho é o João XXIII. Tornou-se público e notório, também, que tragédias ocorridas na capital, em outras cidades mineiras e até em outros estados desembocam no hospital que se tornou sinônimo de pronto-socorro, incluindo acidentes com veículos, explosões, queimaduras e outros.

De acordo com a Fhemig, ao longo das últimas cinco décadas, um “regimento de profissionais” – atualmente, são cerca de 2,7 mil distribuídos por diversas especialidades – empreendeu missões diárias para salvar vidas ou recuperar a saúde de aproximadamente 3 milhões de pessoas (crianças, mulheres e homens) – uma multidão que passou pelo hospital desde 4 de abril de 1973, quando abriu as portas.



Deigles Torres Barros, comerciante, que teve o braço dilacerado por um cão e precisou ficar três meses internada no João XXIII

DIA DE CÃO

Os 480 leitos atuais são testemunhas de muitas histórias que beiram um filme de terror, muitas delas com um final feliz graças à atuação da equipe do HPS. Há quatro anos, a comerciante Deigles Torres Barros, moradora do Bairro Santa Tereza, na Região Leste de BH, brincava na porta da sua cozinha com o casal de cães pitbull Drago, de 1 ano e 2 meses, e Khalisse, de 8 meses. Ao arremessar um pedaço de madeira, ela se desequilibrou em um degrau e foi atacada pelo cão.

“Ele agarrou meu braço direito e não soltava. Então, foi me arrastando pelo chão, querendo pegar meu pescoço. A fêmea, mordia ele para que me soltasse, mas foi preciso da ajuda de uma vizinha para o animal me largar”, conta a comerciante, mostrando as marcas do ataque. Os bombeiros foram acionados e Deigles, levada para João XXIII. Lá, permaneceu sob os cuidados da equipe durante quase três meses.

“Poderia ter perdido o braço, mas os médicos fizeram de tudo para não amputá-lo. Fui salva. Posso dizer que é um hospital público melhor do que muito particular. Fiz amigos entre médicos e enfermeiros, são pessoas atenciosas... Devo demais a todos”, reconhece Deigles.