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Estado de Minas MINERAÇÃO

Em MG, 40 mil vivem abaixo de barragens sem garantia de estabilidade

Número maior que a população individual de 745 cidades em Minas mora ou trabalha perto de reservatórios de rejeitos de minério que não comprovaram segurança


01/05/2023 07:20 - atualizado 01/05/2023 07:21

Itatiaiuçu - MG Vista aérea da construção da Estrutura de Contenção de Jusante (ECJ) da Barragem de Serra Azul, da mineradora ArcelorMittal, para impedir que rejeitos de um possível rompimento atinjam comunidade e a BR-381
Vista aérea do local onde desde 2022 é construída estrutura para conter rejeitos em eventual rompimento da Barragem de Serra Azul, que só pode começar a ser desmanchada em 2025 (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press)

Uma população que pode chegar a 40 mil mineiros vive sob a ameaça mais grave de barragens de mineração no estado. Um contingente superior à quantidade de habitantes presentes em 745 das cidades mineiras individualmente, como São Sebastião do Paraíso (39.969 em 2020, segundo o IBGE).

Segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) reunidos pela reportagem do Estado de Minas, esse é o total de pessoas que moram ou trabalham sob reservatórios de contenção de rejeitos e sedimentos que não comprovaram sua estabilidade estrutural neste ano.

 

Do total de 203 barramentos mineiros, 28 (14%) têm problemas com as Declarações de Condição de Estabilidade (DCE), que a ANM considera “o documento mais importante do processo de segurança de barragens de mineração”. Dessas, 25 não têm um quadro de solidez suficiente para que técnicos emitam atestados favoráveis, enquanto outras três sequer se manifestaram.

 

Com as lembranças trágicas dos rompimentos de barragens em (2015) e Brumadinho (2019), essa insegurança só intensifica a agonia de quem vive abaixo de estruturas como a Barragem de Rejeitos de Serra Azul, em Itatiaiuçu (Grande BH) – que só pode começar a ser descaracterizado após 2025.

 

Barreira essencial para desmanche 

 

Esse é o tempo estimado para que seja concluída uma construção de aço e pedras chamada Estrutura de Contenção de Jusante (ECJ), que deve ser capaz de reter os rejeitos em caso de rompimento do reservatório. Portanto, uma barreira essencial para possibilitar o desmanche do reservatório. A mineradora afirma que a construção é prioritária e que a escolha de um local mais seguro para ela trouxe desafios construtivos que serão compensados.

 

Na edição de domingo (30/4), o EM mostrou que o Ministério Público de Minas Gerais deve lançar em meados de maio a versão com consulta pública do Centro Integrado de Gestão Ambiental (CIGA), que possibilitará o acompanhamento das estruturas e processos como esse, de mineradoras com barragens em Minas Gerais.


infográfico mostra onde fica a barragem de Serra Azul
Barragem Serra Azul (ArcelorMittal) (foto: Arte EM)
 

Operado pela ArcelorMittal, Serra Azul é uma dos três barramentos em pior estado de estabilidade do Brasil, ao lado das mineiras Sul Superior (Barão de Cocais) e Forquilha 3 (Ouro Preto), mas sendo a única barragem em nível 3 de instabilidade (o mais crítico) que ainda não tem uma estrutura de contenção.

 

Nível mais crítico de segurança 

 

Vistoriada por fiscais da ANM em 7 de abril de 2023, a entrada da barragem no nível mais crítico de segurança foi revelada por reportagem do EM. Entre os parâmetros de deterioração dos taludes (encostas da estrutura), a inspeção encontrou “falhas na proteção e presença de vegetação arbustiva” enraizada e crescendo nas paredes.

Detalhes técnicos da Barragem Serra Azul (AcerlorMittal) 

  • Tipo: Barragem de Rejeitos
  • Operadora: ArcelorMittal Brasil S.A.
  • Localização: Mina Serra Azul (Itatiaiuçu-MG)
  • Instalação: 9/01/1987
  • Situação: Inativa desde 2012
  • Alerta: Nível 3
  • (risco iminente de rompimento)
  • Altura: 85 metros
  • Comprimento: 760 metros
  • Volume contido: 5 milhões de m3 de rejeitos de minério
  • de ferro
  • Área: 65 mil m2
  • Método de ampliação: Alteamento a montante ou
  • desconhecido

 

Em caso de rompimento, podem ser afetadas diretamente até 100 pessoas. Os danos ambientais são considerados “significativos”, podendo prejudicar áreas de interesse ambiental relevante ou áreas protegidas. Os danos socioambientais, por outro lado, podem ser considerados “moderados” pela “baixa concentração de instalações residenciais, agrícolas, industriais ou de infraestrutura”.

 

Contudo, eventual rompimento e despejo de 5 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro (metade do que desceu de Brumadinho) interromperia em poucos minutos dois setores inteiros da principal ligação entre Minas e São Paulo, a BR-381 (Fernão Dias), nos Kms 530 e 534.

Ameaça para o abastecimento de água

 

O grande volume de lama acumulada por décadas de mineração ingressaria, depois de 12,7 quilômetros, o Reservatório Rio Manso, responsável pelo abastecimento de 35% dos cerca de 6 milhões de habitantes da Grande BH, podendo inviabilizar o fornecimento de água.

Tanto a Arteris, concessionária da Rodovia Fernão Dias, quanto a Copasa, que capta água do reservatório, assinam afirmativas de ciência dos riscos e trabalham junto às autoridades para sua prevenção.

 

Uma das esperanças é a obra de construção da estrutura de contenção, a dois quilômetros de distância da barragem sem atestado de estabilidade e que fica no leito em que desce o Córrego do Motta. Esse novo dique poderá atingir uma altura de 45 metros e 200 metros de comprimento. A previsão de conclusão divulgada é de setembro de 2025.


Itatiaiuçu, em Minas. O caseiro Guilhermino Alves Pereira Rocha, de 67 anos, que trabalha abaixo da Barragem de Serra Azul, da mineradora ArcelorMittal
O caseiro Guilhermino Alves, de 67 anos, é um dos 40 mil mineiros que vivem apreensivos sob barragens sem segurança atestada (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press)

O caseiro Guilhermino Alves Pereira Rocha, de 67 anos, afirma que nem quando o obstáculo estiver pronto vai ficar inteiramente tranquilo. “A ArcelorMittal destruiu os nossos sonhos, nos causou muitas dores. Trabalhava com outras pessoas, mas todas foram embora, pois ninguém aluga mais o sítio. Meu serviço dobrou. Além de tudo, temos esse medo, a gente qualquer barulho acha que a sirene vai tocar, que vai ter de correr. Só dizem que é para ir para cima. Está no nível pior de risco, igual a Mariana e Brumadinho”, compara.

Mar de rejeitos com segurança duvidosa 

 

O somatório do volume de rejeitos de mineração e sedimentos contidos nas 28 barragens sem garantias de segurança pela emissão de Declarações de Condição de Estabilidade (DCE) é gigantesco. Chega a 458 milhões de metros cúbicos.

Um total que representa 3,8 vezes a capacidade de armazenamento de água para a captação do Reservatório de Rio Manso, da Copasa, o maior do sistema de represas que abastecem Grande BH, fornecendo água para 35% dos 6 milhões de habitantes da região. A represa, inclusive, é a mais ameaçada por barragens sem garantias de estabilidade.


Vista aérea da construção da Estrutura de Contenção de Jusante (ECJ) da Barragem de Serra Azul, da mineradora ArcelorMittal, para impedir que rejeitos de um possível rompimento atinjam comunidade e a BR-381
Barragem de Serra Azul, em Itatiaiuçu, Minas Gerais (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press)

Das 28 barragens sem DCE em Minas, a maioria – 17 estruturas – pode produzir dano ambiental considerado “significativo”, com área afetada sendo de interesse ambiental relevante ou protegida em legislação específica.

Uma delas tem risco “muito significativo agravado”, por conter rejeitos considerados tóxicos. Outras cinco têm potencial destrutivo “muito significativo”, por conterem resíduos perigosos. Três têm ameaça considerada “pouco significativa”, e um, “insignificante”.

 

Dos 28 barramentos sem DCE que ameaçam 40.705 mineiros, 15 são considerados capazes de danos socioeconômicos e culturais “altos”, uma vez que abaixo deles “existe alta concentração de instalações residenciais, agrícolas, industriais ou de infraestrutura de relevância sócio-econômico-cultural na área afetada”. Seis representam ameaças médias, três baixas e três inexistentes.

Contenção é prioridade, diz empresa 

Sobre a Barragem de Rejeitos de Serra Azul, em Itatiaiuçu, a ArcelorMittal afirma que a “construção da Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ) é tema prioritário para a empresa” e que usa a tecnologia que garantiria maior proteção, com três fileiras de tubos de aço cravados no solo com os espaços preenchidos com pedras e concreto.

 

“Até o dia 10 de abril, já tinham sido cravados no solo 528 tubos de aço, o que corresponde a mais que a metade dos 1.036 tubos previstos. A utilização desse método construtivo foi necessária para viabilizar a construção da ECJ em local que garante maior proteção das áreas a jusante da ECJ, incluindo a BR-381 e o Reservatório do Rio Manso”, informa a empresa.

 

Segundo a ArcelorMittal, embora o local determinado para construção da estrutura de contenção “traga desafios técnicos e construtivos significativamente maiores do que os de outras estruturas semelhantes já construídas, com essa escolha a empresa visa garantir a máxima proteção do meio ambiente, equipamentos públicos e patrimônio particular”.

 

A empresa afirma ainda que planos de ações específicos também foram acordados junto ao Ministério Público, à Copasa e à Arteris (concessionária que administra a BR-381), “prevendo, entre outras medidas, a instalação de cortinas de retenção de sedimentos no reservatório de Rio Manso, adaptações dos depósitos de produtos químicos da Estação de Tratamento de Água do Rio Manso, manutenção de contratos de prontidão para fornecimento de produtos químicos indicados nos estudos de tratabilidade e definição de rotas alternativas para o tráfego na região”.

 

Procurada pelo Estado de Minas, a Copasa informou que faz reuniões periódicas com mineradoras cuja área de influência abrange seus sistemas de abastecimento, para tratar dos Plano de Ação de Emergência de Barragem de Mineração e se inteirar sobre as inspeções de segurança nas estruturas. Ainda segundo a concessionária de saneamento, esse acompanhamento indica que, “até o momento, não há uma ameaça efetiva de rompimento das estruturas”.

 

A Arteris, concessionária que opera a Rodovia Fernão Dias, tem informado que tem planos de operação em caso de problemas com barragens, mas não respondeu aos contatos para esta reportagem.

 

A barragem está desativada e a mineradora afirma que é monitorada 24 horas por dia, sendo que as condições permanecem inalteradas, segundo a empresa. Os atingidos também estariam em negociações de indenização individualmente, com “pagamento de prestação mensal para 867 famílias”. 

 

Documento é essencial 

 

A Agência Nacional de Mineração (ANM) considera que a Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) é “o documento mais importante do processo de segurança de barragens de mineração”, pois é a partir dele que se avalia a integridade do reservatório de rejeitos e se estabelecem as medidas de monitoramento, manutenção e contingência necessárias para garantir a segurança da estrutura. A ANM destaca ainda que a DCE deve ser elaborada por profissionais habilitados e deve estar disponível para consulta pública.

 

O Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM) também destaca a importância da DCE, que classifica como uma forma de garantir que os riscos associados à barragem estejam sendo adequadamente avaliados e gerenciados, e que a estrutura esteja operando dentro dos padrões de segurança estabelecidos pelos órgãos reguladores.

 

Em artigo publicado na revista científica "Journal of Cleaner Production", pesquisadores brasileiros destacam que a DCE é um instrumento importante para a transparência e a comunicação com a população e com autoridades, pois permite que as informações técnicas sobre a barragem sejam compartilhadas de forma clara e acessível.

Os autores ressaltam que a comunicação transparente é fundamental para promover a confiança e a cooperação entre os diferentes atores envolvidos na gestão da segurança dessas estruturas.

 

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) também destaca a importância do documento. A norma ABNT NBR 13028:2017, que estabelece os requisitos para a elaboração da DCE, destaca que a declaração é uma forma de garantir que a estrutura esteja operando de forma segura e que os riscos associados à barragem estejam sendo gerenciados adequadamente.

A norma também estabelece os critérios para a elaboração da DCE e define as informações técnicas que devem ser incluídas no documento.


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