Jornal Estado de Minas

MEIO AMBIENTE

Expedição tenta resgatar o Rio Pará, que agoniza

 
Enviado especial

Carmo do Cajuru, Divinópolis, Igaratinga, Pará de Minas e São Gonçalo do Pará – Nas nascentes, nos Campos das Vertentes, guerras das tribos carijós e cataguases. No rumo da foz, batalhas de colonos e portugueses pelo ouro e a cachaça, no Centro-Oeste mineiro. "Ali, na beira do Rio Pará, deixaram largado povo inteiro: casas, sobradinho, capela; três vendinhas, o chalé e o cemitério; e a rua, sozinha e comprida, que agora nem mais é uma estrada de tanto que o mato a entupiu". O trecho de João Guimarães  Rosa, da obra "Sagarana", retrata a vitória da malária sobre um povoado e reforça a ideia de como foi custosa a povoação da bacia do Rio Pará, quarto maior afluente mineiro do Rio São Francisco – atrás dos rios das Velhas, Paracatu e Paraopeba.




 
Essa potência natural agora pede socorro e o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará (CBH Rio Pará) começa amanhã uma expedição, que a reportagem do Estado de Minas acompanha, para lutar pela sua conservação resgatando o sentimento de pertencimento entre a população e o manancial tendo como mote: "Esse rio é meu".
 
Nos 365 quilômetros de extensão da nascente à foz, a qualidade e a quantidade de água são problemas que afligem a população de 900 mil habitantes, 463 mil só na calha principal, sem contar os afluentes. De acordo com o Monitoramento da Qualidade das Águas Superficiais do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), do segundo semestre de 2022, das seis estações de monitoramento instaladas no manancial, três extrapolam o nível mais crítico de tolerância a poluentes da legislação brasileira, sendo que todos os postos de medição apresentaram parâmetros dentro do pior patamar aceito (confira o quadro).
 
Para Edmilson Monteiro, servidor público de 55 anos que mora e pesca em São Gonçalo do Pará, um dos problemas é o lixo e esgotamento sanitário das cidades, que vão parar no rio. Ele, contudo, afirma que a avanços na coleta de esgoto em algumas cidades e a remoção de dragas de areia melhoraram a saúde do rio. "Apareceram até peixes diferentes, que não havia antes aqui, como o corta-linha e a piapara. Antes, só pacu e curimba. É melhorar, que o rio sente. O cheiro de esgoto diminuiu. Tem de cuidar do lixo”, observa.




 
Mas ainda há muito que melhorar. O Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) estabelece a classe 3 de águas como o nível mais crítico de poluição aceitável. Mas excederam esses patamares as amostragens de coliformes totais em Carmópolis de Minas, Cláudio, Itaguara, Conceição do Pará e Pitangui e de fósforo total de Carmópolis de Minas, Cláudio, Itaguara, Martinho Campos e Pompéu. Nesse nível, o contato com as águas não é recomendado, sequer brevemente.

RISCO


Segundo o histórico de relatórios do Igam, os coliformes são um forte indicativo de esgoto doméstico nas águas do Rio Pará. "São um grupo de bactérias que incluem a Escherichia coli (E. coli) e outras bactérias presentes no trato gastrointestinal de humanos e animais", informa a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). A contaminação pode causar em pessoas em contato com essa água, segundo a ANA, doenças de pele, infecções gastrointestinais, cólera, hepatite A, giardíase, problemas renais e do fígado.
 
Já a agência destaca que a alta concentração de fósforo em um rio pode levar a um aumento descontrolado da população de algas e outros organismos aquáticos (eutrofização). Esse aumento pode causar "a redução da transparência da água, a morte de peixes e outros organismos aquáticos, além de afetar a qualidade da água para consumo humano". As fontes para a alta concentração de fósforo são várias, como esgotos domésticos e industriais, uso de fertilizantes, práticas inadequadas de manejo de resíduos sólidos e atividades mineradoras, segundo a ANA.




 
Se enquadram em classe 3, o pior índice dentro da tolerância ambiental do Conama e que exige uma série de etapas de tratamento para consumo humano, amostras contendo também ferro dissolvido e manganês. O manganês foi detectado em Carmópolis de Minas, Cláudio e Itaguara, e, segundo a ANA, altas concentrações do mineral podem levar a distúrbios neurológicos e motores, como tremores, fraqueza muscular e problemas de equilíbrio, especialmente em crianças. Também pode afetar a função hepática e renal e alterar os níveis de hormônios tireoidianos.
 
Para Edmilson Monteiro, que pesca em São Gonçalo do Pará, um dos problemas é o lixo, mas avanços na coleta de esgoto já permitiram o aparecimento de "peixes diferentes"

A alta concentração de ferro dissolvido pode afetar tanto a fauna e a flora aquáticas quanto a qualidade da água para consumo humano. "O ferro em excesso pode causar a acidificação do meio aquático, afetando a disponibilidade de oxigênio para os organismos vivos e causando a morte de peixes e outros organismos aquáticos", segundo o Ibama. Os altos níveis foram encontrados em amostras de Carmo do Cajuru, Conceição do Pará, Divinópolis, Martinho Campos, Passa Tempo, Pitangui e Pompéu.

O TRAJETO

A expedição deve percorrer o Rio Pará entre os dias 8 e 19 de maio, com ações nas comunidades. De acordo com o presidente do CBH Rio Pará, José Hermano Oliveira Franco, as pessoas estavam se desligando do rio e isso impede ações mais coordenadas. "Ninguém sabia onde era a nascente e a foz. Precisamos que as pessoas voltem a olhar para o rio como parte dele", afirma. Segundo Franco, o governo do estado pode ajudar com investimentos, com conhecimento, com fiscalização, mas cabe igualmente aos municípios essa responsabilidade.




 
Pescadores às margens do Rio São João, afluente do Pará: poluição extrapola níveis críticos em três dos seis pontos de monitoramento da bacia

"Qualidade das águas é uma responsabilidade compartilhada. Um dos objetivos da expedição é trazer soluções. Muitas vezes não há recursos para uma Estação de Tratamento de Esgoto para tratar todo o município, mas podemos melhorar a situação com saneamento rural. Temos, por exemplo, mais de 300 soluções individuais para esgoto que queremos mostrar e onde se implanta serve de exemplo dentro da bacia, tanto para o esgoto quanto para outros fatores", disse.
 
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Semad) informou que as fiscalizações ambientais são realizadas para garantir que as atividades estejam em conformidade com as leis e regulamentações. "Quando a fiscalização identifica atividades irregulares, são tomadas medidas necessárias para interromper a operação, com aplicação de multas, suspensão das atividades e apreensão dos equipamentos utilizados.