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Estado de Minas MEIO AMBIENTE

Expedição tenta resgatar o Rio Pará, que agoniza

Esgotos lançados em seus 365 quilômetros de extensão ameaçam a qualidade da água do 4º maior afluente do São Francisco


07/05/2023 04:00 - atualizado 07/05/2023 07:10

Vista do Rio Pará feita por drones
Vista do Rio Pará capturada por drones: com o mote "esse rio é meu", expedição vai tentar despertar o sentimento de pertencimento da população de mais de 900 mil habitantes que vive nas cidades sob influência do manancial (foto: Fotos: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
 
Enviado especial

Carmo do Cajuru, Divinópolis, Igaratinga, Pará de Minas e São Gonçalo do Pará – Nas nascentes, nos Campos das Vertentes, guerras das tribos carijós e cataguases. No rumo da foz, batalhas de colonos e portugueses pelo ouro e a cachaça, no Centro-Oeste mineiro. "Ali, na beira do Rio Pará, deixaram largado povo inteiro: casas, sobradinho, capela; três vendinhas, o chalé e o cemitério; e a rua, sozinha e comprida, que agora nem mais é uma estrada de tanto que o mato a entupiu". O trecho de João Guimarães  Rosa, da obra "Sagarana", retrata a vitória da malária sobre um povoado e reforça a ideia de como foi custosa a povoação da bacia do Rio Pará, quarto maior afluente mineiro do Rio São Francisco – atrás dos rios das Velhas, Paracatu e Paraopeba.
 
Essa potência natural agora pede socorro e o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará (CBH Rio Pará) começa amanhã uma expedição, que a reportagem do Estado de Minas acompanha, para lutar pela sua conservação resgatando o sentimento de pertencimento entre a população e o manancial tendo como mote: "Esse rio é meu".
 
Nos 365 quilômetros de extensão da nascente à foz, a qualidade e a quantidade de água são problemas que afligem a população de 900 mil habitantes, 463 mil só na calha principal, sem contar os afluentes. De acordo com o Monitoramento da Qualidade das Águas Superficiais do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), do segundo semestre de 2022, das seis estações de monitoramento instaladas no manancial, três extrapolam o nível mais crítico de tolerância a poluentes da legislação brasileira, sendo que todos os postos de medição apresentaram parâmetros dentro do pior patamar aceito (confira o quadro).
 
Para Edmilson Monteiro, servidor público de 55 anos que mora e pesca em São Gonçalo do Pará, um dos problemas é o lixo e esgotamento sanitário das cidades, que vão parar no rio. Ele, contudo, afirma que a avanços na coleta de esgoto em algumas cidades e a remoção de dragas de areia melhoraram a saúde do rio. "Apareceram até peixes diferentes, que não havia antes aqui, como o corta-linha e a piapara. Antes, só pacu e curimba. É melhorar, que o rio sente. O cheiro de esgoto diminuiu. Tem de cuidar do lixo”, observa.
 
Mas ainda há muito que melhorar. O Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) estabelece a classe 3 de águas como o nível mais crítico de poluição aceitável. Mas excederam esses patamares as amostragens de coliformes totais em Carmópolis de Minas, Cláudio, Itaguara, Conceição do Pará e Pitangui e de fósforo total de Carmópolis de Minas, Cláudio, Itaguara, Martinho Campos e Pompéu. Nesse nível, o contato com as águas não é recomendado, sequer brevemente.

RISCO


Segundo o histórico de relatórios do Igam, os coliformes são um forte indicativo de esgoto doméstico nas águas do Rio Pará. "São um grupo de bactérias que incluem a Escherichia coli (E. coli) e outras bactérias presentes no trato gastrointestinal de humanos e animais", informa a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). A contaminação pode causar em pessoas em contato com essa água, segundo a ANA, doenças de pele, infecções gastrointestinais, cólera, hepatite A, giardíase, problemas renais e do fígado.
 
Já a agência destaca que a alta concentração de fósforo em um rio pode levar a um aumento descontrolado da população de algas e outros organismos aquáticos (eutrofização). Esse aumento pode causar "a redução da transparência da água, a morte de peixes e outros organismos aquáticos, além de afetar a qualidade da água para consumo humano". As fontes para a alta concentração de fósforo são várias, como esgotos domésticos e industriais, uso de fertilizantes, práticas inadequadas de manejo de resíduos sólidos e atividades mineradoras, segundo a ANA.
 
Se enquadram em classe 3, o pior índice dentro da tolerância ambiental do Conama e que exige uma série de etapas de tratamento para consumo humano, amostras contendo também ferro dissolvido e manganês. O manganês foi detectado em Carmópolis de Minas, Cláudio e Itaguara, e, segundo a ANA, altas concentrações do mineral podem levar a distúrbios neurológicos e motores, como tremores, fraqueza muscular e problemas de equilíbrio, especialmente em crianças. Também pode afetar a função hepática e renal e alterar os níveis de hormônios tireoidianos.
 
O pescador Edmilson Monteiro, com peixe pescado no Rio Pará
Para Edmilson Monteiro, que pesca em São Gonçalo do Pará, um dos problemas é o lixo, mas avanços na coleta de esgoto já permitiram o aparecimento de "peixes diferentes"

A alta concentração de ferro dissolvido pode afetar tanto a fauna e a flora aquáticas quanto a qualidade da água para consumo humano. "O ferro em excesso pode causar a acidificação do meio aquático, afetando a disponibilidade de oxigênio para os organismos vivos e causando a morte de peixes e outros organismos aquáticos", segundo o Ibama. Os altos níveis foram encontrados em amostras de Carmo do Cajuru, Conceição do Pará, Divinópolis, Martinho Campos, Passa Tempo, Pitangui e Pompéu.

O TRAJETO

A expedição deve percorrer o Rio Pará entre os dias 8 e 19 de maio, com ações nas comunidades. De acordo com o presidente do CBH Rio Pará, José Hermano Oliveira Franco, as pessoas estavam se desligando do rio e isso impede ações mais coordenadas. "Ninguém sabia onde era a nascente e a foz. Precisamos que as pessoas voltem a olhar para o rio como parte dele", afirma. Segundo Franco, o governo do estado pode ajudar com investimentos, com conhecimento, com fiscalização, mas cabe igualmente aos municípios essa responsabilidade.
 
pescadores às margens do Rio São João
Pescadores às margens do Rio São João, afluente do Pará: poluição extrapola níveis críticos em três dos seis pontos de monitoramento da bacia

"Qualidade das águas é uma responsabilidade compartilhada. Um dos objetivos da expedição é trazer soluções. Muitas vezes não há recursos para uma Estação de Tratamento de Esgoto para tratar todo o município, mas podemos melhorar a situação com saneamento rural. Temos, por exemplo, mais de 300 soluções individuais para esgoto que queremos mostrar e onde se implanta serve de exemplo dentro da bacia, tanto para o esgoto quanto para outros fatores", disse.
 
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Semad) informou que as fiscalizações ambientais são realizadas para garantir que as atividades estejam em conformidade com as leis e regulamentações. "Quando a fiscalização identifica atividades irregulares, são tomadas medidas necessárias para interromper a operação, com aplicação de multas, suspensão das atividades e apreensão dos equipamentos utilizados.



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