Terezinha Pereira dos Santos e sua filha, Lalesca Pereira dos Santos, foram denunciadas pelo Ministério Público de Minas Gerais pelo abandono e cárcere privado dos dois meninos encontrados presos em um apartamento no Bairro Lagoinha, na Região Noroeste de Belo Horizonte, na terça-feira de Carnaval. A mãe dos meninos, Kátia Cristina Alves Robes e outro filho de Terezinha, Diego Pinheiro dos Santos, também foram denunciados por manter as crianças em cárcere privado, submetê-las a trabalho forçado e pela morte de um terceiro menino, no início de fevereiro.
De acordo com documento do MPMG, no qual a reportagem do Estado de Minas teve acesso, Terezinha e Lalesca foram intimadas na última quinta-feira (5/5), e Kátia ontem (11/5). Não há informações sobre a intimação oficial de Diego.
Na terça-feira de Carnaval os meninos pediram comida para uma vizinha por um buraco na porta do apartamento onde estavam. Eles já haviam sido vistos entrando no local com Terezinha Pereira dos Santos e Lalesca Pereira dos Santos, mãe e filha, apontadas como as principais suspeitas de abandoná-los.
Depois de alimentar as crianças, a vizinha acionou a Polícia Militar. Ao chegarem no local os militares perceberam que a porta de entrada estava trancada com uma corrente e cadeado.
Dentro do apartamento os militares encontraram um colchão de solteiro no chão, vasilhas sujas na cozinha e nenhuma comida. Conforme o boletim de ocorrência, as crianças foram encaminhadas para o Hospital Odilon Behrens com quadro de desnutrição e desidratação severa.
Para o Ministério Público, Terezinha e a filha, Lalesca, são responsáveis pelo abandono dos meninos. A mulher mais velha, inicialmente identificada como avó das crianças, também seria responsável por mantê-las em “intenso sofrimento físico e psicológico, para aplicar castigo pessoal”.
Segundo o laudo médico do exame de corpo e delito das crianças, feito após o resgate, o menino mais novo, de 6 anos, pesava 13 kg, apresentava diversas escoriações pelo corpo e notória perda muscular. Nas imagens tiradas no momento do exame é possível ver os ossos da costela, ombro, joelho e outras articulações bem protuberantes.
Ainda conforme o relatório, a saúde do menino estava crítica devido à falta de nutrientes. O mais velho, de 9 anos, também estava desidratado e desnutrido, mas com menor gravidade.
Os meninos ficaram internados por cerca de 15 dias. Eles foram acompanhados pela equipe do Conselho Tutelar da Prefeitura de Belo Horizonte e pelo tio materno, que veio de Valparaíso de Goiás quando soube da morte de um terceiro sobrinho, Emanuel, também em fevereiro deste ano.
Homicídio
Além das denúncias em relação ao abandono dos meninos no Bairro Lagoinha, o MPMG também apresentou à justiça acusação contra Kátia Cristina Robes, mãe das crianças, pela morte de outro filho, no dia 6 de fevereiro.
O menino de 4 anos morreu após dar entrada na UPA de São Joaquim de Bicas, na Grande BH. Ele foi levado até o local pela mãe. Conforme laudo do exame de necropsia, a criança sofreu parada cardiorrespiratória, estava desnutrida e desidratada. A causa da morte foi uma pancada na cabeça por objeto contundente.
Ainda de acordo com o laudo, a situação da criança era bastante dramática. Ela apresentava hematoma roxo no olho esquerdo, machucado no lábio superior, machucados no lado esquerdo do rosto e hematoma na parte interna dos lábios. Estava muito magro, com costelas aparentes, escoriações no peito, escoriações na coxa direita, ferimentos circulares no tornozelo esquerdo e na perna direita, escoriações na lombar e hematoma intracraniano.
Para o Ministério Público, Kátia, Terezinha e seu filho, Diego, são responsáveis pela morte da criança. Eles estão sendo acusados de homicídio por motivo torpe, mediante tortura, emprego de meio cruel e utilização de recursos que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima.
Em entrevista ao Estado de Minas, no dia 24 de fevereiro, o antigo advogado de Kátia relatou que a cliente era mantida em cárcere privado pela família de Terezinha. O fato foi exposto pela mulher em um relato, escrito na Penitenciária de Vespasiano.
Na carta, entregue à direção do presídio, a mãe das crianças conta que era mantida afastada de seus filhos homens, e que teve sua filha recém nascida tirada de seus braços logo após seu nascimento. Apesar disso, o MPMG afirma que a mulher devia e podia agir para evitar a morte de seu filho além das torturas a que seus filhos foram submetidos, “em razão de sua obrigação legal de cuidado, proteção ou vigilância”. O órgão ainda apontou que ela foi acusada de agredir as crianças.
O que dizem os meninos
Dias depois de darem entrada no Hospital Odilon Behrens, os dois meninos resgatados no apartamento de BH participaram de uma entrevista de Escuta Especializada, realizada por um perito da Polícia Civil. De acordo com o relatório, ao qual a reportagem do Estado de Minas teve acesso, o menino de 9 anos contou sobre o dia em que ele e o irmão foram encontrados pela vizinha do imóvel da Rua Itapecerica, no bairro Lagoinha.
Conforme relato, as crianças teriam ficado sozinhas de 3 a 4 dias. Antes do abandono, estavam no imóvel Terezinha, Lalesca e suas filhas. Dias depois, as mulheres foram embora, deixando os garotos trancados em cômodos diferentes. Segundo o menino, um deles ficou debaixo do sofá e o outro dentro de um armário. Ao perceber que as mulheres não iriam voltar, ele acabou saindo de onde estava e indo ao encontro do irmão, que estava chorando e pedindo comida. Foi quando ele decidiu acionar a vizinha alegando fome.
Sobre como era a vida antes de ir para o apartamento no Bairro Lagoinha, o menino disse que morava com a mãe e os irmãos em um sítio de Terezinha, em São Joaquim de Bicas. Ele afirma que o terreno era grande, "uns quatro lotes", com várias casas, "uma pior que a outra". Lá, ele e o irmão ficavam em um quarto que tinha um buraco na parede.
Era comum que os meninos ficassem afastados um do outro, isso porque, segundo o menino, Terezinha dizia que eles não davam certo juntos. Além disso, no sítio as crianças não podiam ver televisão, apenas trabalhar. À perita, ele contou que era responsável por carregar terra e água, molhar plantas, cavar buracos "com ferramenta pesada" e capinar. As tarefas também eram repassadas para as outras crianças.
Ao ser questionado sobre sua ida à escola, o garoto afirmou que Terezinha não queria matriculá-lo em nenhuma instituição de ensino, porque eles poderiam "ficar fazendo fofoca" de que ela os colocava para trabalhar.
Em relação aos machucados pelo seu corpo, ele informou que foram causados por excesso de trabalho ou por ter apanhado. A criança disse que um machucado em seu pulso foi feito por Diego, filho de Terezinha, quando o teria pegado tentando "caçar" comida. Ainda segundo o relato, Terezinha ajudava o filho a agredir as crianças, chegando a colocar um pano em suas bocas para que não gritassem.
Sobre a relação com a mãe, o filho contou que ela já teve três namorados, e que todos a espancavam. De acordo com o menino, desde o dia que a mãe conheceu o padrasto ela "ficou má", e sempre batia nos filhos.
Outro lado
A reportagem entrou em contato com o advogado dos acusados, mas até a publicação desta matéria não obteve resposta.