Uma data especial para receber aplausos dos brasileiros, merecer total atenção dos mineiros e, de forma especial, encher de orgulho os belo-horizontinos. O Conjunto Moderno da Pampulha, em Belo Horizonte, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) e reconhecido como Patrimônio Mundial, completa hoje 80 anos, com programação especial de longa duração. A abertura oficial será às 17h, com exposição na Casa do Baile. Formado por ícones e cartões-postais de BH – Igrejinha de São Francisco, que se tornou santuário, Museu de Arte (MAP), Casa do Baile e Iate –, o conjunto arquitetônico se encontra em região de grande crescimento, enfrentando desafios, a exemplo da poluição da lagoa, e buscando se firmar como polo atrativo para o turismo. A âncora desse objetivo está nos monumentos, pois, como define o arquiteto e professor Flávio Carsalade, “o conjunto moderno é a razão de ser da Pampulha”.
As águas da lagoa se transformam em espelho do tempo aos olhos de Rosa Amélia dos Santos, de Belo Horizonte. Conhecedora da Região da Pampulha, onde reside e começou a trabalhar em 1977, a servidora pública federal aposentada se lembra de quando as lanchas circulavam puxando os esquis aquáticos, de bares que saíram de cena e das poucas habitações próximas ao Conjunto Moderno da Pampulha. Em décadas, a região cresceu, (re)apareceu, abre-se a novos empreendedores e enfrenta desafios históricos, sendo o maior deles a despoluição do reservatório.
“Como eu andei de lancha na Lagoa da Pampulha! Tinha um namorado, dono de um modelo 13 pés, substituído depois por um 16 pés, que sempre me convidava para um passeio. Lembro muito do bar Redondo, houve muitas mudanças”, conta Rosa Amélia, que, na manhã de sexta-feira, apresentava os jardins do Museu de Arte da Pampulha (MAP, antigo cassino), fechado há três anos e oito meses, à sobrinha Lucilene Napoleão, costureira, e à filha dessa, Kerolayne Napoleão de Abreu, de 26, moradora de Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
Citando a relevância do Conjunto Moderno formado pelo MAP, Casa do Baile (atual Centro de Referência de Arquitetura, Urbanismo e Design), Iate Tênis Clube e a Igrejinha, rebatizada de Santuário Arquidiocesano São Francisco de Assis da Pampulha, Rosa Amélia ainda se impressiona com o crescimento da região, que reúne 57 bairros, onde vivem 226,1 mil pessoas.
“Quando comecei a trabalhar na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), como desenhista de arquitetura, todo o entorno do câmpus era um deserto. Não tinha nada”, recorda-se Rosa Amélia, viúva, que tem dois enteados residentes na Austrália e nos EUA. “Estive aqui bem criança, e vejo como tudo mudou. Vale a pena essa visita”, comentou Lucilene, enquanto a filha, Kerolayne, vislumbrava a possibilidade de vir trabalhar na capital.
SAUDAÇÕES As oito décadas do conjunto moderno são saudadas por moradores e visitantes. Diante do Santuário Arquidiocesano São Francisco de Assis da Pampulha, a professora de geografia Marisa Roberta dos Santos, da Escola Municipal Milton Campos, no Bairro Mantiqueira, em Venda Nova, ressalta a importância dos ícones arquitetônicos, que, no caso da “Igrejinha”, além de Niemeyer, receberam marcas notáveis do paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994), do artista plástico Cândido Portinari (1903-1962), do escultor Alfredo Ceschiatti (1918-1989) e de Paulo Werneck (1903-1962), responsável, na parte externa, pelo revestimento em pastilha. Junto ao “valor universal excepcional”, considerado pelo Unesco, o conjunto da Pampulha é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) e Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte.
“Viemos com alunos de 10 e 11 anos, atualmente dedicados ao estudo dos espaços de BH. A Igrejinha e outros monumentos construídos na década de 1940 representam muito para a cidade, e a turma pesquisa também o adensamento urbano, o crescimento da região da Pampulha em oito décadas”, diz a professora. Perto dali, o advogado Cláudio Malta, residente em Maceió e curtindo as férias em BH, não se cansava de fazer fotos da igrejinha. “Estou na cidade pela primeira vez, e realmente fascinado com o conjunto da Pampulha, que só valoriza a cultura nacional”, disse o turista.
Também do Nordeste, dessa vez de Recife, o casal Henrique Araújo, professor e tradutor, e Pollyana Ramalho, empreendedora com atuação no setor de moda, celebrava, na sexta-feira, o aniversário dela, com passeio de bicicleta na orla. Procedentes do circuito das cidades históricas, os dois ficaram hospedados num hotel na Pampulha. “Esta é a segunda vez em BH e primeira neste lugar que transmite tranquilidade”, disse o marido. “É de grande beleza”, completou Pollyana, que não pôde visitar a Casa do Baile, por estar fechada.
Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), o fechamento temporário da Casa do Baile, atual Centro de Referência de Arquitetura, Urbanismo e Design, decorreu da montagem da exposição comemorativa dos 80 anos, que será aberta hoje, às 17h, “Lugar imaginado, lugar vivido: 80 anos da Casa do Baile”, já aberta ao público, com curadoria de Guilherme Wisnik e Marina Frúgoli. Para facilitar a vida de brasileiros e estrangeiros, a PBH vai implantar o Projeto Executivo da Sinalização Interpretativa Turística, atualizando e ampliando o atual sistema existente com o dos patrimônios da humanidade no Brasil.
Museu fechado para restauração
Muitos turistas dão com “o nariz na porta” ao chegar ao Museu de Arte da Pampulha (MAP) e encontrá-lo fechado, restando visitar os belos e bem-cuidados jardins planejados por Burle Marx e ver as esculturas de August Zamoyski, Alfredo Ceschiatti e Jose Pedrosa. A Prefeitura de Belo Horizonte informou, em nota, que, além do aniversário, comemora também a aprovação do Projeto básico de restauração/intervenção do edifício do MAP, pelos órgãos de proteção do patrimônio nas três instâncias, “importante passo que permitirá o desenvolvimento dos projetos executivos e, em seguida, a licitação para o início das obras de restauração”. E mais: “O projeto de restauração é altamente especializado e foi desenvolvido a partir de prospecções, pesquisas e análises técnicas de materiais e dos sistemas construtivos”.
Também ícone do conjunto moderno, o Iate Tênis Clube, particular, é alvo de uma pendenga, entre o Ministério Público e a PBH, que se arrasta há anos. O pomo da discórdia está no anexo, popularmente chamado de “puxadinho”, construído na década de 1970 sem autorização dos órgãos de defesa do patrimônio cultural. Sobre o impasse, a prefeitura informa que a diretoria do Iate apresentou estudo preliminar para a requalificação do edifício anexo ao clube, e, durante o processo de elaboração desse estudo, a equipe de consultoria contratada pelo Iate fez consulta aos órgãos de proteção do patrimônio cultural a fim de obter diretrizes de intervenções na área, “para que a proposta pudesse contribuir e se apresentar como uma solução de conciliação no litígio que envolve a requalificação da paisagem do Conjunto Moderno da Pampulha e a demolição do anexo”.
O estudo preliminar foi previamente analisado pelas equipes técnicas dos órgãos e pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Municipal de BH, os quais consideraram que a proposta apresentada tem méritos e é relevante. Em nota, a PBH informou que o estudo preliminar será enviado pelo Iphan ao Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, para avaliação. “Importante ressaltar que o referido estudo preliminar não se enquadra como um projeto arquitetônico executivo. Esse, caso venha a ser elaborado no futuro, deverá passar pela aprovação dos órgãos de patrimônio nacionais e da Unesco.”