No coração de Belo Horizonte, entre o centro e um dos bairros mais nobres da cidade, Maria Lima das Graças administra há quatro décadas o edifício JK, um dos principais cartões-postais da capital mineira. Seu nome é bastante conhecido da imprensa local, que há anos noticia uma série de decisões controversas.
Entre as mais recentes está a criação de um código de vestimenta para que moradores sejam atendidos na administração do prédio. Desde dezembro do ano passado, um recado colado na parede do edifício avisa: "Se o senhor quiser ser atendido na administração, deverá comparecer com vestimentas adequadas ao ambiente de trabalho". Chinelo e bermuda estão, portanto, descartados.
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O edifício JK foi projetado por Oscar Niemeyer e encomendado no início da década de 1950 pelo então governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek. As obras, porém, só ficaram prontas na década de 1970.
O edifício tem quase 1.100 apartamentos, de 13 plantas, distribuídos em dois blocos, um de 23 andares e outro de 36. Ele é hoje o segundo maior de Belo Horizonte, com 118 metros.
Também há lojas no pilotis do prédio. Seu projeto inicial previa ainda a construção de um teatro e um museu na mesma área — o primeiro foi vendido à Igreja Universal, e o segundo nunca saiu do papel.
Uma das principais ideias de Niemeyer ao projetar o prédio era que sua estrutura incentivasse o contato entre os moradores. Mas hoje a quadra e o parquinho do prédio estão fechados. "Além disso, o salão de festas é bizarro de horroroso; coitado do Niemeyer se ele visse isso", diz Nara Freire, 40, arquiteta e moradora do JK desde 2020.
Sérgio Hirle, 65, que mora há 41 anos no edifício, concorda: "As áreas comuns estão muito abandonadas, com sujeira de pó de asfalto, que vira lodo. Já o playground não dá nem para levar crianças. Fico envergonhado quando emissoras de televisão fazem imagens daqui", afirma.
O convívio é garantido apenas pelos bingos e novenas, realizados periodicamente pelos moradores mais velhos.
Nos corredores, há muitas conversas sobre a síndica, que tem cerca de 80 anos. Segundo os moradores ouvidos pela reportagem, Maria das Graças vence a maioria das eleições por meio de procurações de outros condôminos.
A ata da assembleia de 2020, por exemplo, diz que a atual síndica havia entregue dois pacotes de procuração - o documento não detalhou quantas eram. A reunião aconteceu às 14h de uma quarta-feira de novembro, em um clube próximo ao edifício, e todas as votações, segundo os presentes, foram por ovação.
"Essas procurações são de pessoas que têm muitos apartamentos no edifício. Ela diz ter 300, então nem adianta irmos à reunião de condomínio", diz Telismar Cardoso de Carvalho, 77, morador do JK há 22 anos.
Desde 2013, as reuniões são presididas por Ércio Quaresma, um dos principais criminalistas do estado e ex-advogado do goleiro Bruno Fernandes. Ele afirma que uma comissão eleitoral fiscaliza as procurações. "Se houvesse qualquer impugnação, isso deveria ser feito na hora ou a posteriori através de medida judicial. Se não o fez, reclamar à imprensa qualquer um pode", diz.
Um grupo de oposição à síndica chegou a solicitar na Justiça a anulação da assembleia, mas o pedido foi negado.
A Folha ligou oito vezes para a administração do prédio, tentando agendar uma entrevista com a síndica. Na maioria delas, a reportagem foi orientada a ligar mais tarde ou a enviar e-mails e, na última, um profissional se irritou e desligou o telefone.
O edifício JK foi tombado pela Prefeitura de Belo Horizonte no ano passado. Mesmo assim, a administração municipal e o Ministério Público não podem intervir em assuntos internos do condomínio, segundo Kênio Pereira.
A próxima eleição de síndico deve ocorrer no ano que vem, mas nada indica que Maria das Graças largará o posto. Em uma das raras entrevistas que deu à imprensa, ela disse a um jornal local, em 2016, que o JK é sua vida. "Quando eu encontrar alguém que esteja disposto a fazer o que eu faço por esse lugar, terei um sucessor", afirmou.