Preparada para começar mais um longo dia de trabalho, a faxineira Leila Santana, de 40 anos, esperava, às 7h14 da última sexta-feira (12/5), para conseguir um lugar para sentar em um ônibus da linha 5250 (Betânia/Pampulha). Ela era um dos passageiros que aguardavam na fila da Estação Pampulha, pelo coletivo campeão de reclamações, segundo dados da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans).
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Acostumada com a situação, Leila tirou um leque da bolsa e enquanto se ventilava manualmente para aliviar o calor, em um dia em que a máxima prevista era de 27ºC, listou à reportagem os problemas da linha, que pega todos os dias na ida e volta do trabalho. "Isso aqui é rotina. O percurso tem se tornado mais cansativo do que o trabalho em si", aponta.
De acordo com a BHTrans, a linha 5250 acumula 559 reclamações em um período de 10 meses, sendo as principais por atraso (21%), superlotação (19%) e descumprimento do ponto de embarque (15%). O trajeto total da linha é de cerca de 15 quilômetros, com 47 paradas no caminho. Na altura da Rua Paracatu, onde desembarca Leila, o ônibus já estava lotado.
'Busão' lotado à noite
O itinerário matinal, no entanto, é definido pelos próprios usuários como o trajeto mais tranquilo. O problema mesmo está na volta para casa. "Nunca passa no horário. Já chega cheio. Fico mais de meia hora esperando para depois ficar quase uma hora em pé dentro do ônibus abarrotado de gente. Está cada vez mais desgastante e exaustivo pegar ônibus em BH", reclama uma passageira do 5250 à espera pelo coletivo na noite da última segunda-feira (18/5), na Rua Araguari, entre Avenida Augusto de Lima e a Rua dos Goitacazes.
Com veículos lotados, os motoristas não param para o embarque dos passageiros. Nesse dia, ela esperou por mais de quarenta minutos pelo transporte. "A demora acabou se transformando em rotina", disse quando finalmente embarcou no veículo.
Para a grande maioria dos usuários do transporte público de Belo Horizonte, a volta para casa é sinônimo de ônibus lotado e espera sem fim. Todas as sextas-feiras, a passageira Yara Guimarães, de 53 anos, encerra o trabalho mais cedo, mas fica mais de uma hora esperando pelo ônibus para voltar para casa.
"Fico mofando no ponto de ônibus. Poderia chegar mais cedo em casa, descansar, mas não. Pelo menos, eu pego ele no ponto final e vou sentada", conta com um sorriso amarelo. Ela pega a linha direta do 62, o vice-campeão no ranking de reclamações da BHTrans, e passa quase quatro horas diárias dentro do ônibus, contando o trajeto de ida e volta para o trabalho, na Região Centro-Sul de BH.
Com mais de 15 quilômetros de extensão, a linha 62 corta praticamente toda a cidade saindo da Estação Venda Nova e chegando na Rua Cláudio Manoel, no bairro Funcionários, Região Centro-Sul de BH. A superlotação é o principal alvo das queixas dos usuários do 62, que aparece em segundo lugar no ranking da BHTrans, com 462 reclamações, seguido pelo descumprimento do quadro de horário (22%) e o funcionamento do ar-condicionado (19%).
Ser deixada para trás no ponto também não é novidade para a passageira Claudia de Oliveira, de 43 anos, que pega a linha paradora do Move 62. "Muitas vezes, ele até para, mas já está muito cheio e não dá pra todo mundo que está esperando entrar. Então, a gente tem que deixar ele ir e rezar pro próximo vir mais vazio. Nem lembro a última vez que peguei esse ônibus e consegui sentar. Está sempre lotado", conta.
Problema crônico do transporte público
Das dez linhas mais criticadas de Belo Horizonte, seis são do sistema BRT/Move. A maioria das reclamações está relacionada ao descumprimento do quadro de horário (29%), seguido pelo descumprimento de ponto de embarque (12%), superlotação (10%), comportamento inadequado do motorista (10%) e funcionamento do ar condicionado (7%).
Os passageiros também apontam uma série de problemas que não constam no relatório da BHTrans, como portas com dificuldades de abrir e fechar, cadeiras quebradas, goteiras e ônibus muito barulhentos.
Não bastassem problemas como os constantes atrasos e lotação das linhas de ônibus, quem usa o serviço também precisa esperar pela condução em pé e sem ter onde se esconder do sol. Conforme dados da BHTrans, quase 70% dos pontos de ônibus da capital não possuem abrigos para passageiros. Na capital, há aproximadamente 9.600 pontos de embarque e desembarque de usuários do transporte coletivo, sendo que cerca de 3 mil deles têm abrigos.
Na avaliação do presidente da Associação dos Usuários do Transporte Coletivo em Belo Horizonte e Região Metropolitana (AUTC), Francisco Maciel, a crise no transporte é um problema crônico em Belo Horizonte. Em conversa com a reportagem do Estado de Minas, ele aponta, ainda, um acervo de reclamações preocupantes extraídas com motoristas das linhas, e que não constam no relatório da BHTrans, como ausência de freio em alguns veículos e rodas soltando.
Acidentes expõem precariedade do transporte público
Uma falha no freio de ônibus, inclusive, pode ter sido a causa de um acidente entre um Move metropolitano, da linha 501 (Morro Alto/Centro), e um Move da linha 50 (Estação Pampulha/Centro), que deixou seis pessoas feridas na manhã desta sexta-feira (19/5). O problema foi apontado pela motorista do coletivo aos agentes do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran).
No intervalo de apenas quatro horas, Belo Horizonte e Região Metropolitana registraram quatro acidentes entre ônibus, e com vítimas. Pelo menos 17 pessoas se feriram nas ocorrências. "Infelizmente, as ocorrências de acidentes, inclusive fatais, não têm sido capazes de sensibilizar as autoridades para que elas melhorem o modo de fiscalizar, vistoriar ou mesmo que se aperfeiçoe o sistema", afirma Maciel.
O arquiteto especialista em mobilidade urbana, Sérgio Myssior, diz que é preciso um estudo sobre demandas da população, e também a criação de mais corredores exclusivos para os veículos do transporte público. Ele aponta, ainda, que o descontentamento da população com a qualidade do serviço pode ser ainda maior, já que muitos usuários desistem de oficializar a reclamação.
"Tem pessoas que nem conhecem essa opção de registrar a queixa. E, além disso, nós temos linhas que fazem um trajeto de periferias, com problemas tão graves quanto esses, mas por levarem uma quantidade menor de passageiros proporcionalmente nem chega a entrar em um ranking desses", aponta.
Procurado pela reportagem do Estado de Minas, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) informou que as reclamações são analisadas pela entidade, em conjunto com as empresas, na busca para corrigir falhas e aprimorar condutas no atendimento.
"O Setra-BH esclarece que busca continuamente a melhoria no atendimento de seus passageiros promovendo nas empresas, para condutores e trabalhadores operacionais, treinamentos periódicos de reciclagem com orientações sobre conduta e segurança no trânsito", informou por meio de nota.
As reclamações são recebidas por meio de um número de WhatsApp: (31) 98472-5715. A ação faz parte do acordo assinado entre a Prefeitura de Belo Horizonte, a Câmara Municipal e os representantes das concessionárias de ônibus, e é uma das contrapartidas para o subsídio de mais de R$ 240 milhões.
Veja a lista das dez piores linhas de ônibus de Belo Horizonte:
- 1º lugar: 5250 (Estação Pampulha/Betânia)
- 2º lugar: 62 Estação Venda Nova
- 3º lugar: 823 (Estação São Gabriel/Jardim Vitória)
- 4ºlugar: 806 (Estação São Gabriel/Vista do Sol)
- 5º lugar: 51 (Estação Pampulha/Centro)
- 6º lugar: 825 (Estação São Gabriel/Vitória II)
- 7º lugar: 5107 (Estação Pampulha / Savassi)
- 8º lugar: 808 (Estação São Gabriel/Paulo VI)
- 9º lugar: 6350 (Estação Barreiro)
- 10º lugar: 5201 (Buritis/Centro)