Enviado especial a São José da Barra - O carrinho de mão sustenta um mostruário de verduras e legumes frescos e vai sendo empurrado pelas ruas curtas e apertadas de São José da Barra, no Sul de Minas, enquanto Waldivino Teófilo, de 58 anos, anuncia ofertas pelo megafone com o seu jeito "infalível" de atrair clientes. "Olha o alface. Olha o tomate. Corre freguês, porque está acabando", entoa, a cada esquina, mesmo ainda tendo muitos para vender.
Mas, naquela terça-feira, 9 de maio de 2023, quase ninguém prestava atenção no seu carrinho se desviando dos carros de quarteirão em quarteirão. E foi só quando ele próprio se viu esquivando de caminhões verdes com soldados armados na carroceria, jipes e até blindados, que o homem descobriu o motivo.
"A cidade parou. Ninguém entendeu mais nada. Por que aquele tanto de soldados chegando de repente por todos os lados? Achei que era um ataque, que alguém ia atacar São José da Barra", lembra o ambulante.
Mesmo com o trabalho de divulgação antecipada feito no município pelos militares da Marinha do Brasil, a chegada da Força de Fuzileiros de Esquadra (FFE) para os exercícios da Operação Furnas 2023 espantou muita gente na pequena São José da Barra, de 6.700 habitantes, a 326 quilômetros de Belo Horizonte. A rotina desse recanto pacato à beira do lago da Represa de Furnas mudou completamente, mas o acolhimento típico do interior mineiro logo abraçou os militares nos treinamentos e ações previstos para ocorrer de 9 a 23 de maio.
Mas o susto não era para menos. De repente, 1.500 fuzileiros apareceram pelas ruas com suas fardas e caps verdes, armados e equipados. Quase um quarto da população local e um contingente que se fosse de policiais militares seria suficiente para fazer a segurança de Belo Horizonte e de pontos de tráfego da Grande BH durante os clássicos de futebol envolvendo Atlético e Cruzeiro.
Na Rua Cândido Braga, uma das principais, o movimento se intensificou com a adição de 87 blindados anfíbios, caminhões, caminhonetes, ônibus e outros. Congestionamentos nunca antes vistos entre o ginásio poliesportivo Lázaro dos Reis de Souza, a Prefeitura e a Rodoviária, começaram a ser administrados por militares com cintos-coletes refletores laranjas.
Contingente assustou moradores
Os veículos e fuzileiros logo tomaram quatro espaços para erguer suas bases, no Estádio Municipal Dona Belinha, na área do Aeroporto que se tornou a Base Aérea Expedicionária de Furnas e em outros dois espaços que receberam a codificação HT e Anexo 1. Ao todo, foram montadas 116 barracas de grande porte para acomodar as operações, prover saúde, higiene e servir 4.004 refeições diárias (metade das refeições servidas nos quatro restaurantes populares de Belo Horizonte todos os dias), quatro por militar diariamente.
- Marinha mostra em Furnas todo seu potencial de mobilização; veja fotos
"O pessoal mais antigo assustou mais, porque não acompanham tanto as notícias. Aí se assustam quando escutam os disparos dos treinamentos e os voos de helicópteros (até o dia 15 de maio foram 222 pousos e decolagens) descendo soldados. Teve até quem falou em chamar a polícia e comentou assim: 'uai, eles vieram aqui e já estão brigando, dando tiros uns nos outros'. Mas, no fim, todos já entenderam e tem sido bom para a nossa cidade. É uma novidade boa, porque movimenta as coisas, os comércios", disse o empresário dono de uma construtora, Édson José dos Santos, de 42 anos.
"Quando cheguei das compras que fiz em Passos (cidade próxima, a 35 quilômetros) eu fiquei assustada ao ver tantos soldados para baixo e para cima. Pensei que a gente ia ser atacado, que iam cair bombas na cidade e por isso juntou esse tanto de soldados. Mas agora já me acostumei e me sinto até mais segura de ver que tem tanta gente aqui vigiando São José. Nenhum ladrão vai ser besta de querer roubar aqui", afirma a dona de casa Maria Albertina de Souza, carinhosamente chamada de Dona Maria, de 66 anos. A mulher é vizinha da base no Estádio Municipal Dona Belinha e acompanha da janela o ritmo intenso dos comboios de caminhões transportando os soldados para exercícios nos arredores do lago.
Interação dos fuzileiros com a comunidade
Se os adultos ficaram surpresos, as crianças parecem ter gostado de ver as cenas de movimentos de tropas parecidas com os filmes de ação e de guerra. Algumas delas observam os fuzileiros e em sua ingenuidade demonstram pura admiração. De dentro de um carro, na Avenida 30 de Junho, no fim da tarde da última terça-feira (16/05) um garoto acenou dando tchau para o comboio de caminhões com militares acomodados na carroceria, já trajados com coletes balísticos, capacetes e portando fuzis. De lá, um fuzileiro sério se permitiu um sorriso e devolveu o aceno. Uma interação que se repete nas esquinas, nos comércios, praças e mostram que São José da Barra abraçou a tropa.O município serviu tão bem à FFE que o comando da Marinha já anunciou que o exercício que vinha tomando vulto nos últimos três anos se repetirá duas vezes por ano.
“No Mar de Minas (como alguns se referem ao Lago de Furnas) encontramos espaço para os exercícios com o máximo do nosso potencial. Não é uma área de intenso tráfego aéreo, então gera menos impacto a restrição do espaço aéreo, o próprio fato de termos uma base aérea e cenários ribeirinhos, de rochas e montanhas nos ofertam o adestramento em uma área que carecemos mais para testar toda a nossa mobilização, transportar todo o material, como já fazíamos na Amazônia e no Pantanal, por exemplo", disse o comandante de Operações Navais, almirante de Esquadra Wladmilson Borges de Aguiar, que ao final de sua primeira visita, agradeceu o acolhimento dos mineiros.
“No Mar de Minas (como alguns se referem ao Lago de Furnas) encontramos espaço para os exercícios com o máximo do nosso potencial. Não é uma área de intenso tráfego aéreo, então gera menos impacto a restrição do espaço aéreo, o próprio fato de termos uma base aérea e cenários ribeirinhos, de rochas e montanhas nos ofertam o adestramento em uma área que carecemos mais para testar toda a nossa mobilização, transportar todo o material, como já fazíamos na Amazônia e no Pantanal, por exemplo", disse o comandante de Operações Navais, almirante de Esquadra Wladmilson Borges de Aguiar, que ao final de sua primeira visita, agradeceu o acolhimento dos mineiros.
Mais dinheiro no comércio
A chegada dos fuzileiros navais a São José da Barra trouxe mais do que movimentações intensas e curiosidade para aquela comunidade. Até o dia 15 de maio, os fuzileiros oferecem vários serviços, foram às escolas, se apresentaram com banda e realizaram 49 atendimentos de pediatria, 96 de odontologia, 41 de clínica médica, 111 de barbeiro, 596 de escovação, 49 aplicações de vacinas (39 de influenza e 10 de COVID-19), reunindo nos eventos de divulgação e sobre o ingresso na Marinha 432 adultos e 405 crianças.
"É um evento completo que atendeu a nossa população. Trouxe saúde bucal e movimento para comerciantes. Estamos todos muito satisfeitos. É um treinamento de grande importância e São José da Barra teve essa honra. Podemos ver a felicidade das pessoas, dos alunos nas escolas. Ficamos muito satisfeitos mesmo", disse o prefeito da cidade, Paulo Sérgio Leandro de Oliveira (PSB).
Minimizando o frio
Entre as várias bases dos fuzileiros, um dos estabelecimentos que mais chamou a atenção foi o Restaurante Espetinho Pais e Filhos, onde mais da metade das mesas fica ocupada por militares fardados que se revezam em três turnos para almoço, café da tarde e jantar. Como muitos militares são fluminenses e não estão aclimatados ao frio do Sul de Minas, um dos pratos que mais sai são os caldos."O movimento nesse início de baixa temporada aumentou 30% com os fuzileiros, mas se antes eu vendia 20 caldos em uma noite, agora a gente tem de se desdobrar e vende mais de 100. Os que mais gostaram foram os de mocotó e de vaca atolada. A gente tem de fazer compras para reforçar os pratos e já divulga o cardápio do dia para eles: amanhã vai ter feijoada. Hoje teremos bife à parmegiana. E eles vêm mesmo. São muito educados e simpáticos conosco", disse a proprietária do estabelecimento, Célia Maria de Lima Martins.