Imagens de câmeras de monitoramento mostram o momento em que a vítima entrou na sede da 31ª Companhia da Polícia Militar, no bairro Jardim Bom Clima, onde permaneceu por cerca de 30 minutos antes de sair de lá dentro de uma viatura do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e dar entrada em um hospital da cidade em estado grave, em 22 de março de 2022.
Na peça de acusação, elaborada pelo promotor Hélvio Simões Vidal, da 5ª Promotoria de Justiça de Juiz de Fora, os dois policiais militares da ativa são acusados de abuso de autoridade. Um deles ainda é qualificado por violência contra superior praticada em serviço, que resultou na morte do oficial.
Conforme a promotoria, Manoel Ferreira tentou registrar uma ocorrência, mas apresentou “ligeira alteração verbal”, que, segundo pontua o MP, foi provocada por um dos policiais ao negar o direito da vítima “com indevida valoração do prazo legal para o registro”.
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Indignado, Manoel informou ser militar da reserva, porém se encontrava apenas com a identidade civil e acabou preso por desacato. “Em manifesto abuso de poder e autoridade, (o policial) impôs à vítima a obrigação manifestamente ilícita de exibir identificação militar, sob a ameaça de prisão, o que de fato realizou, com imposição de voz de prisão em flagrante delito”, afirma a promotoria.
Versão do policial aposentado no leito de hospital
Para realizar a prisão ilegal, o policial arremessou Manoel violentamente contra uma parede, narra a denúncia. Enquanto ainda estava no hospital, um dos filhos da vítima gravou em áudio, quatro dias após a internação, a versão do pai sobre o que teria acontecido naquele dia. Nos arquivos aos quais a reportagem teve acesso, Manoel conta que o policial “começou a questionar” o motivo da realização do boletim de ocorrência.
“Aí, ele falou por que eu deixei para o último dia [em decorrência de prazo limite de seis meses previsto na lei]. Ué, eu deixei porque eu quis deixar. Estava raciocinando se valia ou não fazer no último dia. Estava no prazo. Aí, ele veio gritando comigo, e eu falei que era militar. (...). Ele pediu minha identidade de militar. Eu falei que não tinha, mas estava com a identidade civil”, explica a vítima em áudios que foram juntados ao processo.
A partir de então, as agressões começaram, ainda segundo o relato gravado pelo policial no leito de hospital. “Aí, ele me colocou a mão, forçou minha coluna e me atirou contra a parede. Falei que eu tinha problema na coluna, hérnia de disco, mas ele não queria saber”, completa. No sistema intranet da PM, “a veracidade da identidade militar da vítima” foi constatada, pontua o Ministério Público.
Manoel Ferreira morreu em 12 de junho do ano passado, quase três meses depois da internação. Logo, o MP concluiu que o denunciado A.C.S, “possuindo meios, equipamentos e recursos logísticos suficientes para a aferição da qualificação declarada pela vítima”, deu “ordem” para ela “identificar-se como militar e a arremessou, em ação criminosa absurda e violenta”, contra a parede dentro da unidade policial, “produzindo, em consequência da ação dolosa, a morte de Manoel Ferreira”.
Laudo pericial
Um laudo pericial da Polícia Civil revela que a vítima, portadora de diabetes, hipertensão e quatro hérnias de disco, além de ficar paraplégica, teve diagnóstico de trauma raquimedular e lesão medular aguda. O documento aponta que o 1º tenente aposentado foi atingido com “instrumento contundente”. A causa da morte foi uma pneumonia, associada à ventilação mecânica e à internação prolongada.
Vítima acusada de desacato
Ao Estado de Minas, o promotor Hélvio Simões Vidal explica que o 2º Batalhão de Polícia Militar abriu a primeira investigação contra o oficial aposentado. “Ele foi indiciado por desacato a militar em 10 de junho de 2022. Ao morrer dois dias depois, o mesmo batalhão abriu, dia 14, uma nova investigação para apurar as circunstâncias da morte do idoso, qualificando o caso como lesão corporal culposa, o que está errado, pois a vítima já estava morta”, detalha Vidal.
O que diz a Justiça Militar
Procurada pelo EM, a Justiça Militar de Minas Gerais “esclarece que recebeu do Ministério Público a denúncia em desfavor dos referidos policiais militares há pouco mais de três meses, em fevereiro de 2023”.
“O processo está tramitando regularmente, garantindo aos acusados o direito à ampla defesa e ao contraditório”, finaliza.
A reportagem também entrou em contato com a assessoria da Polícia Militar em Juiz de Fora, mas até o fechamento desta publicação não houve retorno. Caso a instituição policial se manifeste, o texto será atualizado.