Os olhos se mantêm atentos ao tirar “arte da pedra”. As mãos, firmes, acompanham o movimento do torno, enquanto as cores se misturam no ritmo da técnica e da criatividade. E tem ainda o ferro incandescente ganhando forma, o barro nas paredes de pau-a-pique e as vidas seguindo na direção nobre de aprendizagem, cultura, conhecimento. Criada para ensinar, abrir horizontes e, principalmente, preservar o patrimônio, a Escola de Ofícios Tradicionais de Mariana, na Região Central de Minas, chega ao terceiro ano fortalecendo sistemas construtivos, saberes e deixando cada vez mais viva a história de Minas.
Alicates, craveiras, pinças, cinzel, talhadeiras e outras ferramentas, umas usadas para peças de corte a quente, outras de corte a frio, encontram-se à disposição da turma do módulo de forjaria, que tem à frente o mestre Sílvio Palmieri. Ele orienta os alunos sobre a produção de dobradiças, aldravas, fechaduras e chaves, uma delas quase do tamanho da palma da mão.
Impossível não ficar admirando a interação entre mestres e aprendizes com idade acima de 18 anos, e diferentes camadas sociais e ocupações. A cada passo, além da forjaria, o visitante vê o entusiasmo nas aulas de alvenaria, carpintaria, cantaria e pintura, atividades de tradição nos mais de 300 anos de Minas Gerais, e com muitos interessados a cada ano letivo da Escola de Ofícios Tradicionais de Mariana (primeira vila, cidade e diocese do estado).
A diretora-executiva da escola, Edinéia Araújo, afirma que o objetivo é viabilizar a preservação do patrimônio, em sua dimensão material e imaterial, por meio da capacitação em técnicas construtivas tradicionais. Dessa forma, atende-se à demanda por mão de obra qualificada para serviços de restauração e construção civil na região e à necessidade de geração de renda para a economia local.
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“A instituição tem um papel inovador e singular, ao incentivar o compartilhamento de um conhecimento e ao gerir atividades pedagógicas em parceria com instituições locais”, complementa o gerente pedagógico, o engenheiro Ney Nolasco. Em funcionamento desde 2019, a instituição já capacitou mais de 300 pessoas nas cinco áreas específicas de qualificação: alvenaria (taipa, adobe e pau a pique), carpintaria (madeira), forjaria (forja artística), cantaria (pedra) e pintura (cal, óleo, estêncil e pátinas). Grande parte dos alunos capacitados trabalha, hoje, em suas próprias oficinas.
Valorização do patrimônio
Diante do bloco maciço de rocha, sob orientação do mestre Rinaldo Urzedo, a acupunturista Drielle Célia Trindade, de 31 anos, mostra o que já aprendeu na aula de cantaria, o ofício de trabalhar a rocha bruta e dar forma, a exemplo de tantos artistas que fizeram história e deixaram sua marca em igrejas, capelas, prédios públicos e monumentos ao ar livre. “Nesse momento, estou acertando a profundidade na pedra. As aulas são fundamentais para valorizarmos ainda mais nosso patrimônio”, observa Drielle.
No módulo de carpintaria, a professora Rita Cancela orienta os alunos sobre encaixe de madeira e acabamentos de telhados, e, de olhos nas orientações, cada um faz sua parte da melhor forma. Mais adiante, na aula de pintura, a restauradora Andresa da Silva Martins, de 39, diz que procura aprimorar seu trabalho, já tendo cursado carpintaria e cantaria, cada módulo com duração de quatro meses, com aulas às terças, quartas e quintas-feiras, das 18h30 às 22h.
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Na aula com o mestre de pintura Alexandre Ricardo Rocha, os alunos trabalham com pigmentos naturais, em tons terrosos, provenientes de minerais, para janelas, portas e paredes. Na noite fria, o cenário remete a outra épocas de Minas, lá dos tempos coloniais, das vilas do interior, parecendo mais gravuras de livros antigos.
Arte de conectar o presente ao futuro
Já no último módulo, com o professor Sérgio Norberto, a turma está preparada para fazer paredes em taipa de pilão, adobe e pau a pique. Como uma casa começa do alicerce, os homens e mulheres interessados nos sistemas construtivos tradicionais chegam a esse módulo com o preparo necessário para trabalhar e preservar o patrimônio.
Na noite fria, o cenário remete a outra épocas de Minas, lá dos tempos coloniais, das vilas do interior, parecendo mais gravuras de livros antigos, com páginas conectadas ao presente e ao futuro.
Neste ano, a instituição aposta também na realização de cursos independentes, além dos sequenciais, com um segundo módulo, que consiste no aprofundamento do conhecimento. No módulo I, o aluno passa a conhecer a profissão e usar as ferramentas, já no módulo II, é o momento onde o aluno fomenta seu desenvolvimento artístico. Em 2023, é oferecido o módulo II para Cantaria e Forjaria. Já a oferta de cursos independentes dentro das áreas de qualificação como pintura e alvenaria torna as capacitações ainda mais inclusivas.
Além das aulas teóricas e práticas sobre os ofícios, os alunos realizam visitas técnicas a obras de conservação e restauro e têm acesso a minicursos e palestras no projeto Conversas Transversais abordando temas do universo da arte-educação e cultura. A Escola de Ofícios Tradicionais de Mariana é uma realização do Instituto Pedra, com patrocínio do Instituto Cultural Vale e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e apoio da Prefeitura de Mariana.
*Os repórteres viajaram a convite do Instituto Cultural Vale