Jornal Estado de Minas

SAÚDE

Minas já tem nove casos de febre maculosa, com duas mortes

Agente de zoonoses de Contagem aplica carrapaticida em cavalo, após surto que levou 23 pessoas à internação em 2019 (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press %u2013 3/6/19)

Quem está pensando em aproveitar as férias para descansar em regiões rurais deve estar atento a alguns cuidados para evitar o contato com carrapatos, que podem causar uma doença grave: a febre maculosa. A morte de um casal pela doença, após viagem ao interior de São Paulo e de Minas Gerais, acende a luz de alerta para o risco de contaminação. Minas Gerais registrou, só neste ano, nove casos de febre maculosa e, desses, dois resultaram em morte, conforme dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). O índice de letalidade, em 22%, mostra o quanto a doença pode ser potencialmente fatal, e demanda atenção da população e do poder público.



Minas Gerais é um estado endêmico para a febre maculosa. Isto significa que a doença é comum no estado e pode ocorrer durante todo o ano. Nos períodos mais secos, entre os meses de abril a outubro, os casos da doença tendem a aumentar, conforme a própria SES. “Sobe por volta de maio, com ápice agora (junho), na transição de estações secas para chuvosas”, aponta o professor especialista em doenças parasitárias Marcelo Bahia. Por isso, as viagens de férias exigem mais atenção, já que as pessoas passam a ter mais contato com áreas onde o parasita pode ser encontrado. Esse inseto não é o carrapato comum, encontrado geralmente em cachorros. A espécie Amblyomma cajennense  costuma ter como hospedeiros cavalos, bois e, especialmente, capivaras. A febre maculosa é transmitida pela picada do carrapato e é causada pela bactéria do gênero Rickettsia. A doença não passa diretamente entre pessoas pelo contato.

O infectologista Leandro Curi alerta que, apesar de ser mais comum em regiões rurais, a doença também está muito presente em áreas urbanas, como é o caso de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Na região do Córrego do Ressaca, tivemos vários surtos a cada dois anos ou menos. A população tem que ficar alerta, e as equipes de saúde mais ainda. Deve ser feito o monitoramento das regiões, capina dos locais e desinfectação dos focos”, aponta. Ele cita o caso de uma família do município, em que 21 pessoas foram internadas e outras duas morreram, em 2019, após fazerem um mutirão para capinar um lote, no Bairro Nacional, na divisa de Contagem com Belo Horizonte. Em 2021, outras duas pessoas morreram em decorrência da febre maculosa na mesma região. Hoje, o bairro, com um total de 288 imóveis, é mapeado e monitorado pela Secretaria Municipal de Saúde.

Segundo o superintendente de Vigilância em Saúde de Contagem, José Renato de Rezende Costa, após os surtos da doença, o município se tornou referência no controle e combate à febre maculosa. “Fruto do que vivemos em 2021 e 2019. Tivemos uma casuística importante nesse período. Com essa experiência, infelizmente ruim, idealizamos uma proposta que, hoje, veio a ser norte para prevenção da febre maculosa inclusive no Ministério da Saúde”, afirma. Neste ano, Contagem não registrou nenhum caso ou morte pela doença. Quatro casos suspeitos ainda seguem em investigação. Na série histórica de 2018 até 2023 foram confirmadas seis mortes, quatro em 2019 e duas em 2021.



O município, segundo Costa, mantém vigilância constante do carrapato em todo o território. As ações também incluem classificação das áreas de risco, medidas de educação em saúde e integração com as outras secretarias e municípios para atuações conjuntas. “Temos mapeado essas áreas que historicamente tiveram algum caso de febre maculosa”, aponta. Os locais também receberam placas indicativas da presença de carrapatos e referências de cuidados que devem ser adotados por quem visita essas áreas. “A partir do mês de abril, até final do mês de agosto e início de setembro, quando se iniciam as chuvas, passamos a fazer banho carrapaticida de 15 em 15 dias nos animais, já que esse período seco é de maior incidência do carrapato”, lista o superintendente de Contagem.

Parques e áreas de mata próximas a córregos, rios e lagos podem ser pontos de risco. “A prevenção é o melhor caminho. O que é interessante para quem vai a áreas de mata, acampa, faz trekking ou até mesmo vai capinar um lote é se proteger, sempre. Então, calça, roupas de manga comprida, evitar a exposição da pele”, sugere o infectologista. Ele também recomenda que, depois de atividades no mato ou com animais do campo, a pessoa confira se não saiu do local com algum carrapato na roupa ou no corpo. “Lembrando que ele tem que ficar várias e várias horas se alimentando daquele sangue para transmitir a bactéria. Então, no caso daquele carrapato que chegou, andou e picou é pouco tempo, não tem transmissão”, afirma Curi.

A primeira morte pela doença em Minas Gerais este ano foi registrada em Manhuaçu, na Zona da Mata mineira. O óbito aconteceu em abril, masa causa da morte só foi confirmada no início de junho. Conforme a Secretaria Municipal de Saúde, o paciente, de 54 anos, tinha comorbidades, como diabetes, hipertensão e cardiopatia. Ele morava no Bairro Nossa Senhora Aparecida, mas relatou ter tido contato com áreas com presença de carrapatos, como o Bairro Ponte da Aldeia e Bom Pastor, ambas próximas a um rio. Quarenta e nove casos de febre maculosa, com seis mortes, já foram confirmados no Brasil neste ano. A Região Sudeste é a que concentra a maioria das contaminações, com 25.





Diagnóstico difícil 

O diagnóstico tardio é um dos fatores que elevam a gravidade da doença, que se manifesta de forma repentina, e com sintomas semelhantes a outras infecções, como febre alta, dor na cabeça e no corpo, falta de apetite e desânimo. “Por ser uma doença endêmica em Minas, já é comum a desconfiança clínica para se pensar em febre maculosa. Mas os pacientes também devem ter o cuidado de mencionar ao médico que estiveram em local de mata ou se perceberem picadas de bichos”, aconselha o também infectologista Dirceu Greco. O quadro se agrava com náuseas e vômitos, diarreia e dor abdominal, dor muscular constante, inchaço e vermelhidão nas palmas das mãos e sola dos pés, gangrena nos dedos e orelhas. Nos casos mais graves, pode haver paralisia, começando nas pernas e subindo até os pulmões, o que pode causar parada respiratória.

A doença tem cura, desde que o tratamento com antibióticos específicos seja administrado nos primeiros dois ou três dias da infecção. De acordo com o Ministério da Saúde, mesmo sem diagnóstico confirmado, o medicamento deve começar a ser aplicado. Atrasos no diagnóstico e, consequentemente, no início do tratamento podem provocar complicações graves, como o comprometimento do sistema nervoso central, dos rins, dos pulmões e das lesões vasculares e levar ao óbito.

Em cinco anos, enfermidade provocou 62 óbitos no estado


Em Minas Gerais, a febre maculosa ocorre em todo o estado, com destaque para as macrorregiões de saúde Centro, Vale do Aço, Leste e Leste do Sul do estado, aponta documento divulgado pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG). De acordo com o documento, elaborado pela Coordenação de Zoonoses e Vigilância de Fatores de Risco Biológicos, entre 2018 e 2022 foram confirmados 190 casos da doença no estado e 62 óbitos, com taxa de letalidade média no período de 33%.



As faixas etárias mais acometidas estão compreendidas entre 41 a 60 anos, com 72 casos confirmados no período de 2018 a 2022; na população infantil (faixa etária até 10 anos), foram registrados 28 casos confirmados.

Embora os casos possam ocorrer durante todo o ano, trata-se de uma doença sazonal. “Verifica-se que a maior frequência de casos é registrada no período de seca, especialmente entre os meses de abril a outubro. Nesse período ocorre a predominância das formas de larva e ninfa do carrapato no ambiente, com formas muito pequenas e de difícil visualização, que tendem a permanecer mais tempo aderidas ao corpo dos indivíduos sem serem percebidas, o que facilita a infecção pela bactéria causadora da doença”, diz o informativo.

Ainda segundo o documento, a SES atua em todo o estado por meio do monitoramento e vigilância de casos humanos suspeitos e confirmados da doença, vigilância ambiental de áreas de risco, divulgação de notas informativas e materiais orientativos/educativos aos municípios e na realização de cursos e treinamentos para profissionais de saúde.