Quase dois meses desde ampliação da vacinação bivalente para a população entre 18 e 59 anos de idade, apenas 14,4% dos moradores de Belo Horizonte nessa faixa etária tomaram o reforço contra a COVID-19. No estado, o número também segue estagnado. A maior cobertura entre os adultos não idosos é 14,3%, verificada na faixa etária de 50 a 59 anos. Entre os idosos, os de 60 a 69 lideram, com 26,14% de cobertura. Com a tendência de aumento de casos de doenças respiratórias no inverno e a baixa adesão da população ao imunizante, as autoridades de saúde esbarram, mais uma vez, em um novo desafio para manter a doença controlada. Especialistas já antecipam lotação das unidades de saúde nos próximos meses por conta de uma escalada nos casos de doenças respiratórias, muito comuns nesta época, a mais fria do ano.
A bivalente ainda apresenta ritmo lento e baixa adesão entre os idosos. A cobertura é de 48,5% para o público acima dos 60 anos, elegível desde março em Belo Horizonte. Em 10 de maio, conforme o boletim da prefeitura, o índice estava em 41,9%, o que aponta um crescimento de pouco mais de 6 pontos percentuais ou 15,75% no intervalo de um mês. Mesmo com o público ampliado, desde de maio deste ano, o complemento está muito aquém do esperado: mais de 1,7 milhão de pessoas na faixa etária entre 18 e 59 anos ainda não concluíram o ciclo de vacinação em BH. As aplicações também não decolaram em Minas Gerais. De acordo com o painel do vacinômetro, da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), boa parte dos idosos não tomaram a dose. Para a população de 80 anos ou mais, a cobertura ainda está em 9,46%; 70 a 79 anos, em 19,04%; e para o grupo de 60 a 69 anos, 26,14%. No estado, já foram aplicadas 2.400.387 doses da vacina.
As bivalentes podem ser consideradas uma segunda geração da vacina, ou seja, têm em sua composição a cepa original do vírus e as subvariantes. Em Minas, a Secretaria de Estado pretende incluir a vacina contra a COVID-19 no calendário anual de vacinação. “A primeira vacina perdeu a eficácia em relação às novas variantes. A ideia é que a cada ano a vacina vá sofrendo ajustes, como acontece com o imunizante da gripe, para que a gente mantenha uma boa proteção e a doença não volte como em 2020 e 2021”, afirma o infectologista Alexandre Sampaio, professor da Faculdade Santa Casa BH. A resistência dos jovens ao reforço, como visto nos baixos níveis de vacinação da bivalente, também expõe os mais vulneráveis às consequências graves da doença. A infecção natural associada à vacinação gera uma proteção de aproximadamente seis meses, mas, ainda assim, a queda é progressiva. Esse é um cenário muito ruim, uma vez que a incidência da doença caiu, mas o vírus continua circulando e de uma forma impactante, principalmente para pessoas mais vulneráveis”, completa o infectologista Carlos Starling, ex-integrante do extinto Comitê de Enfrentamento à COVID de Belo Horizonte.
PONTO DE VIRADA
A vacinação marcou um ponto de virada na luta contra a COVID-19. O infectologista da Santa Casa BH, lembra que somente após a aplicação das doses as mortes diminuíram e os casos se tornaram menos graves. “A gente costuma dizer que a vacina acaba sendo vítima dela mesma. Quando as pessoas não veem mais aquela doença, e não veem exatamente porque a vacina funcionou e protegeu, as pessoas começam a baixar a guarda e a cobertura vai caindo até que a gente tenha um novo surto da doença”, avalia. Especialistas alertam, ainda, para uma queda generalizada nas taxas de vacinação, ameaçando o retorno de doenças já erradicadas no país, como o sarampo e a poliomielite. “Problema extremamente grave, uma vez que a vacinação, assim como o saneamento básico, corresponde a uma das principais medidas de saúde pública contra doenças infecciosas”, afirma Starling.
Especialistas apontam uma falha generalizada na promoção da educação em saúde no país. Na avaliação deles, fake news e falta de campanhas de incentivo à vacinação estão entre os fatores que mais pesam na baixa adesão às vacinas, não apenas da COVID. “Precisamos de campanhas criativas, bem-feitas, como já houve no passado com a criação do Zé Gotinha, por exemplo. Hoje, temos inúmeros recursos para fazer isso, mas não estamos fazendo de forma eficaz”, diz Starling. Com a circulação de novas variantes e a queda progressiva da proteção pela baixa procura à vacina, a população fica vulnerável e exposta ao risco de uma nova onda da doença. “O número de casos pode aumentar e termos novamente aquela pressão sobre o sistema de saúde, que foi extremamente grave e parece que as pessoas teimam em esquecer”, enfatiza o integrante do extinto Comitê de Enfrentamento á COVID de Belo Horizonte.
A subnotificação de casos persiste em BH, segundo especialistas, e a tendência de aumento de viroses e resfriados no inverno pode mascarar os casos de COVID-19. Na avaliação de Sampaio, esse cenário prejudica a antecipação de ações pelo poder público e pode dificultar o entendimento do padrão de vírus em circulação na cidade. “A testagem não está sendo feita na intensidade que era antes. Hoje os casos de COVID estão subnotificados. Os números reais estão ficando cada vez mais difíceis de entender”, afirma.
A Secretária Municipal de Saúde informou que as unidades de saúde da capital já apresentam uma procura maior por atendimento. Só no intervalo de maio a abril, houve um aumento de 52,2% nos atendimentos de sintomas gripais. Até 12 de junho, BH teve 12.158 registros relacionados a quadros clínicos caracterizados por febre, tosse ou desconforto respiratório. Os números, referentes a residentes e não residentes da capital, representam 24% das consultas no mês anterior, e a tendência é que os casos aumentem. Até o momento, foram 4.209.719 casos confirmados de COVID-19 em Minas Gerais, segundo dados da SES-MG. Questionada pela reportagem, a pasta não detalhou o período de confirmação dos testes positivos e o número de casos em investigação.
MENORES DE 18
Belo Horizonte registra dificuldade em completar os ciclos recomendados em todas as faixas etárias. O maior déficit está entre o público infantil. O ritmo da vacinação se reduziu após alcançar dois terços do público (68%) com a segunda dose da proteção contra a COVID-19. No início de abril, o índice era de 66,7%. O público estimado para receber a imunização é de 193.192. O cenário é ainda mais preocupante entre as crianças de 3 e 4 anos. Apenas 45,4% tomaram a primeira dose e, mesmo se levado em conta o intervalo entre as doses, que, no caso da Pfizer pediátrica é de oito semanas, o retorno para a segunda dose ainda está muito aquém do esperado: 25,2% das crianças voltaram para receber o imunizante.
Entre os jovens, o gargalo está na primeira dose do reforço. A maioria dos moradores não voltou depois de 30 dias para receber a segunda dose. A cobertura com este reforço é de somente 41,1% entre os belo-horizontinos de 12 anos ou mais. Enquanto isso, dados do Vacinômetro mostram que apenas 26,67% dos mineiros tomaram a segunda dose de reforço (equivalente à quarta dose). Na primeira dose de reforço (terceira vacina), apenas dois terços da população (65,2%) receberam o complemento. “A ampliação de acesso é uma estratégia importante que aumenta a chance de as pessoas aderirem à recomendação. Tentar reduzir filas ampliando horário de acesso, abrindo postos de saúde no fim de semana”, disse o infectologista da Santa Casa.
A Prefeitura de BH informa que continua com a campanha de repescagem para todos os públicos já convocados na capital, de segunda a sexta-feira, em todos os centros de saúde e postos extras da capital. Os locais de vacinação devem ser conferidos no site da prefeitura. O Executivo municipal ressalta a abertura de alguns postos de saúde no fim de semana para vacinação. “O objetivo é ampliar o acesso da população aos imunizantes e aumentar a cobertura vacinal”, informou por meio de nota. Os endereços dos pontos de vancinação podem ser consultados no site prefeitura.pbh.gov.br.