Com as mãos para trás em gesto de fé e humildade, Pedro Eduardo da Silva Santos, de 24 anos, candombeiro de nascença, cumpre promessa de passar pela terceira vez durante três anos pela brasa escaldante da fogueira, no ápice do ritual em homenagem ao dia de São João Batista celebrado neste sábado (24), na comunidade do Mato do Tição, em Jaboticatubas, região metropolitana de Belo Horizonte. Neste ano, o Jornal Estado de Minas flagrou pelo menos quatro fiéis atravessando as brasas, em ritual que mistura as origens afrodescentes e católicas.
Toda a celebração é preparada com semanas de antecedência e após todo o ritual tem forró, mas na última quarta-feira (21), a passagem de dona Divina Siqueira, matriarca do quilombo, fez com que somente as tradições de fé fossem mantidas em respeito ao luto, mas preservando a ancestralidade. “Agora ela é uma ancestral e, tenho certeza, faria questão de continuarmos seu legado”, conta Silvio Siqueira, de 87, o mestre Badu, irmão de dona Divina. Ele agora é o patriarca do Quilombo.
Já Lindomar Joao dos Santos, de 49, sobrinho de dona Divina e um dos candombeiros do Mato do Tição, se disse feliz com o ritual de passagem em todos os sentidos. “No começo, foi difícil a falta dela na preparação da festa, mas depois que eu vi pessoas jovens e que souberam trazer energias boas parecidas com as de dona Divina dizendo que iriam participar, ficou clara sua presença e o sentido de realizar. Isso deu forças neste momento para superar a ausência física”, conta.
Ritual e travessia na brasa
O ritual começa com a construção comunitária de uma enorme fogueira acesa no final da tarde, quando acontece a reza do terço, ladainha e cânticos de louvor a São João Batista. Do altar em homenagem ao santo, os devotos saem com a bandeira no mastro em pequena procissão. Com a bandeira hasteada é hora de fazer os pedidos e agradecimentos.
É neste momento que se inicia o Candombe de Boiadeira (com “a” mesmo), “onde o tirante, candombeiro ou capitão inicia o cântico e a reposta vem em até 6 vozes”, explica Lindomar. Em seguida, há o recolhimento da brasa e, durante meia hora, à partir da meia noite as brasas são espalhadas pelo chão de terra formando um incandescente tapete por onde os fiéis caminham.
“Não é coragem. Eu não tenho coragem de fazer isto, é a fé mesmo! Em Nossa Senhora do Rosário e a na sabedoria dos nossos ancestrais passadas pelas nossas famílias e que, por isto, não vai morrer nunca!”, frisa Pedro Eduardo da Silva Santos, 24, nascido e criado na comunidade do Açude, vizinha do Mato do Tição.
Ele acaba de cumprir a promessa de passar pela terceira vez em três anos pela brasa da fogueira sagrada de São João. Interrompida pela pandemia, foi em 2023 que conseguiu finalizar a penitência. “O que entendi desse ritual de passagem é que, dependendo de sua fé no ano, você machuca os pés. Em 2019 e hoje, eu não tive nada, mas ano passado eu queimei muito, pois a fé estava mais abalada. É a firmeza da fé que faz você atravessar”, confessa.