Jornal Estado de Minas

SINAL DE ALERTA

Mortes silenciosas: o perigo dos gases tóxicos no inverno


O que era para ser o registro de uma viagem romântica em uma pousada de Monte Verde, distrito de Camanducaia, no Sul de Minas, acabou em tragédia para o casal Walther Reis Cleto Junior, de 51 anos, e a esposa Alessandra Aparecida Campos Reis Cleto, de 49, encontrado morto no sábado. Familiares levantaram a suspeita de intoxicação pela fumaça de uma lareira existente no quarto. Apesar de a hipótese ainda não ter sido confirmada pela Polícia Civil, o caso liga o alerta para os riscos de se manter chamas acesas em locais fechados. Durante o inverno, lareiras em pousadas e hotéis de regiões com baixas temperaturas são atrativos turísticos para os amantes do frio, mas o aconchego também exige cuidados. Esse, no entanto, não seria o primeiro registro de pessoas que morrem por asfixia acidental por gases e vapores em Minas Gerais, terceiro estado no ranking de ocorrências do tipo nos últimos 10 anos, segundo levantamento feito pelo Estado de Minas no Datasus, ferramenta do Ministério da Saúde.



Walther e Alessandra eram moradores de São José dos Campos, em São Paulo. Eles se hospedaram no Chalé Aroma de Jasmim, no distrito de Monte Verde, na tarde de sexta-feira (23/6) e passariam o fim de semana no local. O casal foi visto com vida às 18h do mesmo dia, quando recebeu um saco com lenha para a lareira do chalé. O proprietário do estabelecimento relatou à Polícia Militar ter percebido que a bomba d’água do banheiro do quarto do casal seguia ligada após muito tempo. Ele tentou bater na porta e ligar para o casal. Sem resposta, decidiu usar uma chave reserva para entrar no quarto, onde se deparou com Walther e Alessandra caídos no chão.

O caso está sendo investigado pela Polícia Civil de Minas Gerais. A perícia esteve no local e encontrou os corpos das vítimas, a princípio sem sinais de violência. Eles foram encaminhados ao Posto Médico -Legal (PML), em Pouso Alegre. “Os laudos periciais podem ser concluídos em até 30 dias, podendo ser prorrogado a depender de sua complexidade”, informou a Polícia Civil por meio de nota.

A Prefeitura de Camanducaia, onde está localizado o distrito de Monte Verde, confirmou ontem a falta de alvará de funcionamento da pousada Chalé Aroma de Jasmim. O local, que opera como casa de aluguel, não segue as diretrizes de uma hospedagem regular, como necessidade de laudo do Corpo de Bombeiros. À reportagem do Estado de Minas, os militares disseram que a classificação da pousada dispensa a vistoria prévia da corporação. “Considerando o levantamento interno sobre as características da edificação, em tese, a pousada Aroma de Jasmim poderia ser classificada como Risco I. Isso significa que o empreendimento seria dispensado de licenciamento, restando apenas a instalação das medidas básicas, sem a exigência de vistoria prévia pelo Corpo de Bombeiros, conforme a legislação de incêndio e pânico para edificações com menos de 200m² de área construída”, informou por meio de nota.



Ainda de acordo com a Prefeitura de Camanducaia, Monte Verde tem mais de 7 mil acomodações. “Cerca de 95% delas têm lareira e sistema de aquecimento, e nunca houve nenhum caso do tipo”, disse, por meio de nota. Questionado pela reportagem, o Executivo municipal não detalhou se tem um balanço das hospedagens que contam com alarmes de fumaça e monóxido de carbono (CO). Segundo a Agência de Desenvolvimento de Monte Verde (Move), o estabelecimento não está cadastrado na lista de hospedagens oficiais do distrito. A entidade destaca que a atividade não é irregular e se encaixa na Lei do Inquilinato, mas reforça a importância de se escolher acomodações cadastradas nos órgãos reguladores. “As casas de aluguel não possuem nenhuma dessas exigências, não existindo fiscalização ou regulamentação, que garantem a segurança dos hóspedes”, disse por meio de nota.

Apesar de as causas da morte ainda não terem sido divulgadas pelas autoridades, a filha do casal, identificada em redes sociais como Bruna Crcc, disse que os pais morreram em decorrência de intoxicação por monóxido de carbono (CO), gás tóxico liberado na queima de combustíveis como a madeira, provavelmente provocada pela lareira existente no quarto. “Entendo a preocupação de todo mundo, mas não tenho emocional para falar mais sobre isso. Foi uma fatalidade. Deus quis assim. Não é fácil”, declarou Bruna em vídeo publicado no domingo (25/6) por meio da função Stories no Instagram. O monóxido de carbono não tem cheiro nem gosto, mas é letal. Segundo especialistas, quando a quantidade de toxinas no sangue aumenta, a pessoa perde a consciência, o que pode levá-la à morte, já que continuará respirando incessantemente o gás. A reportagem não conseguiu contato com o responsável pelo Chalé Aroma de Jasmim. O espaço segue aberto para manifestações.

OUTROS CASOS Se confirmado, no entanto, esse não será o primeiro caso de casais que morrem por inalação de gases tóxicos. Em 2011, Gustavo Lage Caldeira, de 23, e Alessandra Paolinelli, de 22, morreram de asfixia por CO, na Estalagem do Mirante, em Brumadinho, quando se hospedavam em um dos chalés para comemorar um ano de namoro. O escape irregular do gás, que vazou do sistema de aquecimento a gás da hidromassagem, ocorreu devido a mudanças feitas no sistema de aquecimento por um bombeiro hidráulico autônomo, sem contratação de um profissional especializado ou elaboração de projeto técnico, de acordo com o laudo da Polícia Civil.



Quase 12 anos depois, a pousada foi condenada pela Justiça a pagar uma indenização de R$ 200 mil aos familiares dos jovens. No ano passado, marido e mulher morreram asfixiados na cidade de Nova Ponte, no Triângulo Mineiro, depois de usar uma churrasqueira ainda em brasa, dentro do quarto para se aquecerem durante a noite de sono. O casal foi encontrado morto pela filha de 14 anos. Os filhos também tinham brasas em seu quarto e sentiram efeitos de intoxicação.

Em 10 anos, o Brasil teve 374 mortes de intoxicação acidental por gases e vapores. Dessas, 41 ocorreram em Minas Gerais, que é o terceiro maior estado em quantidade de registros, ficando atrás de São Paulo (94) e Rio de Janeiro (44). O levantamento foi feito pelo Estado de Minas por meio do Datasus, ferramenta do Ministério da Saúde. Os óbitos catalogados pelo órgão incluem, além do monóxido de carbono, diversos gases e vapores, como óxidos de nitrogênio e dióxido de enxofre.

No caso das lareiras, a segurança começa no projeto, conforme alertam especialistas, para que a canalização da fumaça seja corretamente executada. “É preciso um profissional especializado para a realização da obra”, adianta o engenheiro Célio Guedes. Como a lareira tradicional utiliza muito ar de combustão, é recomendado que se coloque uma grelha de ventilação em uma parede exterior próxima à lareira, a fim de evitar que o oxigênio da sala se esgote. Já a chaminé, não deve ser nem muito alta para os gases não esfriarem no meio do caminho e descerem, nem muito estreita para que a exaustão não seja excessivamente rápida. A chaminé deve ficar de 0,5 a 1 metro acima do nível da cumeeira mais alta da cobertura da edificação.



Lareira do chalé: hóspedes receberam lenha às 18h de sexta-feira, última vez que foram vistos com vida (foto: Divulgação)

Entenda como o monóxido de carbono age no corpo


Ellen Cristie

Embora ainda esteja em investigação, a morte de um casal em um quarto de pousada no distrito de Monte Verde, em Camanducaia, onde havia uma lareira acessa, alerta para os riscos de inalação de monóxido de carbono e o uso correto de lareiras, aquecedores, caldeirões ou outras situações, como o motor do carro funcionando em um ambiente fechado, como na garagem. De acordo com a pneumologista Michelle Andreata, da Saúde no Lar, o monóxido de carbono tem uma afinidade muito maior com a molécula de hemoglobina se comparado ao gás carbônico que liberamos em nossas células. “A ligação do gás monóxido de carbono é feita em 80% a 90% das moléculas de hemoglobina, fazendo com que a concentração desse gás seja muito maior do que a concentração de oxigênio. Isso leva à hipóxia (ausência de oxigênio suficiente nos tecidos para manter as funções corporais) e depois à morte”, explica. Se a pessoa perceber que está perdendo o ar (fôlego), é importante levá-la ao hospital mais próximo imediatamente. “A dica é sair do ambiente fechado onde o gás está sendo liberado para que se possa respirar ar puro, além de arejar o ambiente onde está ocorrendo a emissão do gás.”Especialmente com a chegada do inverno, as pessoas, em vez de deixarem o ar circular, acabam fazendo uso desse tipo de recurso para se manterem aquecidas. Por isso, a maior incidência de óbitos. “Além de lareiras, que liberam monóxido de carbono quando existe a queima de combustíveis como a madeira, a lareira a gás, chuveiros a gás, aquecedores, caldeiras e até mesmo fogões podem fazer com que aconteça a emissão.” Entre os sintomas da intoxicação, estão: dor de cabeça, náuseas, mal-estar e vômito, inicialmente. “À medida que a inalação fica maior, o indivíduo perde a consciência”, acrescenta a especialista.

Como medida de prevenção, ela sugere que os estabelecimentos façam manutenções constantes nos aparelhos, limpeza e higienização da lareira e também da chaminé. “E, de preferência, ter dentro do hotel e/ou pousada, pessoas que saibam utilizá-los e manuseá-los, ensinando o passo a passo para os hóspedes.”