Uma antiga tradição, que teria surgido na Idade Média, será resgatada em Montes Claros nesta segunda-feira (03/07). Trata-se da Cavalhada de Montes Claros, uma representação teatral ao ar livre, que acontecerá no Parque de Exposições João Alencar Athayde, às 10 horas, dentro da programação da Exposição Agropecuária Regional de Montes Claros (Expomontes).
Com entrada gratuita, a cavalhada será um dos eventos comemorativos do aniversário da cidade. A tradição será resgatada depois de 66 anos, pois foi realizada pela última vez no município em 1957, quando foi comemorado o “Centenário da Cidade”, que teve um dos convidados ilustres o então presidente da República Juscelino Kubitscheck .
A comemoraçao do "Aniversário da Cidade" envolve polêmica neste 3 de julho, já que um grupo afirma que a data foi "inventada" e que o dia da emancipação político-administrativa do município é 16 de outubro.
A cavalhada é uma representação de uma luta entre mouros e cristãos, com duração de cerca uma hora. A encenação ao livre contará com a participação de cerca de 40 cavaleiros do Norte de Minas.
O resgate da tradição foi viabilizado por meio de um estudo da escritora e pesquisadora Marta Verônica Vasconcelos Leite, professora aposentada da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), instituição que apoia o evento, juntamente com a Prefeitura de Montes Claros. Marta Veronica realizou a “pesquisa histórica sobre a cavalhada de Montes Claros”.
Após o levantamento foi elaborado o projeto “Cavalhada de Montes Claros – Grupo de Cavaleiros Nivaldo Maciel”. A iniciativa é da família Maciel, em homenagem ao produtor rural e seresteiro Nivaldo Maciel (1920/2009), que se apresentou como Rei Mouro na cavalhada do Centenário da Cidade, em 1957. Nivaldo foi um dos fundadores da Sociedade Rural de Montes Claros, organizadora da Expomontes.
Marta Verônica Vasconcelos Leite explica que a montagem da “cavalhada Nivaldo Maciel” teve como uma das fontes de pesquisa o livro “Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes”, do médico, historiador e folclorista Hermes de Paula (1909/1983. Ela ressalta que na obra, o historiador registra como a primeira realização da calhada em Montes Claros há 183 anos, em 1840, sendo que a manifestação acontecia durante as “Festas de Agosto”, no Largo da Matriz.
Conforme a pesquisadora, há registros da manifestação em Montes Clarosa nos anos de 1905, 1928, 1938 e, por último, na comemoração do centenário da cidade.
Marta Verônica salienta que o folclorista Saul Martins (1917/2009), relatou que as “cavalhadas foram criadas na Idade Média, entre os séculos XI e XIII, baseando na vida do Imperador Carlos Magno (742-814)".
“Sabe-se que durante a Idade Média, os bardos da Europa Ocidental criaram estórias que produziam a vida da época e serviam de modelo para o comportamento dos cavaleiros cristãos. Essas estórias eram apresentadas em festividades realizadas em torneios, fazendo parte das práticas em voga nas cortes europeias”, escreveu Martins.
Por sua vez, segundo Hermes de Paula, a Cavalhada representa um episódio guerreiro entre mouros e cristãos, ocorrido na Península Ibérica, hoje Portugal e Espanha. A Cavalhada foi trazida para o Brasil pelos colonizadores portugueses.
“Em Portugal, a cavalhada era elemento de festas religiosas, políticas e guerreiras, envolvendo temas relativos ao período em que esse país se libertou do domínio espanhol. No Brasil, as cavalhadas apareceram no nordeste, no século XVII, com características portuguesas e se espalharam por todo o país. Participam, no Brasil, pessoas de maiores possibilidades econômicas, como os fazendeiros, pois a beleza da festa está ligada a riqueza das vestimentas e acessórios usados nos cavalos”, descreve Marta Verônica.
Como é o espetáculo da cavalhada
A apresentação da cavalhada é realizada em uma arena, onde, de um lado é colocado o trono do Rei Cristão e do outro a torre do Rei dos Mouros. A manifestação teatral é composta pelo rei e cavaleiros cristãos, vestidos em azul, e pelo Rei e cavaleiros mouros, vestidos em vermelho.
Também faz parte da Cavalhada o Rei Mouro, Embaixador, Espique e cavaleiros, todos com vestimentas em vermelho, com lua crescente branca – símbolo do Império Otomano, na era medieval.
O jovem e impetuoso Rei Mouro se apaixona pela Princesa Cristã e vai pedi-la em casamento, que é aceito sob condições do pretendente de ser batizado e se converter para o Cristianismo.
O rei mouro não aceita e rapta a princesa e a leva para o seu reino. Os dois reinos entram em guerra e, na última batalha, o rei mouro se rende e se submete ao rei cristão, quando é feita a conversão do exército mouro e celebrado o casamento do rei com a princesa.
Mas, na “Cavalhada Nivaldo Maciel” foram incluídos novos elementos, que tornam a encenação única', como de explica Murilo Maciel, filho do Nivaldo Maciel e um dos responsáveis pela montagem da encenação teatral dos cavaleiros.
“Foi incluída uma abertura cívica, para celebrar o Aniversário da Cidade e apresentar um resumo da história do surgimento de Montes Claros, e só então é encenado o enredo tradicional. E, ao final, também foi inserido mais um personagem, que é o Cavaleiro da Paz, vestido de branco, que circula pela arena fazendo um clamor pela paz, num belíssimo texto de autoria do jornalista Benedito Said”, explica Murilo Maciel.
“Outra novidade”, segundo ele, é o encerramento da Cavalhada, que contará com a participação de membros de movimentos culturais da cidade, como os Catopês, Marujos e Caboclinhos, formando um grande cortejo, “simbolizando a reincorporação da Cavalhada à cultura de Montes Claros e, também, ressaltando a cultura como um único corpo”.
Documentação em livro
Numa segunda fase do projeto “ Cavalhada de Montes Claros – Grupo de Cavaleiros Nivaldo Maciel”, informa Murilo, será preparado um material gráfico, com encartes e livros, contando a história de Montes Claros, tendo a Cavalhada como parte dessa história.
“Esse material será disponibilizado para escolas e bibliotecas, para que as novas gerações conheçam a história da nossa cidade. Vamos fazer isso em parceria com a Secretaria Municipal de Educação e o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. E todos o material de pesquisa reunido nesse projeto ficará disponível no Museu Regional do Norte de Minas, como fonte de pesquisa”, revela.
Polêmica sobre data do aniversário da cidade
Montes Claros comemora o “Aniversário da Cidade” nesta segunda-feira, 3 de julho, feriado municipal, considerando que foi levada à condição de município em 1857, há 166 anos. Mas, na verdade, emancipação da cidade ocorreu em outra data, em 16 de outubro de 1832, apontam os registros históricos.
A polêmica sobre a data de emancipação político-administrativa do município é objeto de um estudo do professor Laurindo Mékie Pereira, do departamento de História da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), juntamente com os professores Thiago Pereira e Francisco Rocha, da mesma instituição.
No estudo, com base em documentos históricos, eles concluíram que em 13 de outubro de 1831, foi publicado o decreto do Império que emancipou o então Arraial das Formigas, elevando-o à Vila de Montes Claros das Formigas, o que, à época, significava a emancipação político-administrativa da localidade, que pertencia ao Serro Frio (atual Serro). Mas somente em 16 de outubro de 1832 foi implantado o município.
No entanto, 25 anos depois, chegaria a data que viria a provocar a polêmica sobre o aniversário da cidade: 3 de julho de 1857, quando Montes Claros obteve o Título de Cidade.
O professor Laurindo Mékie explica que, em 3 de julho de 1957, aconteceu uma nova comemoração de centenário alusiva aos 100 anos da obtenção do “Título de Cidade”. A festa foi propositalmente criada pelas lideranças da época, a partir da idealização do médico, escritor, folclorista e político Hermes de Paula.
Segundo ele, a comemoraçaão do centenário em 3 de julho foi "uma data inventada". “Era algo para se aliar ao momento desenvolvimentista que o Brasil vivia com o Governo Juscelino Kubistcheck que, aliás, foi uma das ilustres presenças nas comemorações deste segundo centenário”, explica Mékie.
Na “Festa do Centenário” de 3 de julho de 1957, houve inaugurações de obras importantes da cidade como o Parque de Exposições da cidade e o Colégio São José. Além do presidente JK, o município recebeu o governador do estado época (Chrispim Jacques Bias Fortes) e o escritor montes-clarense Cyro dos Anjos, imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), que era o então subchefe na Casa Civil da Presidência da República.
Desde então, explicam os pesquisadores, virou uma tradição no município: celebrar o três de julho como o aniversário de Montes Claros. No entanto, o ano da verdadeira de implantação do município é 1832. Desta forma, em 16 de outubro próximo o município vai completar 191 anos de emancipação político-administradores, sustentam os historiadores.
Montes Claros, atualmente, é a quinta maior cidade de Minas Gerais, com 414.240 mil habitantes, segundo os dados do Censo 2022, divulgados quarta-feira (28/06). O município apresenta crescimento econômico, recebendo importantes empreendimentos, como as plantas farmacêuticas da Eurofarma, Cristália, Hipolabor e da multinacional Novo Nordisk (em processo de ampliação), além de sediar outras grandes indústrias como a Nestlê, Café Três Corações, Coteminas, usina de biodiesel da Petrobras, Alpargatas, MSD Saúde Animal e a Fábrica Cimento CSN (antiga Cimento Montes Claros).
A cidade também se destaca com o polo universitário, sediando a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), o Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) e um campus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).