Jornal Estado de Minas

FOGO E MEDO

Incêndio em galpão acende alerta sobre segurança de imóveis em BH

O incêndio de grandes proporções num galpão no Bairro Cachoeirinha, na Região Noroeste de Belo Horizonte, acende um alerta sobre o descumprimento de medidas de segurança exigidas dos empreendimentos. Somente o laudo pericial da Polícia Civil poderá determinar o que provocou as chamas, que começaram na noite de terça-feira, destruíram o imóvel, ameaçaram residências vizinhas, atingiram a rede elétrica e ainda davam trabalho na noite de ontem, mas investigações preliminares do Corpo de Bombeiros constataram que o estabelecimento não tem Auto de Vistoria (AVCB), documento emitido pela própria corporação e que certifica o cumprimento das normas de prevenção de incêndios. A informação foi confirmada pelo major Leonardo Nunes.





Depois de quase 24 horas de trabalho, equipes dos bombeiros continuavam atuando no início de ontem no combate ao incêndio, que começou por volta das 23h de terça em um galpão na Rua Castro Morais. Às 22h, os militares ainda cuidavam do rescaldo e de pequenos focos espalhados pelo espaço. De acordo com a corporação, no galpão havia uma grande quantidade de materiais combustíveis, como pallets de madeira, que, além de queimarem na superfície, também armazenaram bastante calor. Por isso, a ocorrência seguia em andamento, sem previsão de término. “Os militares continuam resfriando e monitorando toda a área e eliminando os pontos de calor que, ao receber o oxigênio, ainda apresentam chamas vivas”, informaram os bombeiros.

A Defesa Civil de Belo Horizonte também esteve no endereço. Conforme a última atualização do órgão, 12 imóveis vizinhos ao galpão foram vistoriados e em 11 os proprietários foram notificados a manterem isolamento preventivo devido ao risco de queda de parede do galpão. “Aguardando o fim do combate ao fogo e rescaldo para vistoria no interior do imóvel”, explicaram.
Desde a noite de terça, a fumaça e as chamas podiam ser vistas de longe. O imóvel é de uma empresa de montagem e manutenção de equipamentos para eventos, com armazenamento de material inflável, como madeira, plástico e isopor. As chamas e fumaça assustaram a vizinhança. Laura de Araújo Carvalho mora na casa ao lado do galpão e passou a noite em claro. “Minha casa foi totalmente interditada. Estou na rua desde ontem (terça) à noite esperando alguma ajuda. Estou na rua, sem nada”, narrou.





Laura de Carvalho e a família passaram a noite em claro, na rua, depois de sua casa ter sido preventivamente interditada (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

EVACUAÇÃO

O galpão que pegou fogo pertence à Dimensão Eventos, que trabalha com produção e montagem de festas e não quis se pronunciar sobre o incêndio. Os bombeiros foram acionados pelos vizinhos quando o alarme do galpão que armazenava produtos inflamáveis, como madeira, plástico e isopor, disparou. O fogo se propagou e casas foram evacuadas. Uma delas teve um cômodo e o muro afetados.

Os bombeiros contiveram as chamas, impedindo que se alastrassem para outras casas. A Defesa Civil chegou ao local por volta das 2h, para vistoriar os imóveis vizinhos ao sinistro. Doze edifícios ao redor do local de incêndio foram vistoriados. Em 11 deles, os responsáveis foram notificado a manter o isolamento preventivo junto à divisa por risco de queda da parede do galpão.

Uma das casas liberadas ainda na manhã de ontem é a residência de Liliane, que mora com o marido, Rodrigo, e o filho e se abrigou durante a noite em um carro. Eram 8h, quando Liliane saiu do veículo.  “Eu estava dormindo, quando meu marido me chamou. Ele tirou o carro da garagem. Viemos para a esquina, onde passamos a noite. Estou com o corpo todo doendo”, contou. Já Laura de Araújo Carvalho, que mora na casa ao lado do galpão, passou a noite em claro. “Minha casa foi totalmente interditada. Estou na rua desde ontem à noite esperando alguma ajuda. Estou na rua, sem nada”, relatou.



As chamas começaram a ser controladas somente pela manhã, a partir das 9h, mas o rescaldo se estendeu por todo o dia. As equipes solicitaram apoio ao COP BH para a disponibilização de uma retroescavadeira para revirar o material e identificar os possíveis focos ainda ativos que pudessem ocasionar um novo incêndio e para que a equipes de perícia, da Defesa Civil e de seguradora pudessem entrar.

*Estagiária sob supervisão da sub editora Rachel Botelho

Fiscalização detecta descumprimento
de normas em 76% dos estabelecimentos

A Lei Complementar nº 1.257, de 6 de janeiro de 2015, estabelece regras para assegurar a proteção das pessoas e do patrimônio contra incêndios. Uma dessas regras  é a exigência do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), que deve ser providenciado pelo proprietário do empreendimento. O capitão Vinícius Fulgêncio, chefe do Setor de Vistoria do Centro de Atividades Técnicas (CAT), explica a importância do documento: “O AVCB é o produto final de uma série de análises e dimensionamentos técnicos e é responsável por determinar qual o risco de um determinado local e quais as medidas necessárias para segurança em caso de incêndio. Entre elas, instalação de extintores, sinalização, saídas de emergência e outras medidas de combate, evacuação e contenção do fogo.”

Apesar da obrigação legal, não são todos os empreendimentos que se encontram regulares. De acordo com o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, em 2022 foram feitas 1.742 fiscalizações na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Do total, 409 imóveis estavam regulares. Dos 1.333 irregulares, 1.111 receberam advertência por escrito, 193 foram multados e 19 foram interditados ou embargados (parcial ou totalmente). Os 10 restantes foram desinterditados, após constatação de irregularidade. Esses dados significam que, de todas as fiscalizações feitas, em 76,5% delas foram encontradas irregularidades.



“A principal irregularidade é a ausência do AVCB, mesmo com o local funcionando. Além disso, a gente constata com frequência a inexistência de determinados equipamentos e de sistema de prevenção, como extintores e sinalização. E acontece muito a obstrução das saídas de emergência. O que vemos também é a presença parcial desses mecanismos de segurança, por exemplo, o local precisa de dois extintores, mas tem apenas um”, conta o capitão Vinícius.

Ainda de acordo com ele, há três tipos de processo para que um edifício obtenha o alvará de funcionamento por parte dos bombeiros. O primeiro deles é para imóveis pequenos, com menos de 200 metros quadrados. Esse tipo de edificação pode adquirir a Dispensa de Licenciamento dos Bombeiros a partir de um questionário preenchido no site da Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (JUCEMG). Apesar da dispensa, o empreendimento ainda precisa tomar medidas de segurança baseado em uma cartilha do próprio Corpo de Bombeiros.

No entanto, para empreendimentos maiores, o processo é diferente. “Empreendimentos maiores representam um risco maior. Então, é preciso contratar um responsável técnico, seja engenheiro ou arquiteto, para a elaboração de um projeto de segurança. Em edificações entre 200 e 930 metros quadrados, esse projeto precisa apenas ser submetido à aprovação dos bombeiros. Em caso de imóveis maiores, uma vistoria vai ser realizada no local para garantir que o projeto aprovado foi executado e a edificação segue as normas de segurança corretamente.”, explica o bombeiro.  A diferenciação dos processos tem como objetivo simplificar o processo de obtenção de alvará.



É importante destacar que, tirando os empreendimentos menores que conseguem a Dispensa de Licenciamento, todos os outros precisam do AVCB para que seu funcionamento seja liberado. “Hospitais, museus, prédios residenciais, supermercados, bares e até eventos precisam do documento.”, enumera Fulgêncio.

SANÇÕES

Em caso de constatação de irregularidades, algumas sanções podem ser aplicadas. A primeira medida é a aplicação de advertência. Nesse caso, o empreendimento tem 60 dias para a correção. Passado esse prazo, uma primeira multa, que pode chegar até a R$ 12 mil dependendo do tamanho do imóvel é aplicado, e mais 30 dias de prazo são estabelecidos para a regularização da situação. Caso o edifício continue apresentando riscos, uma segunda multa será aplicada, que pode chegar a R$ 24 mil.

A insistência na situação de irregularidade ocasiona no encaminhamento de denúncias para o Ministério Público, além disso, se constatado que o imóvel não tem condições de funcionamento sem regularização da situação ele poderá ser interditado a qualquer momento. No caso de eventos, o Corpo de Bombeiros pode embargá-los  até que a situação seja regularizada.



“Os principais meios de denúncia para situações irregulares é o acionamento do 181, que é o disque-denúncia, além do Ministério Público. Também temos operações programadas do próprio Corpo de Bombeiros.”, enumera o Capitão. Para ele, o principal motivo da resistência na obtenção da vistoria dos bombeiros em alguns empreendimentos é a falta de conscientização. “A lei que determina as primeiras normas de segurança contra incêndios é de 2001, então é relativamente nova. Eu enxergo muito uma necessidade de conscientização ainda na população.”, afirma.

Além disso, o capitão Vinícius ainda destaca que, apenas o AVCB, não é garantia de que um empreendimento é de fato 100% seguro. “Não adianta o AVCB se não tiver um comportamento preventivo. Então, a manutenção da rede elétrica precisa ser realizada, durante a manutenção, os equipamentos de segurança precisam ser mantidos. Afinal, não se pode estar em busca apenas de um documento, mas sim de garantir a segurança das pessoas.” (JS)