O furto das duas cápsulas de césio-137 de uma mineradora no município de Nazareno, na região do Campo das Vertentes, que foram encontradas em uma revenda de sucata em São Paulo na última segunda-feira (9/7), chamou a atenção para os cuidados com a segurança e monitoramento de materiais radioativos no Brasil. O fato também trouxe à tona a tragédia ocorrida em Goiânia há quase 36 anos, que resultou em quatro mortes por contato com material radioativo.
O fato em Nazareno levantou outra preocupação: a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), responsável pelo monitoramento do material nuclear no país, enfrenta a carência de pessoal, o que pode dificultar e ou fragilizar a fiscalização das instalações com as fontes radioativas, afirmam especialistas consultados pelo Estado de Minas.
O órgão conta atualmente com 1.408 servidores, dos quais, praticamente a metade (49%) já está apta a se aposentar. Além disso, o total de cargos vagos (1.802) é superior à quantidade de funcionários na ativa na CNEN, que realizou o último concurso público em 2014.
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A direção da CNEN ameniza o problema e garante que, mesmo com o quadro de pessoal defasado, mantém "todas as atividades" de fiscalização nas unidades com fontes radioativas, priorizando aquelas "fontes de maior risco", mesmo "sob pena de sobrecarga de servidores da ativa". O órgão também diz que providencia a realização de um novo concurso público.
Para a professora Antonella Lombardi Costa, do Departamento de Engenharia Nuclear da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a carência de recursos humanos da CNEN pode comprometer a fiscalização das fontes radioativas, principalmente por causa da grande quantidade de unidades que guardam os produtos que podem emitir radiação.
"Com certeza, compromete, sim. São muitas inspeções pelo país, muitas instalações que utilizam fontes radioativas. É necessário aumentar o quadro de funcionários, sem dúvida", afirma a especialista. Porém, ela assinala que os inspetores não têm a responsabilidade de fiscalizar a posse das fontes. "Cabe à própria instalação garantir a segurança, e o setor de Radioproteção da Empresa, segundo as normas da CNEN", explica Antonella.
"As empresas que são responsáveis pela segurança dos locais. A CNEN deve apenas fiscalizar a certificação da instalação em cadastrar as fontes, bem como observar se as normas estão sendo cumpridas", completa.
Criação da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN)
Já a professora Elizabeth Yoshimura, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) ressalta que a fiscalização sobre o uso e controle das fontes radioativas no Brasil passa por uma mudança, com a criação recente da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), que foi desmembrada da CNEN, sendo vinculada ao Ministério das Minas e Energia (MME).
Segundo ela com a mudança, a CNEN passa a ser responsável "somente" pela "parte da formulação de políticas para a área nuclear e de pesquisas em suas unidades". No entanto, a professora da USP alerta sobre a necessidade de cuidados com a fiscalização no setor. "Nesse momento, falar sobre falta de pessoal fica difícil. se pensar no passado, seguramente, a CNEN perdeu muitos quadros e a fiscalização tem sido muito pouco eficaz, porque não é ativa, não conseguindo manter um plano de fiscalização constante, que monitore todo os milhares de usuários de fontes radioativas que temos no país", pontua Elizabeth Yoshimura.
"Na minha opinião, a fiscalização seria bastante melhorada com o estabelecimento de prioridades. Essa nova Autoridade Nacional de Segurança Nacional vai começar do princípio. Então, deve estabelecer essas prioridades de fiscalização em áreas que sejam mais sujeitas e, aí estabelecer também um contato com os supervisores de proteção radiológica, que são os responsáveis diretos pelo correto manuseio e guarda do material radioativo", complementa. Contudo, a especialista da USP não acredita que a seja necessária uma preocupação exacerbada a situação, que está "sob controle", segundo ela.
Por outro lado, Elizabeth frisa que a fiscalização é necessária, mas também há responsabilidade civil, que é aferida pela CNEN, que forneceu os títulos de supervisão radiológica para os responsáveis pelo manuseio e guarda do material radioativo. "Então, é uma responsabilidade dividida, mas que, obviamente, a fiscalização precisa ser presente, clara e atuar de maneira constante, deixando claro para a sociedade que há uma autoridade com segurança dessas fontes. Mas não vejo que a gente está numa situação preocupante nesse momento", conclui.
Falta de pessoal na CNEN e impactos na inspeção
Já outra fonte, que preferiu não se identificar, alerta que a falta de pessoal por parte da Comissão Nacional de Energia Nuclear pode colocar em "sério risco" as inspeções das instalações que dispõem de equipamentos com fontes radioativas no Brasil. "E bom lembrar: somos o país do acidente de Goiânia. A fiscalização nuclear deveria ser exemplo pro mundo", salienta o especialista. Ele também chama atenção para a necessidade imediata de realização de concurso para "repor" o quadro de pessoal da CNEN, lembrando que a atuação de profissionais especializados.
Neste caso, alerta ele, se um grande percentual dos atuais servidores do órgão sem funcionários se aposentarem, sem a realização de novo concurso, "os profissionais que atuam hoje na fiscalização não conseguirão transmitir à geração seguinte os conhecimentos necessários para exercer uma atividade tão delicada".
O que diz a CNEN
Procurada pelo Estado de Minas, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) informou que, atualmente, conta com 1408 servidores efetivos em sua força de trabalho, na qual 49% desses servidores já estão aptos a se aposentar. Lembra que o último concurso foi realizado em 2014, para o preenchimento de 84 vagas. "Uma solicitação em 2022, para realização de concurso público em 2023, foi negada pelo Ministério da Economia (ME).
Contudo, a solicitação realizada em 2023, pela nova gestão da CNEN, para concurso público em 2024, teve concordância do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e encontra-se em análise pelo MGI. "Nesse pedido foram solicitadas autorizações para o provimento de 1052 cargos, uma vez que a CNEN conta com 1802 cargos vagos", informou o órgão por meio de nota.
A CNEN garante que mantém "todas as atividades de fiscalização", mas admite a sobrecarga de servidores. "Todas as atividades de fiscalização estão sendo realizadas, havendo a priorização das instalações que possuem fontes de maior risco, ainda que sob pena de sobrecarga dos servidores que estão na ativa", diz.
Questionada sobre as providências adotadas para amenizar os impactos da carência de recursos humanos, a Comissão Nacional de Energia Nuclear informou: "Além do concurso público e a conscientização de órgãos superiores, a CNEN busca aumentar sua força de trabalho por meio de pedidos de remoções, redistribuições e movimentações de agentes públicos de outros órgãos, ação está que gera concorrência entre órgãos públicos e que tem tido pouco êxito".
'Fiscalização rigorosa' de Césio-137
A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) faz um monitoramento rigoroso e constante dos equipamentos com fontes do césio-137 no país, garante o diretor de Radioproteção e Segurança Nuclear do órgão federal, o físico Alessandro Facure.
"O controle dos equipamentos que contêm o césio-137 em sua composição é feito desde a importação, que deve ser necessariamente aprovada pela CNEN. Somente pode importar quem já possui a autorização para a operação. Para obter a autorização para a operação, as instalações têm que comprovar que elas cumprem os requisitos que existem nas normas da CNEN", afirma.
Facure confirma que, ao todo, existem no país mais de 3.500 instalações inspecionadas com material radioativo, das quais pouco mais de 1 mil contam com fontes radioativas do césio-137 em utilização. A localização delas não é informada por questão de segurança. As estruturas com o césio-137 estão na indústrias de bebida e cimento, mineradoras e instalações médicas, sendo que, nesse último grupo, são encontradas em serviços de hemoterapia, centros que irradiam o sangue com equipamentos que contém o material nuclear.
O especialista ressalta que a fiscalização das instalações com fontes radioativas é feita pela CNEN em caráter permanente, mas com maior vigilância em cima das estruturas com maior poder de contaminação em casos de acidentes. As instalações de baixo risco também são inspecionadas com maior intervalo de tempo – a cada cinco anos. É o caso da mineradora de Nazareno, de onde foram retiradas as cápsulas de césio-137, classificadas pela CNEN como de baixo risco e com "intensidade 300 mil vezes menor" do elemento radioativo do acidente de 1987 em Goiânia
Investigação em sigilo
As duas fontes de césio-137 extraviadas na mineradora no Campo das Vertentes foram encontradas em uma revenda de sucata na Vila Leopoldina, em São Paulo. Elas estavam intactas, sem sinais de violação, segundo a CNEN. Ainda não se sabe quem furtou, transportou e vendeu o material, o que é apurado pela Polícia Civil de Minas Gerais. A investigação corre em sigilo.
Bolsas ajudam amenizar falta de pessoal em Minas
No campus-sede da UFMG, na Pampulha, em Belo Horizonte, funciona o Centro de Desenvolvimento de Tecnologia da Energia Nuclear (CDTN), unidade da CNEN, dedicada ás pesquisas na área. O CDTN também conta com um percentual considerável de funcionários em condições de se aposentar e, para amenizar a questão da falta de pessoal, recorre a bolsas para alunos em cursos de pós-graduação.
De acordo com a CNEN, o centro de pesquisa de BH conta com 234 servidores, dos quais dois já se aposentaram e continuam com funções na unidade, e 109 deles já apresentam condições de requisitar a aposentadoria.
"O decréscimo constante da nossa força de trabalho, pela ausência de concurso e reposição de pessoal, nos leva a situações diversas. A perda e não renovação do conhecimento é uma delas. Normalmente, a força de trabalho diminui por conta das aposentadorias, e esses servidores aposentados ao saírem do centro levam com eles competências importantes da área técnica", afirmou o órgão, sobre o impacto da falta de pessoal nas atividades do CDTN.
Em nota divulgada pela assessoria da CNEN, o CDTN informou que adota estratégias para contornar a carência de pessoal e garantir a manutenção de suas atividades. "Com a falta de concursos públicos e a dificuldade de transferência de profissionais entre órgãos do serviço público, as principais medidas encontradas pelo CDTN para contornar essa situação foi incentivar e manter um quadro grande de alunos no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, todos com bolsa, tanto dos órgãos de fomento, quanto com bolsas fornecidas através do orçamento da CNEN, e no Programa de Pós-Graduação Latu Senso, com cursos de formação especializada", informou.
Acrescentou ainda também são soferecidas bolsas tecnológicas, voltadas para pesquisadores e técnicos. Nesse sentido, na última quinta-feira (13/07), foi aberto um edital, ofertando 19 bolsas para pesquisadores das mais diversas áreas realizarem projetos e pesquisas.