Berço de grandes manifestações culturais, Minas Gerais ganha nesta segunda-feira (17/7) um reforço para garantir a preservação de seu patrimônio, com a criação do programa Minas para Sempre. Iniciativa do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), o projeto busca a recuperação, restauração e conservação de bens culturais espalhados por todo o estado. Com investimentos de R$ 17 milhões, serão restauradas 10 edificações tombadas pelo patrimônio nesta primeira rodada, entre elas o painel cerâmico instalado na fachada do Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG), na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, e o território da comunidade Kilombo Manzo Ngunzo Kaiango, próximo à Serra do Curral, com extensão até o município vizinho de Santa Luzia.
O Ministério Público adiantou a lista completa com exclusividade ao Estado de Minas. Em Belo Horizonte, a única obra a ser restaurada é o painel do artista plástico mineiro Mário Silésio. Datada de 1959, a obra, construída com azulejos nas cores azul, amarelo, vermelho e branco, está oculta por uma estrutura de metal e protegida com plástico bolha e espuma, para evitar que as pastilhas se desprendam mais. Em foto feita pela reportagem do EM em dezembro de 2011, percebe-se a falta de peças do painel. A restauração do painel, que mede 12,5 metros por 2,60m, custará mais de R$ 1,3 milhão.
O programa vai destinar recursos para a primeira etapa de restauração da capela Bom Jesus da Lapa, em Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha, da Matriz Nossa Senhora dos Prazeres, em Milho Verde, distrito do Serro, e a requalificação da Escola Municipal Daniel de Carvalho, em Conceição do Mato Dentro, Região Central de Minas. Também serão restauradas a Igreja Matriz de Santo Amaro, em Santa Bárbara, na Região Central; o Museu Mariano Procópio e Parque, em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira; Antigo Prédio da Prefeitura Municipal de Grão Mogol, no Norte de Minas; Casinha Velha, em Belo Vale, Região Central de Minas; e a Capela de Santo Antônio, no distrito de Pompéu. Os investimentos incluem ainda a destinação de quase R$ 550 mil para a renovação da frota de veículos do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).
Muito além da recuperação do patrimônio arquitetônico, elementos materiais que dão suporte às manifestações culturais valoradas como patrimônio imaterial também entram no radar de ações aptas a receber o aporte do programa. É o caso da Casinha Velha, no distrito de Vargem de Santana, em Belo Vale, Região Central de Minas. Depois de restaurada, a casa histórica, tombada em 2022, será usada como sede de um grupo de congado, festa afro-brasileira considerada patrimônio imaterial de Minas.
“Estamos restaurando o suporte físico da prática, mas, na verdade, o grande beneficiado é o patrimônio imaterial”, aponta o promotor do MPMG. Da mesma forma, a restauração da Matriz Nossa Senhora dos Prazeres, em Milho Verde, distrito do Serro, transcende os atributos da edificação por ser o local onde foi batizada Chica da Silva, mulher negra alforriada que ficou famosa pelo poder que exerceu no Arraial do Tijuco, como era chamada em Diamantina. “Tem um vínculo com fato histórico muito relevante para Minas Gerais”, disse.
VALOR CULTURAL
Apesar de esses primeiros projetos serem para bens tombados pelo patrimônio histórico, a proteção jurídica formal não é obrigatória para entrar na seleção. “O tombamento cria uma presunção formal, absoluta, de valor cultural. Mas existem vários outros que não são tombados e têm valor cultural também, que podem ser contemplados. O valor cultural do bem é uma situação de fato e não de direito, independente de ter ou não, é um bem que precisa ser preservado”, destaca o promotor do Ministério Público.O programa amplia o volume de projetos contemplados pela destinação de verbas compensatórias, o que significa que os bens serão restaurados com dinheiro recuperado em ações ambientais conduzidas pelo MPMG. “A gente sempre fez isso. Só que o programa traz mais organização e planejamento. Com isso, a gente consegue atingir mais projetos, com um benefício econômico maior do que quando eram feitos de forma pulverizada ao longo do ano”, explica Maffra. A previsão é ter, pelo menos, 10 iniciativas selecionadas por semestre.
O promotor compara a iniciativa ao programa nacional lançado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Estamos lançando um quase da mesma magnitude, só que com impacto exclusivamente em Minas Gerais. Sem dúvida, é o maior programa de restauração de bens culturais já lançado no estado”, afirma. “A gente fala que o bem cultural tem corpo e alma. O programa visa contemplar essas duas vertentes: material e imaterial. Ele é mais completo nesse sentido”, acrescenta. A iniciativa é realizada por meio do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural e Urbanismo (CAOMA), da Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC) e do Centro Mineiro de Alianças Intersetoriais (CeMAIS), do Ministério Público.
Segundo estado com maior quantidade de bens tombados e que abriga o maior número de bens culturais eleitos como patrimônio mundial, Minas Gerais enfrenta uma escassez de recursos para preservação e conservação de seus bens culturais, que vem, aos poucos, sendo driblada por meio de parcerias, nas palavras da diretora de Conservação e Restauração do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), Luciane Andrade Resende.
“O que mantém o patrimônio vivo é o uso. O programa permite que esse uso seja melhor aproveitado, porque ao recuperar o bem você o ressignifica. Ele se torna agradável para a população, desperta a curiosidade, as pessoas querem ver, conhecer, participar”, analisa. “O patrimônio cultural mineiro é muito diverso. Nós temos desde os modos de fazer, o nosso queijo, a gastronomia, e os bens imóveis também, que são os prédios, casas, escolas e centros históricos”, completa.
O promotor de Justiça do MPMG convida as instituições envolvidas na defesa do patrimônio histórico a também inscrever projetos no programa. “Não só na análise dos projetos, mas, inclusive, é possível que esses órgãos sejam proponentes de projetos. É uma atuação integrada, pensada pelo Ministério Público, mas compartilhada por essas instituições cuja missão legal é a proteção do patrimônio”, afirma Maffra.
INSCRIÇÕES
Os interessados poderão cadastrar os projetos por meio da plataforma Semente (site.sementemg.org), sistema criado em 2015 para garantir mais transparência na contemplação, gestão e monitoramento de projetos custeados por medidas compensatórias. São elegíveis projetos de órgãos públicos ou entidades privadas, desde que não vise lucro. Ao fim de cada semestre, as iniciativas inscritas passam por uma triagem, etapa em que são feitas análises técnico-jurídicas e, quando selecionados, são acompanhados até a conclusão, que se dá com a prestação de contas.“Nós monitoramos do início ao fim. Fazemos a triagem inicial dos projetos, que chegam de todo estado. É uma oportunidade para toda a sociedade. A plataforma traz a democratização do uso da medida compensatória”, detalha a coordenadora da plataforma, Renata Fonseca Guimarães. Os que não foram escolhidos permanecem no banco de dados da plataforma e podem ficar lá por até dois anos. Hoje, a plataforma tem 113 projetos na base de dados. Outros 93, que incluem também iniciativas de preservação ao meio ambiente, já estão em execução.
Após avaliação pela equipe multidisciplinar da plataforma, os projetos serão enviados para análise e seleção pela equipe da Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), em parceria com a superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Minas Gerais (Iphan-MG) e do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). Quem dá a palavra final é o promotor de Justiça. “Isso dá segurança para os promotores, sabendo que eles vão ter uma prestação de contas rigorosa, que será revertida em proveito da sociedade”, afirma Marcelo Maffra, promotor à frente da Coordenadoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais.
RECUPERAÇÃO DO PATRIMÔNIO
Integrante de circuito cultural no Centro-Sul, o Palácio da Liberdade também será restaurado com recursos do Ministério Público de Minas Gerais. Após quase duas décadas sem esse tipo de intervenção, a ex-sede do governo de Minas entra em obras em até 30 dias e permanecerá aberta para que moradores e turistas possam, inclusive, acompanhar de perto o processo de restauração por meio de um projeto de visitas guiadas. As obras vão custar R$10,3 milhões.
A última restauração no prédio ocorreu em 2006, quando também foram feitas intervenções para solucionar problemas com infiltrações que prejudicavam o acervo artístico e histórico do patrimônio, tombado em 1975. Relíquia dos primeiros tempos de BH, bem ao lado do Palácio da Liberdade, o Palacete Dantas foi transferido pelo Iepha-MG ao Ministério Público, e também passará por uma revitalização. O imóvel em estilo eclético de influência neoclássica, inaugurado em 1915, será palco de exposições, eventos e se tornará um espaço para artistas pobres da periferia da capital, conforme adiantou o Estado de Minas em junho. O projeto, no entanto, ainda não saiu do papel.
Destinação dos recursos
Confira os itens que serão restaurados na primeira etapa do programa1) Igreja Matriz de Santo Amaro (R$ 3.759.000,00)
Expoente do barroco, a igreja tricentenária de Minas, no distrito de Brumal, em Santa Bárbara, na Região Central, vai ganhar vida nova com a restauração arquitetônica e artística do templo.
2) Comunidade Kilombo Manzo Ngunzo Kaiango (R$ 687.750,00)
Fundado na década de 1970 por Mãe Efigênia, o Kilombo Manzo Ngunzo Kaiango é referência em práticas sociais e culturais baseadas nas religiões de matriz africana, reconhecido como patrimônio cultural do estado de Minas Gerais em 2018. O território passará por intervenções emergenciais para conter o risco de deslizamento em encostas.
3) Museu Mariano Procópio e Parque (R$ 535.500,00)
Símbolo da memória nacional e localizado em Juiz de Fora é considerado o primeiro museu de Minas Gerais. A revitalização do espaço vai garantir a preservação do segundo maior acervo do Brasil do período imperial. O local foi aberto 1915 como museu particular, mas só foi oficialmente inaugurado, com visitação pública, em junho de 1921.
4) Antigo Prédio da Prefeitura Municipal de Grão Mogol (R$ 865.200,00)
Construída no final do século 19, a edificação foi utilizada como residência de várias famílias até o início da década de 1960, quando foi adquirida pelo município e adequada como sede da Prefeitura Municipal. As obras preveem a restauração arquitetônica do imóvel, tombado pelo município.
5) Casinha Velha, no povoado de Vargem de Santana (R$ 1.270.763,00)
Tombada pelo patrimônio municipal, a Casinha Velha abriga uma antiga vendinha à beira de estrada, que passa pelo povoado de Vargem de Santana, em Belo Vale, Região Central de Minas, um dos poucos exemplares do período de sua construção.
6) Painel cerâmico do artista mineiro Mario Silésio (R$ 1.338.750,00)
Restauração do painel datado do fim de 1959, em azulejos azul, amarelo, vermelho e branco, medindo 12,5m x 2,60m e instalado na fachada do Detran-MG, na Região Centro-Sul de BH.
7) Capela de Bom Jesus da Lapa (R$ 2.201.850,00)
Construída no século 19, a capela do Bom Jesus da Lapa constitui um relevante bem arquitetônico e religioso localizado no município de Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha. Tombada pelo patrimônio em 1981, a capela está interditada desde 2018 e escorada por risco de desmoronamento.
8) Escola Municipal Daniel de Carvalho (R$ 2.258.550,00)
Construída em 1920, a edificação, exemplar do ecletismo arquitetônico, foi tombada pelo município em 2004. Localizada no centro histórico de Conceição do Mato Dentro, a imponente edificação precisa de reparos na estrutura e recuperação de alvenarias.
9) Matriz Nossa Senhora dos Prazeres (R$ 2.461.200,00)
Testemunha da história, a Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres, em Milho Verde, distrito do Serro, demanda reparos estruturais há anos. A primeira etapa das obras irá restaurar a arquitetura da construção, datada do século 18, onde Chica da Silva foi batizada.
10) Capela de Santo Antônio (R$ 851.550, 00)
Restauração do primeiro templo religioso da região e referência do barroco no distrito de Santo Antônio, em Pompéu. Erguida no início do século 18 e tombada como patrimônio em 1958, a capela abriga um altar de talha único, característica da primeira fase do barroco em Minas.
11) Modernização da frota de veículos do Iepha-MG
O Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) pretende adquirir três veículos para uso em vistorias, fiscalizações, notificações, e proteção dos bens tombados e em processo de tombamento em todo estado.