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Estado de Minas CRIANÇADA

Infância como antigamente

Apesar do domínio de dispositivos digitais, brincadeiras como soltar papagaio, andar de carrinho de rolimã e pique-esconde ainda resistem no imaginário


31/07/2023 07:00 - atualizado 31/07/2023 14:40
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s Arthur, 7 anos, e Lucas, 10
Os amigos Arthur, 7 anos, e Lucas, 10, aproveitaram as férias escolares para brincar de papagaio nas ruas do Bairro Guarani, Região Norte de Belo Horizonte (foto: Fotos: Gladyston Rodrigues/EM/DA)

"Mexer no telefone e soltar papagaio”. Essa foi a resposta de Arthur, de 7 anos, quando perguntado quais suas brincadeiras favoritas. Com as crianças convivendo desde cedo com a tecnologia, encontrar meninos e meninas brincando na rua de pega-pega, polícia e ladrão e rouba-bandeira tem sido cada vez mais difícil, até mesmo nas periferias. Ainda assim, algumas brincadeiras resistem, como soltar papagaio - ou empinar pipa.

O mês de julho é a época do ano mais fácil para encontrar papagaios voando pelos céus, devido às férias escolares e às condições de clima e vento. Os dias de recesso foram bem aproveitados por Arthur e seu amigo Lucas, de 10 anos, que se divertiam pelas ruas do Bairro Guarani, na Região Norte de Belo Horizonte, nos últimos dias antes da volta às aulas.

SEMPRE DE OLHO 

“Se deixar, eles brincam o dia inteiro na rua”, conta Tatiana da Silva, 37, mãe de Lucas. Ela trabalha como cozinheira em um restaurante no bairro e se divide entre preparar o almoço e ficar atenta aos meninos. Mesmo achando as ruas perigosas para crianças ficarem sozinhas, ela entende a importância das brincadeiras para que os meninos passem menos tempo no celular.

“Se eu tivesse tempo, eu levaria para um espaço onde eles pudessem brincar, mas como não tenho, eles brincam na rua. A gente fica de olho, os vizinhos ficam de olho também”.

Essa sensação de insegurança evita que mais crianças ocupem as ruas. O pedagogo e professor da UFMG Rogério Correia da Silva explica que um dos desdobramentos em termos menos crianças brincando no espaço público é a perda destes conhecimentos que são transmitidos das crianças mais velhas para as mais novas. “As brincadeiras que atravessam as gerações são um patrimônio que nós temos, imaterial e material também. Tem a parte das fantasias, das cantigas de roda, das histórias, mas tem todo um conhecimento técnico de produção de brinquedos, das práticas de brincadeiras, que as crianças perpetuam isso por gerações”, argumenta.

As irmãs Fabíola Adriene, Fabiane Letícia e Flávia Eliza, juntas dos filhos
As irmãs Fabíola Adriene, Fabiane Letícia e Flávia Eliza, juntas dos filhos: parque público como opção

ADOLETA

 Distante dali, no Parque Municipal Américo Renné Giannetti, no Centro da capital, as famílias que conseguiram sair da rotina e levar seus filhos para brincar na última sexta-feira das férias aproveitaram um espaço mais acolhedor e seguro. Foi o caso das irmãs Flávia, Fabíola e Fabiane, que levaram seus cinco pequenos para o parque.

Fabíola Adriene, 36, conta que por ser trabalhadora do lar tem mais disponibilidade para passar tempo com seus filhos Alan Simon, 9, e Thales Gustavo, 6.

Adoleta é uma das brincadeiras tradicionais que a mãe ensinou a eles. A prática envolve uma roda com crianças intercalando as mãos. Alan conta que se diverte com a companhia da mãe. “Só não gosto quando ela é chata”, diz. Fabíola retruca dizendo que o filho não sabe perder. “Esse daí tem um péssimo espírito esportivo”, brinca. O menino não deixa por menos: “e ela é muito raivosa”.

As brincadeiras favoritas de Fabíola quando criança, pique-esconde e pique-cola, foram passadas para o filho. Alan, no entanto, ampliou as preferências. “Eu gosto de pular corda, ir no pula-pula, pique-esconde, pega-pega e brincar de corrida”, detalha o garoto.

ENTRE GERAÇÕES 

Foi apresentando brincadeiras da infância para sua filha de 3 anos, Louise Cristine, que o guarda municipal Erick Coelho, 44, descobriu um hobby. “Eu pintei uma amarelinha no chão, depois teve balanço, futebol, brincadeira de fazer paraquedas e arremessar, fazer aviãozinho. Aí resolvi fazer um carrinho de rolimã e arrumar algum lugar para andar”.

Certo dia, enquanto brincava com o carrinho pela esplanada do Mineirão, Erick conheceu o grupo Amigos do Rolimã, que organiza um encontro de entusiastas do brinquedo todas as quintas-feiras, no começo da noite.

A partir dali, Erick e sua mulher, Cleide Coelho, 41, passaram a frequentar os encontros - juntos da filha, claro. Eles até construíram um carrinho com espaço para todos descerem a rampa da esplanada juntos. “Fomos emendando madeira, rolimã e vendo a forma que saia”, conta Erick, que aprendeu a construir o brinquedo quando era criança.

Brinquedo mais típico nas periferias, o carrinho de rolimã é feito geralmente com restos de madeira, pregos e rolimãs, que são rodinhas de ferro com esfera retiradas, geralmente, de caixa de marcha de carros.

O jornalista Tâmer Pimentel, 34, membro do grupo Tribo do Rolimã, que também faz parte da organização dos encontros na esplanada do Mineirão, explica que os eventos semanais reúnem de 50 a 100 pessoas. “Aqui tem bebê, idoso, criança. Geralmente você vê os pais brigando com os filhos para brincar mais de carrinho de rolimã”, relata.

Parque Lagoa do Nado, na Região da Pampulha
Parque Lagoa do Nado, na Região da Pampulha: um dos locais que receberam programação da prefeitura durante as férias escolares

Espaços para crianças foram tomados por carros

Durante as férias de julho, a Prefeitura de Belo Horizonte promoveu o programa BH em Férias. Foram 22 eventos realizados em praças e parques das nove regionais da cidade para estimular a prática de atividades físicas e recreativas.

Na programação constaram oficina de skate, patins e slackline, oficina de bolha de sabão, brinquedos infláveis, breakdance e brincadeiras tradicionais, como pula-corda, peteca e bambolê.

O casal formado por Rogério da Silva, 42, e Daniele Lins da Cunha Silva, 36, aproveitou a viagem por Belo Horizonte para levar os filhos Pedro, 6, e Sofia, 7, para brincar no Parque Lagoa do Nado, na Região da Pampulha, na última sexta-feira (28).

Enquanto o filho Pedro praticava escalada no equipamento inflável instalado no parque, o pai contou que, quando criança, também fazia o mesmo, mas usava as pedras de uma cachoeira perto de casa para se empoleirar.

A família mora em Sabinópolis, a 166 km da capital mineira. Os pais contam que por ser uma cidade pequena (15 mil habitantes) e tranquila, eles deixam os filhos brincarem na rua. “Eu gostava muito de brincar de rouba-bandeira e eles brincam disso quase toda semana. Futebol também, pular corda”, explica Rogério.

NOS GRANDES CENTROS 

O professor Rogério Correia explica que, além da criminalidade, os grandes centros urbanos não foram projetados para acolher a infância e que isso explica termos menos crianças brincando nas ruas. “A gente percebe que cada vez mais os espaços públicos que eram destinados a essas práticas de brincadeira, como ruas e campos de futebol, se tornaram espaços para circulação de carros. Com isso, as crianças foram se confinando nas escolas”.

A manutenção de brincadeiras entre pais e filhos é importante para o desenvolvimento das crianças e podem ser um ótimo ponto de contato para criar conexões entre a família, conforme explica o pesquisador. “Falar das suas experiências de infância é importante, construir brinquedos juntos, criar momentos de brincadeiras dentro de casa, ter momentos fora de casa, fazer passeios para conhecer e explorar o espaço ao entorno”, lista o docente. (DL)


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