Jornal Estado de Minas

DIREITOS HUMANOS

Ouro Preto: moradores denunciam em comissão na Câmara ação violenta da PM

As cenas da ação policial no distrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais, causaram suspeitas de truculência ao abordar a comunidade. Dez pessoas foram presas e cerca de 20 moradores ficaram feridos, sendo que um deles corre o risco de perder a visão.






A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Ouro Preto reuniu parlamentares para discutir se houve violência policial e violação dos direitos humanos. A reunião ocorreu nesta terça-feira (1/8) e contou com a presença de membros do Comitê Municipal de Direitos Humanos.
 
A Comissão dos Direitos Humanos é composta por vereadores e o Comitê de Direitos Humanos é representado por membros da Força Associativa de Ouro Preto (Famop); da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); da Polícia Militar; da Polícia Civil; do Poder Executivo e da UFOP.
 
O presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara Municipal de Ouro Preto, Vanderley Kuruzu, disse que o representante da Polícia Militar no Comitê Municipal de Direitos Humanos foi convidado para participar da reunião, mas não compareceu e assim não foi possível ouvir o posicionamento da corporação perante as denúncias. "Foi lamentável a ausência responsável pelos direitos humanos da Polícia Militar,  ele chegou a confirmar a presença para que houvesse o direito ao contraditório", disse.




 

Denúncias

 
A primeira denúncia apontada na reunião foi de um vereador que estava presente em Antônio Pereira durante a ação policial. Vander Leitoa conta que havia cerca de 300 pessoas comemorando a vitória de um time local em um campeonato de futebol amador. Ele afirma que as pessoas presentes eram familiares dos jogadores, crianças e idosos.
 
“Estavam em clima de confraternização, sem brigas, sem drogas e a violência partiu de quem deveria agir para nos proteger. Tentei negociar, mas levei spray de pimenta no rosto”.
 
O vereador relata que a população de Antônio Pereira é na maioria de baixa renda e negra, e suspeita que a ação policial é fonte de uma perseguição contra a população pobre e tem motivações racistas.
 
“Será que, se a festa fosse em um condomínio, a polícia iria chegar da forma que chegou? Não tinha briga, não tinham armas e nem drogas. Foi uma total falta de preparo por parte de alguns militares que vem perseguindo nossa comunidade”, afirmou Vander.




 
Presente na reunião, o presidente da Famop, Luís Carlos Teixeira, declarou que existe um estigma sobre as comunidades periféricas de Ouro Preto e lembra que mais de 70% da população da cidade histórica é negra e a maioria mora em periferias e distritos.
 
“Vimos em nosso cotidiano que a ação da polícia nessas comunidades é diferente, vimos isso em outros episódios que o tratamento é diferente”, disse Teixeira.
 
O presidente da Famop considera que nada justifica a violência assistida nem Antônio Pereira. Teixeira questionou a ação policial e afirmou que nenhum argumento dado pela Polícia Militar diminui a gravidade.
 

Cenas de horror

 
Durante as reunião foram mostradas diversas cenas da ação policial no distrito em diversas festividades. A que mais chocou foi de uma idosa que foi atingida com um tiro de borracha na testa. No mês de junho, a festa junina realizada em Antônio Pereira também terminou com ação da Polícia Militar.  
 
 

Faltou socorro

 
O diretor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Minas Gerais, William dos Santos, disse que as pessoas que se machucaram com os estilhaços e com os tiros de balas de borracha foram levadas para a delegacia e foram presas – em vez de terem sido socorridas. 




 
“De vítimas podem se tornar réus. Tem que ter uma apuração em relação ao conteúdo do Boletim de Ocorrência para saber o que foi alegado para prender os moradores. A corregedoria da Polícia Militar tem que ser acionada. Caso o BO tenha sido feito de forma fictícia, isso indica falsidade ideológica e está no Código Militar Penal", declarou Santos.
 

Estado de medo

 
O presidente da Associação dos Moradores de Antônio Pereira, Emerson Rodrigues, conta que a comunidade vem passado por diversos episódios de violência policial e afirma que os moradores não compareceram à Câmara porque estão com medo da repressão e do que pode acontecer após a reunião.
 
Rodrigues relata que, no mesmo dia do campeonato de futebol, havia uma festa de aniversário de uma criança de 8 anos, e um morador que estava na festa foi vítima de um tiro de bala de borracha.
 
“Ele foi agredido sem nem saber o que estava acontecendo, estava saindo da festa de aniversário e foi violentado justamente por quem é pago para protegê-lo. Muitos pais não puderam trabalhar nessa segunda-feira porque estavam machucados”, descreveu Rodrigues.




 
Uma moradora foi atingida por bala de borracha no olho e corre o risco de perda permanente da visão. A mulher está internada em Belo Horizonte para fazer uma cirurgia na tentativa de voltar a enxergar.
 

Propostas

 
Na reunião foi proposto que o presente da Câmara Municipal de Ouro Preto, como instituição, se manifeste sobre o fato. Também foram pedidas providências da corregedoria da Polícia Militar e do Ministério Público de Minas Gerais sobre a atividade policial em Ouro Preto.
 
Também foi decidido que será enviada uma comunicação à Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais sobre o fato e será agendada uma reunião com o delegado da Policial Civil de Ouro Preto. Na reunião desta terça-feira, foi solicitado o afastamento dos policiais envolvidos na ocorrência e, por fim, a presença de um defensor público em Ouro Preto para atender os moradores envolvidos e a capacitação da Polícia Militar, no sentido de aprimorar ações voltadas aos direitos humanos.

O que diz a Polícia Militar


Em relação à ausência de um representante da Polícia Militar na reunião das comissões na Câmara Municipal, o 52° Batalhão de Polícia Militar, responsável pelas cidades da região dos Inconfidentes, disse à reportagem do Estado de Minas que foi instaurado, nessa segunda-feira, um Inquérito Policial para apurar as condutas dos policiais militares durante o atendimento da chamada de Perturbação do Sossego e de rixa no Distrito de Antônio Pereira. 





Segundo a PM, qualquer debate mais aprofundado sobre o assunto, que demande apuração, seria especulação e assim que a investigação for finalizada a corporação vai se prontifica a reunir-se com a Comissão de Direitos Humanos e repassar os resultados, bem como dar os encaminhamentos devidos.

A Polícia Militar afirma que as lesões causadas nos militares, danos nas viaturas policiais, porte ou posse ilegal de arma de fogo e outros crimes correlatos são de competência da Polícia Civil apurar, instituição para a qual foi direcionado o Boletim de Ocorrência.

Em relação à acusação de que a  Polícia Militar age com truculência de forma recorrente em Antônio Pereira, a PM respondeu que o compromisso da instituição é com a segurança e diariamente treina o efetivo operacional para atender a comunidade dentro dos parâmetros técnicos e visando promover e garantir a ordem pública. 





O 52° Batalhão afirma ainda que as atuações no distrito são realizadas dentro do que preconiza os manuais técnicos profissionais. Em caso de reclamação de atuação policial é instaurado o respectivo procedimento de apuração e o solicitante é informado do resultado da investigação, sendo todo o processo realizado de forma transparente e acompanhado pelos órgãos de controle da atividade policial.

Sobre a acusação de não socorrer as vítimas, a PM afirma que todas as pessoas identificadas e que foram lesionadas, inclusive os policiais militares, passaram por atendimento médico, sendo lavrado na sequência o Boletim de Ocorrência na Sede do Batalhão, devidamente acompanhados por advogados e posteriormente encaminhados para a Sede da Delegacia da Polícia Civil de Ouro Preto para atendimento pelo Plantão Digital da Polícia Civil. 

A PM destaca que todas essas informações e, inclusive, a versão dos conduzidos consta no respectivo registro com o número das fichas de atendimento médico.