O Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu a favor de uma mulher evangélica, dando a ela o direito de, por convicções religiosas, recusar a transfusão de sangue durante um tratamento médico na Santa Casa de Montes Claros, no Norte de Minas.
A decisão liminar foi do desembargador Leonardo de Faria Beraldo. Ele suspendeu liminar que havia sido concedida ao hospital pelo juiz da 5 ª Vara Cível de Montes Claros, Francisco Lacerda de Figueiredo, autorizando a transfusão de sangue em uma cirurgia na paciente, mesmo com a negativa dela, por motivo religioso.
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A defesa da paciente, M.C.P. S, encaminhou recurso (agravo de instrumento) ao Tribunal de Justiça, no qual “alegou que está de pleno acordo na realização do procedimento cirúrgico indicado pela equipe médica” e que “a sua única recusa terapêutica é quanto ao uso de transfusões de sangue no seu tratamento médico, por crença religiosa”.
De acordo com o desembargador Leonardo de Faria Beraldo, a mulher “informou que se recusa terminantemente a receber transfusões de sangue de terceiros (sangue alogênico) como tratamento médico, por observância ao mandamento bíblico de “abster-se sangue”, em razão de ser testemunha de Jeová há 42 anos”.
Em sua decisão, o desembargador do TJMG lembra que a defesa da paciente “sustentou que a liberdade religiosa inclui o direito de recusar tratamento médico ofensivo às crenças e valores religiosos e, ainda, discorreu sobre os riscos de uma transfusão de sangue”.
Faria Beraldo lembra que na petição inicial, o hospital informou que a mulher testemunha de Jeová e sua família “foram informadas pela equipe médica sobre a “necessidade de uma transfusão de sangue/hemocomponentes previa para a cirurgia, sendo a única terapia indicada afim de se tentar reverter o quadro da paciente”.
“Contudo, a paciente, que “está lúcida”, “se recusa a receber qualquer tipo de transfusão” , observou o representante do Poder Judiciário.
“Neste contexto, tendo em vista que a agravante (a paciente) está em plena capacidade civil e se manifestou de forma livre e consciente sobre a recusa de tratamento médico, especificamente transfusão de sangue, o que diz respeito apenas a própria declarante, entendo, neste juízo perfunctório, que deva ser respeitada a sua expressão de vontade, sobretudo porque, como dito, à inviolabilidade de consciência e de crença se trata de direito constitucional, previsto no art. 5º, VI, da Constituição Federal”, escreveu Faria Beraldo.
Ele lembra que, além disso, foi apresentado relatório médico, informando que “não se trata de caso de emergência, havendo sugestão de “estabilização de quadro laboratorial (melhora de coagulação), com o “uso de noripurum, vitamina K”, a fim de se evitar tratamento médico não aceito pela paciente”.
O desembargador lembra que “cabe somente” à pessoa decidir sobre como deve ser o seu tratamento de saúde. “A vida é direito de personalidade da agravante, logo, cabe, tão somente a ela, decidir como deve ser realizado o tratamento para a sua atual questão de saúde. Como ela está plenamente consciente e capaz, é sua a palavra final, devendo o hospital e os médicos respeitarem a sua vontade. O papel do Poder Judiciário, in casu (no caso), é o de fazer valer a sua autonomia existencial”, assegurou Leonardo de Faria Beraldo.
O que diz a Santa Casa
Procurada, a Santa Casa de Montes Claros informou que vai cumprir a decisão do Tribunal de Justiça, sem entrar em detalhes sobre o tipo de tratamento que a mulher da Igreja dos Testemunhas de Jeová está sendo submetida.
Eis a nota da instituição, na íntegra:
“A Santa Casa Montes Claros esclarece que todos os procedimentos realizados na instituição são respaldados pelas legislações vigentes no país. Em relação ao caso citado, o hospital informa que acata a decisão judicial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que conferiu efeito suspensivo a decisão liminar do juiz de primeira instância para que não seja realizada a transfusão de sangue respeitando a vontade da paciente por convicções religiosas”.