Dor que não termina nunca. Este é o sentimento carregado por quem perdeu entes queridos nas tragédias das estradas. A triste sensação é vivida pelos parentes das seis pessoas da mesma família que morreram na batida entre um carro pequeno e caminhão carregado com placas de gesso no Km 476 na BR-251, um dos pontos de maior risco da rodovia, no município de Francisco Sá, no Norte de Minas, em 26 de março de 2022. Passados um ano e quatro meses da tragédia, os familiares das vítimas foram localizados pela reportagem do Estado de Minas em Planalto, município de 26,4 mil habitantes, no Sudoeste da Bahia, a 476 quilômetros de Salvador. Os seis integrantes da família seguiam de Bertioga (SP) para rever parentes em Planalto e encontraram a morte do caminho, ao se aproximar da subida da Serra de Francisco Sá, um dos trechos mais perigosos da BR-251.
As sequelas das perdas na “guerra” das estradas são carregadas por Gabriela Ferreira dos Santos, de 28, sobrinha de Fernando Ferreira dos Santos, de 48, que dirigia o carro envolvido na tragédia. “(O acidente) foi uma coisa muito dolorida. Foi um choque para todos nós. A gente vive um vazio, uma tristeza que nunca acaba”, afirma Gabriela, que é dona de um barzinho na cidade do interior baiano. Além de Fernando, morreram a mulher dele, Lourdes (de 48), o filho do casal, Rafael Ferreira dos Santos (de 25) e a mulher de Rafael, Fabiana Melo Marins (28). Também perderam a vida duas crianças, Ruan e Adriele, filhos de Rafael e Fabiana.
Retorno trágico
Outra brasileira que carrega dor interminável por mortes nas rodovias é a dona de casa Gisleide Aparecida Alves de Almeida, de Lagoa dos Cavalos, no município de Icaraí de Minas, de 10,6 mil habitantes, no Norte de Minas. Ela é tia de Válber Alves de Almeida, um dos quatro jovens que morreram na batida entre um carro de passeio e um caminhão na BR-135, em Curvelo, na Região Central de Minas, em 5 de janeiro passado, um dos mais graves acidentes registrados nas rodovias mineiras neste ano. Morreram também no acidente Jean Santos Novais (23), que dirigia o veículo; e Ranyelly Ribeiro da Silva (idade não revelada) e Adriano Batista Ribeiro da Silva (20). Os dois primeiros eram primos de Válber e Adriano era namorado de Ranyelly.
Os jovens retornavam de São Paulo após visitarem parentes e participarem da Festa de Santos Reis na comunidade de Lagoa dos Cavalos. Por causa do desastre, a festa foi cancelada. Gisleide afirma que ela, assim como restante da família, até hoje, não se conforma com a perda de Válber, que deixou a zona rural de Iracaí de Minas em busca de trabalho em São Paulo. “É difícil explicar. É algo que ninguém espera. O choque é muito grande. Todas as vezes que gente ouve falar em um acidente dói”, conta.
Estudo aponta imprudência de motoristas
O professor e pesquisador Narciso Ferreira dos Santos Neto, doutor em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e docente da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), lembra que um dos seus estudos teve como objetivo determinar o perfil dos acidentes na BR-365, que liga o Norte de Minas ao Triângulo, muito usada por motoristas que viajam do Centro-Oeste e de São Paulo para o Nordeste/Norte do país. “Como resultado deste estudo, conseguimos correlacionar os diversos fatores com os tipos de acidentes mais comuns, determinando seu perfil na BR 365.
Pode-se afirmar que os capotamentos na rodovia tiveram alta correlação com o fato de o condutor não respeitar a distância de segurança entre os veículos. À noite, dificulta a visibilidade total da pista”, observou. “Sobre o impacto lateral, podemos observar uma forte correlação com a falta de atenção do motorista, explicada pela correlação com a fase do dia, céu claro e estrada seca. Quando uma via exige mais atenção ao dirigir, seja pela presença de barreiras artificiais, como lombadas, ou por barreiras naturais, como chuva e neblina, o motorista acaba exigindo uma atenção maior na direção”.
“A colisão traseira deveu-se a um motivo de redução da distância de segurança, além de ser durante o dia, e pista estrada molhada. É relevante notar que tanto a colisão quanto o capotamento aconteceram quando o trânsito estava com algum tipo de dificuldade, porque ou era noite ou chovia. Supõe-se, portanto, a soma do fator que o condutor não mantém a distância de segurança. A dificuldade encontrada pelo condutor, seja por causa da chuva ou da falta de visibilidade à noite contribuem para as estatísticas de acidentes nas vias”, descreve.
Aumentam mortes com motocicletas
Nos últimos anos, aumentaram os acidentes fatais nas rodovias com os motociclistas, categoria, que, segundo estudos, corre risco de morte em até oito vezes mais do que ocupantes de automóveis e caminhões. Mas, no pós-pandemia, as mortes aumentaram, segundo o médico de tráfego José Montal, diretor da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet). “Por se tratar de um veiculo interessante do ponto de vista da não contaminação do vírus, deslocar de moto tornou-se algo recomendável”, avalia. Por outro lado, ele alerta que a motocicleta é um meio de transporte no qual as pessoas ficam mais expostas a riscos de acidentes graves. “Trata-se de um veículo de duas rodas que não tem nenhuma carenagem que protege os seus ocupantes”.
Ele também lembra que a motocicleta é mais usada por pessoas mais jovens, na maioria, sem experiência e que se arriscam mais no trânsito. “Basta dizer que existem comparações que apontam que pessoa condutora de uma moto do sexo feminino na faixa de 40 ou 40 anos se acidenta 30 ou 40 menos do que um jovem do sexo masculino recém-habilitado”, ressalta. Santos Neto acrescenta que os acidentes com motociclistas tendem a ser mais fatais do que os desastres com automóveis por várias razões, como a vulnerabilidade. “Motociclistas têm menos proteção do que os ocupantes de carros, não têm estrutura de proteção ao redor deles. Enquanto os carros possuem carrocerias reforçadas e airbags, os motociclistas estão mais expostos ao impacto, o que aumenta a gravidade das lesões em caso de acidente”, avalia.
Outro aspecto está relacionado à estabilidade e controle. “As motocicletas têm uma base menor e são menos estáveis do que os carros, o que pode torná-las mais propensas a perder o controle, especialmente em condições adversas de estrada ou clima”. Ele lembra que as motocicletas têm maior capacidade de aceleração e manobrabilidade do que os carros, “o que pode resultar em acidentes mais graves devido a altas velocidades envolvidas. Além isso, tem o uso inadequado do capacete.
Preocupado com a questão, o Ministério da Saúde informou que desenvolveu o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil, 2021-2030 (Plano de Dant), “o qual reservou ênfase aos agravos relacionados aos motociclistas”. “A publicação estabelece a meta, alinhada a organismos internacionais, de reduzir em 50% a taxa de mortalidade de motociclistas até 2030”, informou o ministério, destacando que, para alcance da meta”, foram definidas ações estratégicas a serem desenvolvidas em parceria com os estados e municípios.