Quem anda pelas ruas movimentadas da pequena São Gonçalo do Rio Abaixo, com apenas 12 mil habitantes, na Região Central de Minas Gerais, nem imagina que está pisando na cidade mais rica do país em termos de arrecadação por habitante. Os moradores do município, localizado a 86 quilômetros de Belo Horizonte, também não têm ideia dessa realidade econômica, mas sentem no dia a dia a pujança financeira, que destoa da maioria das cidades de Minas e do Brasil, inclusive das capitais, cidades com arrecadações tributárias elevadas, mas com baixa capacidade de investimento em função do tamanho da população e dos problemas.
São Gonçalo tem, de acordo com o Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea), o maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita (R$ 209 mil por habitante) e a maior arrecadação dos impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e sobre Serviços (ISS) do país por habitante (R$ 15.617).
Um contraste, por exemplo, com Esmeraldas, distante apenas 140km de São Gonçalo do Rio Abaixo, localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), município mineiro com a menor arrecadação per capita do estado, R$ 9,6 mil para cada um de seus 86 mil habitantes, onde falta emprego e esgotamento sanitário. Ou com a cidade de mais baixa arrecadação por morador no Brasil, o município de Araioses, no interior do Maranhão, que tem R$ 5,9 mil de PIB per capita, quase 35 vezes menos que São Gonçalo do Rio Abaixo, para gastar anualmente com cada um de seus cerca de 39 mil habitantes.
Toda essa dinheirama da cidade mais rica do Brasil vem, basicamente, dos royalties da mina de Brucutu, um dos maiores complexos de extração e beneficiamento de minério de ferro do mundo, explorado na cidade pela Vale. Vem também do ICMS e ISS das empresas que se instalaram lá para prestar serviços para a mineradora e também de outras indústrias que o município tem atraído, de olho na diversificação da economia. “Minério não dá duas safras”, afirma o atual prefeito de São Gonçalo do Rio Abaixo, José Raimundo Nonato (PDT), mais conhecido como Nozinho, em entrevista ao jornal Estado de Minas.
Mas enquanto vai rendendo dividendos, a cidade mais parece um canteiro de obras. No quadro de avisos de licitações da prefeitura não há espaço para nem mais uma tachinha. Informativo distribuído pela prefeitura lista 150 obras, entre realizadas, licitadas e em fase de execução e planejamento. O responsável por elas é o filho do prefeito, Diogo Henrique Barcelos, secretário de Obras da cidade.
A cidade tem três escolas integrais de fazer inveja a qualquer capital ou estabelecimento particular, onde são servidas seis refeições diárias. A totalidade dos estudantes das zonas urbanas e rurais é atendida por transporte escolar, realizado por ônibus novinhos. Os universitários residentes na cidade há pelo menos dois anos têm direito a uma ajuda de custo mensal de R$ 400, e os alunos da rede municipal recebem, no começo do ano, material escolar, 10 peças de uniforme e mochila. Nas escolas, além da grade curricular obrigatória, são ofertadas aulas de teatro, inglês, karatê e balé. “Aqui a escola particular não prospera”, afirma a secretária de Educação de São Gonçalo, Lucinda Imaculada de Barcelos Santos, irmã do prefeito Nozinho.
Na área da saúde, a cidade tem um pronto atendimento, com estrutura digna de hospital, que funciona 24 horas, e uma farmácia popular que vai ganhar sede nova, além de 16 postos de saúde. As vias de acesso à zona rural são asfaltadas e quase 70% da população é atendida por rede de esgoto.
A prefeitura vai retomar agora uma ajuda de custo de R$ 40 mil para o servidor municipal construir ou reformar sua casa. Tem ainda uma unidade do Corpo de Bombeiros, construída e mantida com recursos municipais, um estádio poliesportivo e um parque de exposições, onde são realizadas festas e eventos. Somente este ano, a cidade já recebeu shows de artistas de renome nacional como Zeca Baleiro, Nando Reis e Vanessa da Mata, todos bancados pelos cofres municipais.
GUARDA MUNICIPAL A prefeitura vai implantar a Guarda Municipal, com 32 agentes concursados. O projeto já foi aprovado pela Câmara Municipal. Vai terminar também a construção da sede cidade administrativa, que fica no caminho do novo trevo na BR-381, obra que deveria ser de responsabilidade do governo federal, mas que é 100% bancada pelo caixa do município, que também pretende assumir totalmente o ensino fundamental do 6 º ao 9º ano, hoje sob responsabilidade constitucional do governo do estado.
Com tanta riqueza, a cidade está na lista dos municípios mineiros que vão ter sua arrecadação reduzida com a reforma tributária, já aprovada este ano pela Câmara dos Deputados e que será agora analisada pelo Senado. Nozinho disse que a cidade deve perder R$ 80 milhões dos cerca de R$ 400 milhões que arrecada anualmente, mas garante que não está preocupado, apesar de ainda ter esperança de que a reforma, aprovada, segundo ele, “goela abaixo”, seja alterada para que os municípios de elevada arrecadação, como o administrado por ele, não percam tanto.
FUTURO Questionado sobre como a cidade vai manter toda essa estrutura quando acabar a “safra” única do minério, Nozinho também afirma não ter essa preocupação. “Vamos cuidar agora que temos uma receita boa para não virar uma Itabira no futuro”, afirma o prefeito, referindo-se à cidade vizinha, que há 80 anos vive sob a dependência econômica da mineração e agora corre contra o tempo para diversificar sua economia para enfrentar a exaustão das minas, prevista para ocorrer daqui a menos de uma década.
Nozinho disse que trabalha para diversificar a economia, atraindo para a cidade indústrias que gerem emprego, construindo toda a infraestrutura possível e investindo na educação, que ele classifica como “xodó”. O sonho do prefeito é levar para a cidade um instituto federal de educação tecnológica e uma universidade de grande porte. “Dinheiro ajuda, mas não é tudo. Eu conheço cidades aqui da região que têm um bilhão no caixa, não vou falar o nome porque seria antiético, e não fazem metade do que fazemos”, se vangloria.
“PÃO E CIRCO” Mas para a oposição, a situação não é bem essa retratada pelo prefeito. Para o vereador Cássio Silva (PTB), a população vive de “pão e circo”. “É um mar de dinheiro muito mal aplicado”, afirma o vereador, que critica, por exemplo, a aprovação pela Câmara do projeto da prefeitura para assumir os anos escolares que são de responsabilidade do estado. “Vamos ter um prejuízo de R$ 3,3 milhões por ano com essa municipalização. Será que o prefeito pensa que o minério é infinito, que o dinheiro nunca vai acabar? E quando acabar, o que faremos com todos esses elefantes brancos e com todos esses servidores e serviços públicos assumidos pelo município?”, questiona o vereador, citando o estádio poliesportivo que, segundo ele, consome R$ 100 mil por mês de manutenção.
O vereador também se diz contrário aos investimentos, segundo ele, milionários feitos pela prefeitura em festas. A última, de acordo com ele, durou quatro dias e custou R$ 3 milhões. Em abril, a prefeitura promoveu uma cavalgada com diversos shows, entre eles da dupla de renome nacional Fernando e Sorocaba.
Segundo Cássio Silva, a prefeitura não investe na diversificação econômica e gasta todo o dinheiro dando “migalhas” para a população. O vereador também acusa a prefeitura de nepotismo e disse que enviou para o Tribunal de Contas do Estado um relatório sobre obras paradas. Para ele, a prefeitura deveria investir em garantir esgoto e água tratada para 100% do município e buscar empresas que gerem emprego e receita para incentivar a diversificação econômica. “Se não, como faremos no futuro?”, indaga.