Em um voo das alterosas a Paris, na França, alçado com as asas da imaginação e da engenhosidade, Alberto Santos Dumont ganhou os ares e o mundo, deixando uma história surpreendente e sempre fascinante para todas as gerações. Neste 2023, em que são lembrados os 150 anos de nascimento do “Pai da Aviação”, o Estado de Minas mostra parte dessa trajetória e as homenagens que estão a caminho para reverenciar sua memória.
Mais que isso, revela que são muitos os caminhos da família Dumont pelas Minas Gerais. O pai, Henrique, nasceu em Diamantina, Vale do Jequitinhonha; a mãe , em Ouro Preto, na Região Central; Alberto, o filho inventor, na Fazenda Cabangu, hoje município de Santos Dumont, na Zona da Mata; três dos irmãos, na Fazenda da Jaguara, em Matozinhos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Em Sabará, também na Grande BH, o engenheiro Henrique projetou uma ponte de madeira sobre o Rio das Velhas, além de ter trabalhado no projeto de trecho ferroviário. Referências que possibilitam redescobrir as origens de um gênio que decolou do território mineiro para ajudar a mudar a forma como avança a humanidade.
Leia Mais
Santos Dumont, 150 anos: como nasce um gênio (e como ele vira herói)Quatro pais e um desafio em comum: a pazTour pelos jardins e arte de Burle MarxEm Sabará, também na Grande BH, o engenheiro Henrique projetou uma ponte de madeira sobre o Rio das Velhas, além de ter trabalhado no projeto de trecho ferroviário. Referências que possibilitam redescobrir as origens de um gênio que decolou do território mineiro para ajudar a mudar a forma como avança a humanidade.
As pegadas da família Dumont pelo estado
O “Pai da Aviação” nasceu na Fazenda Cabangu, hoje município de Santos Dumont, na Zona da Mata, em Minas, mas suas raízes no território das Gerais são muito mais profundas do que contam os livros. Para falar sobre a fascinante história de Alberto Santos Dumont (1873-1932), cuja memória recebe todas as homenagens em 2023 pelos 150 anos de nascimento do “mineiro voador”, é preciso começar em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, onde nasceu o pai, o engenheiro e empreendedor Henrique Dumont (1832-1892).
No caminho da família por Minas Gerais, estão ainda as cidades de Ouro Preto, na Região Central, onde brota o Rio das Velhas, mas também Sabará, Matozinhos e Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, banhadas pelo afluente do Rio São Francisco. “Depois de consagrado na França, ele veio algumas vezes a Minas, mas não fixou residência. Na verdade, vivia mais em hotéis, viajava muito. Temos foto dele no Egito, olhando as pirâmides”, conta Andréa Oliveira, historiadora do museu Casa Natal de Santos Dumont, da Fundação Cabangu, em Santos Dumont. Nas comemorações deste ano, o museu também está em festa pelo seu cinquentenário de funcionamento, com eventos em outubro, na Semana da Asa, para lembrar o herói dos ares.
Filho de franceses, Henrique Dumont morou em Sabará e também na Fazenda da Jaguara, em Matozinhos, quando a área ainda pertencia ao município de Santa Luzia. Na Jaguara, nasceram três de seus oito filhos: Virgínia, Luís e Gabriela. Assim, em homenagem a Alberto Santos Dumont, o sexto filho de Henrique e Francisca Paula Santos, a Câmara Municipal de Santa Luzia deverá conceder a ele o título “post mortem” de cidadão honorário. A proposta do vereador Paulo Henrique de Assis leva em conta que, se três irmãos nasceram na Jaguara, quando pertencia ao território luziense, há um forte vínculo com a cidade tricentenária.
O local de nascimento de Alberto, algumas vezes, confundiu pesquisadores. “Curiosamente, nas primeiras décadas do século passado, houve discordância sobre o local exato de nascimento de Santos Dumont. Para se ter uma ideia, em 28 de setembro de 1913, foi aprovada, por unanimidade, no Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG), uma proposta do senador Camilo de Brito nomeando uma comissão para “proceder às indagações e verificar o local de nascimento”, conta o presidente da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, Adalberto Andrade Mateus, integrante do IHGMG.
Adalberto, que considera importante a homenagem do Legislativo municipal ao “Pai da Aviação”, observa que até mesmo a Academia Brasileira de Letras (ABL) chegou a se confundir. Eis um texto publicado pela ABL: “Alberto Santos Dumont, inventor e aeronauta, nasceu a 20 de julho de 1873, em Santa Luzia do Rio das Velhas (nome antigo do município), hoje cidade de Santos Dumont, depois de ter sido denominada cidade de Palmira por dilatados anos”.
Nas suas pesquisas, especialmente em “Notas Cronológicas de Belo Horizonte, de Octavio Penna (publicado pela primeira vez em 1950), Adalberto Mateus verificou que em 21 de setembro de 1903, Santos Dumont visitou BH e foi recebido com “apoteóticas manifestações” – a recepção calorosa ocorreu três anos antes do célebre voo do 14-Bis, em Paris, França. “Naquele dia, em meio às 5 mil pessoas presentes, estava uma comissão da Câmara Municipal de Santa Luzia”, destaca.
ENGENHARIA
Em Sabará, há muitas marcas da passagem da família Dumont. “O engenheiro Henrique foi um grande empreendedor. Construiu a antiga ponte sobre o Rio das Velhas, da qual ficou apenas a placa de bronze, pois foi demolida para construção de uma de concreto armado, na década de 1950”, mostra o pesquisador da história local José Bouzas, chefe do Departamento de Patrimônio da Ordem Terceira do Carmo. A placa fica no recém-restaurado prédio do Solar Padre Correia, no Centro Histórico, antes sede da prefeitura.
“Alberto Santos Dumont teve a quem puxar... Ele e o pai eram avançados para seu tempo”, diz José Bouzas, segurando a placa na qual se lê: “Construída por ordem do Presidente Saldanha Marinho – 1871”, em referência ao advogado Saldanha Marinho (1816-1895), presidente, como se denominava na época, da província de Minas Gerais.
Marcos em Sabará e passagem pela Jaguara
Em Sabará, na Praça Ourives Duarte Costa, vê-se a casa onde Henrique Dumont morou com a família, ainda sem o filho que se tornaria conhecido como “Pai da Aviação”. O imóvel, hoje com placa de “aluga-se” fica exatamente diante da ponte, no acesso ao Bairro Paciência e a Nova Lima, que substituiu a de madeira projetada pelo engenheiro.
Voltando da escola com seu uniforme, dois adolescentes veem o fotógrafo do Estado de Minas registrando a fachada da casa e perguntam por quê. “Sabia que aí morou o pai de Santos Dumont?”, aponta o repórter. “É mesmo? Nunca ouvi falar. Que legal essa história! Casa do pai do ‘Pai da Aviação’”, reage um dos estudantes, com muito interesse.
Já na Igreja Nossa Senhora do Carmo, que completará 260 anos em setembro, encontra-se outra marca da passagem de Henrique Dumont por Sabará. No templo barroco, vê-se um harmônio (pequeno órgão musical), da marca francesa Debain. “O pai de Santos Dumont era representante dessa empresa, e vendeu o instrumento para a irmandade por ‘um conto de réis e trezentos’, conforme os documentos que temos. É um dos poucos existentes em funcionamento. Na época, o órgão musical da igreja, que era alemão e de tubos, estava estragado, então acharam melhor comprar um mais moderno, de fole. Pena que o antigo desapareceu”, observa Bouzas.
Abrindo uma caixa de madeira, o pesquisador retira um complemento do instrumento, e, acoplando uma peça sobre o teclado, mostra que o harmônio se transforma num realejo. “O instrumento foi vendido por Henrique Dumont em 1872 e só chegou em 1875”, afirma. Em Sabará, além de ganhar a concessão para construção da ponte de madeira (de aroeira), o engenheiro atuou no projeto de um novo trecho na antiga Estrada de Ferro Dom Pedro II.
Nova frente de trabalho, segundo Bouzas, seria o comando da navegação a vapor no trecho do Rio das Velhas entre Sabará e a Jaguara, “mas essa empreitada não foi adiante”.
JAGUARA
Hoje no município de Matozinhos e nas mãos de particulares, a propriedade que pertenceu a Henrique Dumont era chamada Vínculo da Jaguara, pois englobava oito fazendas, explica Bouzas. Dessas terras, saiu a madeira para construção da ponte sobre o Rio das Velhas, em Sabará.
Em área que mantém a beleza de outros tempos, embora sem o esplendor do apogeu, a Fazenda da Jaguara abasteceu com madeira a mina de Morro Velho, em Nova Lima (RMBH). Devido a um incêndio na mina, e seu desmoronamento, Dumont decidiu vender a propriedade ao inglês George Chalmers. Na sequência, partiu com a família para trabalhar em outro trecho da ferrovia, entre Barbacena, na Região Central de Minas, e Juiz de Fora, na Zona da Mata.
REGISTRO HISTÓRICO
Hoje, quem tem oportunidade de visitar a Fazenda da Jaguara, localizada a 64 quilômetros de BH, pode admirar as ruínas da Igreja Nossa Senhora da Conceição da Jaguara, do século 18, tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). O templo, onde o Padre Rolim (inconfidente, 1747-1835) celebrou missa, tem o traço de Antonio Francisco Lisboa (1738-1814), o Aleijadinho, sendo que a maior parte dos elementos artísticos e dos altares está na Matriz Nossa Senhora do Pilar, em Nova Lima (RMBH).
Recentemente, algumas peças foram devolvidas, por particulares, ao Ministério Público de Minas Gerais e se encontram sob guarda em reservas técnicas.
Passagens por BH
A “Revista da Semana”, de 4 de outubro de 1903, fotografou Santos Dumont, ladeado por autoridades, na frente da então Secretaria de Finanças, depois Secretaria de Estado da Fazenda e atual Memorial Minas Gerais Vale, na Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul da capital. Os aplausos, certamente mais intensos, voltaram a ocorrer, em BH, 20 anos depois, em 1º de dezembro de 1923.