Em 1975, Belo Horizonte recebeu um festival de música que muitos compararam a um “Woodstock mineiro”. Artistas hoje consagrados e que estavam no começo de suas carreiras fizeram três dias de festa ao som da MPB e do rock.
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A época dos festivais
A edição de 25 de julho de 1975, sexta-feira, do Diário da Tarde, anunciou que naquele dia iniciaria o Pop Festival do Serra Verde, “mas os primeiros hippies já começaram a chegar à cidade desde o início da semana” e estavam bem animados. A reportagem lembrou que os festivais chegaram ao Brasil com cinco anos de atraso, “pois o último grande festival de rock, o da Ilha de Wigth, na Inglaterra, foi realizado em 1970”.Antes ainda, em 1969, ocorreu aquele que foi o festival mais marcante da história. Em uma fazenda na zona rural de Bethel (EUA), no estado de Nova York, cerca de meio milhão de pessoas se reuniu para assistir shows de alguns dos maiores nomes do rock e do folk da época - como The Who, Jimi Hendrix, The Band, Janis Joplin e Joe Cocker.
Houve tentativas de replicar o sucesso do Woodstock em terras brasileiras. A cena musical no país, especialmente entre os amantes da MPB e do rock, borbulhava, mesmo com a perseguição e censura da ditadura militar. Era a época dos festivais da canção, que revelaram grandes artistas da MPB e do rock.
O que chegou mais perto de ser um “Woodstock brasileiro” foi o Festival de Águas Claras que, em janeiro de 1975, reuniu entre 10 mil e 30 mil pessoas numa fazenda no interior de São Paulo - história essa contada no documentário “O Barato de Iacanga” (2019).
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Rock em Minas, UAI
Foi nesse contexto de muita música e movimentos contracultura que foi realizado o 1º Camping Pop de Inverno de Minas Gerais. Antes das atrações esperadas, teve um concurso de artes com a participação de artistas plásticos, pintores, artesãos e conjuntos musicais. Conforme reportagem da revista “Pop”, o maior prêmio ficou com a dupla Sérgio Moreira e Pedro Licínio, autores de “Ao Natural”, eleita melhor música do festival.O local escolhido para o festival foi o Serra Verde Camping Club, localizado ao lado do antigo Hipódromo e que hoje abriga a Cidade Administrativa. O clube tinha um perfil mais luxuoso, o que contrastava com a “rusticidade” do Woodstock original.
Que comecem os shows
O festival começou com 1h de atraso, o que deixou o público impaciente. Quem teve a honra de começar os trabalhos foi a banda Os Mutantes, já sem Rita Lee. Ainda naquela noite teve show do Novos Baianos, estrelando Baby Consuelo, Pepeu Gomes e Paulinho Boca de Cantor.
Na noite de sábado, Fagner e Ney Matogrosso fizeram uma surpresa para o público e tocaram juntos. Os dois tinham se tornado amigos alguns meses antes. Aquela apresentação, inclusive, teria sido a primeira vez que Ney subiu em um palco sem maquiagem após ter saído do Secos & Molhados, segundo conta o livro “Ney Matogrosso - A Biografia” (2021).
Caetano Veloso, um dos maiores astros da MPB, se apresentou na noite de sábado. Ao longo do festival se apresentaram Maria Alcina, Sá e Guarabyra, Alisson e Paulinho, Vinte Minutos Antes do Começo do Tempo, Tocaia, Nós, Meato, Anonimato, Gabiroba, Saecula Saeculorum, Sérgio Mello e, por fim, O Terço.
Compareceram 2 mil pessoas ao longo dos três dias de festa, reunidas em cerca de 700 barracas. Fez muito frio naquele fim de semana e faltou água em alguns momentos, mas isso não impediu que o evento fosse um sucesso. Tanto que dois anos depois, em 1977, o festival teve uma outra edição com participação de Gilberto Gil e Gal Costa, mas dizem que não foi tão boa quanto a primeira.
As marcas do evento
Marcelo Paganini, na época com apenas 10 anos, esteve presente no festival e participou do concurso de canções. “Meu irmão Franz tocava guitarra. Os ensaios eram na nossa casa e eu aprendi de cor.”Paganini conta que foi difícil convencer a banda a deixar ele ir, já que era apenas uma criança, mas no fim deu certo. “Gritaram pra mim quando me viram subir no palco que era hora de criança estar dormindo.”
Depois dessa experiência, Paganini seguiu no ramo das artes e se tornou guitarrista, produtor e compositor. Há alguns anos, criou uma página no Facebook para tentar reunir informações do “Woodstock mineiro”, evento marcante na sua vida.
Na cobertura do primeiro evento, um dos entrevistados pela repórter Déa Januzzi, do Estado de Minas, comentou como foi o clima durante o evento. “O 1º Camping Pop de Minas vai ser um sucesso, aliás, está sendo. Veja quantas pessoas se entendendo bem, ninguém brigando, não há preocupação maior do que sentir o entendimento, a complacência, a camaradagem. É só prestar atenção e ver como todos são bons, quase ingênuos.”
* Com produção de Irene Campos e Rafael Alves
Sabia Não, Uai!
O Sabia Não, Uai! mostra de um jeito descontraído histórias e curiosidades relacionadas à cultura mineira. A produção conta com o apoio do vasto material disponível no arquivo de imagens do Estado de Minas, formado também por edições antigas do Diário da Tarde e da revista O Cruzeiro.O Sabia Não, Uai! foi um dos projetos brasileiros selecionados para a segunda fase do programa Acelerando Negócios Digitais, do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ), programa apoiado pela Meta e desenvolvido em parceria com diversas associações de mídia (Abert, Aner, ANJ, Ajor, Abraji e ABMD) com o objetivo de atender às necessidades e desafios específicos de seus diferentes modelos de negócios.