(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas MINERAÇÃO

Plano de defesa tenta blindar o Rio das Velhas da ameaça de barragens

Sistema criado por TAC promete impedir que torneiras sequem em caso de rompimento de uma das 67 barragens próximas a trecho do rio que abastece a Grande BH


14/08/2023 04:00 - atualizado 14/08/2023 06:12
432

Enviado especial
Barragens no Rio das Velhas
O plano de contingência contra rompimento de barragens no Rio das Velhas prevê captações em novos pontos, como o da Ponte de Arame, em Itabirito (foto: Leandro Couri/EM/D.A.Press)

Itabirito, Nova Lima, Raposos e Rio Acima – Acima das águas do Rio das Velhas, em seu trecho alto, que é responsável pelo abastecimento de 45% dos 5 milhões de habitantes da Grande Belo Horizonte, 67 barragens e diques de várias mineradoras são ameaça. Mas, ao contrário do Rio Paraopeba, que teve sua captação suspensa em 2019, após o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, o Rio Velhas tem em implantação um plano de contingência acordado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Copasa e a mineradora Vale. Se uma das barragens se romper, o plano pode ser posto em ação, com possibilidade de racionamento e rodízio até que a capacidade de abastecimento seja restabelecida.
O plano, como mostra a reportagem do Estado de Minas, é fruto do Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) que prevê sistemas de proteção na captação da Copasa, uma adutora, duas interligações dos sistemas Velhas e Paraopeba, reativação e perfuração de poços para quatro municípios, bombeamento de água de barramentos existentes, três novas captações em mananciais, poços e reservatórios para 32 serviços essenciais, como hospitais, instituições de ensino e penitenciárias (veja o mapa).

“Foi preciso encontrar uma solução, pois, na época (2019), o abastecimento de 65% de Belo Horizonte e de quase a metade da Grande BH estava ameaçado por três barragens que estavam em risco. Foi uma forma de garantir que a Grande BH não passasse novamente por desabastecimento”, afirma o promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Centro de Apoio às Promotorias de Meio Ambiente (Caoma) do MPMG, mencionando o desabastecimento ocorrido em 2016 e que levou a Grande BH a racionamentos e rodízio. A Copasa vem acompanhando e assessorando as intervenções.

O TAC foi assinado em 2019 e já recebeu quatro termos aditivos e há um quinto previsto para ser celebrado nos próximos dias. Todo o esforço feito inclui também a nova captação de 5 mil litros/segundo (l/s) no Rio Paraopeba, em Brumadinho, antes do ponto do rompimento, que foi construída pela Vale e que deveria ter sido transferida para a operação da Copasa, em fevereiro de 2021.

Para abastecer 21 municípios da Grande BH, a Copasa capta 15 mil l/s dos sistemas Rio das Velhas (6.750l/s) e Rio Paraopeba (8.250l/s). O volume total é suficiente para encher uma piscina olímpica em menos de três minutos. Dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), mostram que há 67 barramentos de mineradoras incluídos ou não na política Nacional de Segurança de Barragens em cursos d’água que desembocam no alto Rio das Velhas, antes da captação da Copasa para a Grande BH, a Estação de Tratamento de Água (ETA) Bela Fama, em Nova Lima. Um rompimento poderia afetar o abastecimento.

Por esse motivo, a primeira medida executada no plano de contingência foi a instalação de comportas ensecadeiras (muralhas em torno das estruturas com portões de aço vedados para barrar fisicamente inundações e rejeitos) para proteção do maquinário de captação da Elevatória de Água Bruta na ETA Bela Fama, no distrito de Honório Bicalho, bem como no entorno das subestações, além de melhorias no sistema de captação.

No caso de um rompimento grave que injetasse acima de 10 vezes mais sedimentos que o limite previsto pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), o plano prevê que nos primeiros 36 dias a ETA Bela Fama só trataria 315l/s da represa de Cambimbe, operada pela mineradora AngloGold Ashanti, em Raposos. Essa etapa abasteceria Raposos e Nova Lima e já está pronta, com três motobombas, sendo uma delas em reserva.

Pela previsão do plano de contingência, a partir do 36º dia do rompimento, se os sedimentos chegarem ao limite de operação de três vezes acima do limite Conama para turbidez (concentração de sedimentos e sólidos na água que podem a tornar mais turva), a captação de água no Rio das Velhas poderia ser retomada de forma provisória, com uma etapa de pré-tratamento (unidade de sedimentação) e capacidade de 500l/s. Quando inferior a isso, “em tese”, com menos de 100 dias, poderia ser retomada a captação em ritmo regular.
arte

Iinterligação com o sistema Paraopeba

Em paralelo a essas ações, já foram implementadas interligações entre o sistema Paraopeba e Velhas na Vila Kennedy, no Bairro Xangri-la e uma adutora de dois quilômetros. O plano de contingência prevê que o Sistema Paraopeba entre em racionamento para que o Sistema Rio das Velhas possa ser abastecido em rodízio. Foram também perfurados e reativados poços de captação no Vetor Norte da Grande BH para o abastecimento dos municípios de Lagoa Santa, Vespasiano e São José da Lapa. Outros 10 poços para atender a Sabará foram perfurados e devem ter sua infraestrutura de funcionamento concluída até o primeiro semestre de 2024, com vazão total de 200l/s, de acordo como a Vale.

Estudos de viabilidade e os projetos de engenharia para novas captações de água também estão em andamento. “A maior parte das ações encontra-se em estado avançado e próximas à conclusão, com 80% de cumprimento do Termo de Compromisso (com o TAC). Além disso, já foram investidos R$ 63 milhões e novos aportes estão previstos até a conclusão dos projetos de engenharia. A realização das obras foi prevista no acordo judicial celebrado pela Vale, Estado de Minas Gerais e MPMG (Reparação Integral), de R$ 2,05 bilhões para a realização das obras pelo estado”, informou a mineradora.

Na Bacia do Rio Paraopeba, o plano prevê nova captação de 2.500l/s no Rio Macaúbas, no município de Bonfim e 19km de adutora de água bruta, além da ampliação do Sistema Manso, com aumento da capacidade de tratamento de 6 mil para 9 mil l/s e a implantação de 17,5km de adutoras, reservatórios e estações elevatórias.

Já na Bacia do Rio das Velhas, esse plano prevê nova captação de 600l/s e 8km de adutoras no Ribeirão da Prata, que vem da Serra do Gandarela e chega a Rio Acima. Outra captação seria feita no próprio Rio das Velhas, em Itabirito, na Região da Ponte de Arame, com capacidade de 2 mil l/s e 26km de adutora de água bruta; as intervenções no local sofreram atraso desde que se depararam com fragmentos de cerâmica que precisam ser avaliadas arqueologicamente pelos institutos do Patrimônio Estadual (Iepha) e Nacional (Iphan).

Outra interligação dos sistemas Velhas e Paraopeba, de 29km, também é necessária para permitir que as captações de uma bacia possam socorrer aquela que se encontrar em risco, o que serviria, ainda, como mais uma contingência para ambos os sistemas.

Por fim, há a previsão de perfuração de poços e construção de reservatórios para o atendimento a 32 consumidores essenciais (instituições de pesquisa e ensino, hospitais, postos de saúde e instituições penais) que utilizam mais de 80 mil litros diários.

Para especialista, rompimento seria “catástrofe sem tamanho”

Um rompimento de barragem atingindo o Alto Rio das Velhas é classificado como “catástrofe sem tamanho” pelo vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e diretor do Instituto Guaicuy, professor Marcus Vinícius Polignano. “Além de uma tragédia para o abastecimento da Grande BH, significaria uma contaminação absurda para o Rio São Francisco (do qual o Rio das Velhas é um dos principais afluentes). Uma tragédia de nível nacional, pois comprometeria o rio em toda a sua extensão”, destaca o ambientalista.

Para Polignano, o número de pelo menos 67 barramentos acima da área de captação do Rio das Velhas em Nova Lima mostra um descaso com um bem tão necessário para a população. “Mostra a falta de ordenamento do Estado e da mineração ao se construir tantas estruturas e em grande parte delas frágeis na direção de uma zona de abastecimento da capital do estado”, afirma.

Sobre o plano de contingência para o Rio das Velhas, o professor afirma se tratar de uma ideia tardia e que não tem muitas opções. “Não se têm alternativas muito grandes, pois a Grande BH está entre os vales do Rio Paraopeba e Rio das Velhas. Não há outro rio com capacidade, e os esforços têm de ser para manter a vitalidade dessas bacias hidrográficas. Porém, é também urgente que se discutam as áreas de recarga dessas bacias, pois, sem isso, mesmo antes de uma contingência, não se terá água suficiente” alerta.

Após as intervenções serem feitas, a Grande BH passa a ter maior flexibilidade de abastecimento, além de segurança contra rompimentos, destaca o gerente de engenharia da Vale, Luciano Alvarenga. “A integração dos sistemas de abastecimento Rio das Velhas com o Rio Paraopeba vai garantir a oferta de água, caso um dos dois apresente algum tipo de problema”, afirma. “Os estudos e as obras trazem várias possibilidades de abastecimento, considerando cenários diversos e uma população expressiva com realidades distintas. Já realizamos entregas fundamentais e vamos deixar um trabalho para gerações futuras”, afirma a gerente de saneamento da Vale, Roberta Guimarães.

O ambientalista Marcus Polignano criticou também a escolha de uma das novas captações, a que fica próximo à Ponte de Arame, em Itabirito. “Ali temos um problema muito grande. Não foram feitos levantamentos de impactos ambientais, a questão não foi debatida nem chegou ao comitê da bacia. Um barramento ali mudaria toda dinâmica do rio. Sem falar que ali perto tem a barragem de Acurui que já está muito assoreada, pela característica do próprio rio naquela altura. Isso afetaria uma nova captação”, afirma.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)