Uma noite de farra e vandalismo, que acabou em incêndio, por pouco não se alastrou para a Serra do Curral e o Parque das Mangabeiras, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), vândalos, inconformados com as operações contra os chamados “rolezinhos” (festas clandestinas com música alta, drogas e rachas na Praça do Papa) vêm destruindo o Parque Municipal da Serra do Curral.
De acordo com funcionários da unidade, na noite da última segunda-feira (14/8), o grupo de desordeiros invadiu a área, pichou várias estruturas, quebrou os vidros das janelas do posto de segurança do mirante e fez até uma fogueira na trilha, alegando que seria para um churrasco. As chamas saíram do controle e queimaram parte da mata abaixo de um barranco, deixando uma pequena área fumegante e sob cinzas. Por sorte, o fogo não chegou na formação montanhosa que faz ligação com o Parque das Mangabeiras e serve como corredor para a biodiversidade.
Funcionários da unidade reclamam que o espaço se encontra sem gerência, “quase esquecido”. A falta de segurança nas trilhas e nas estruturas dos mirantes permitiram dois ataques nas últimas duas semanas. “Há duas semanas, entraram aqui pelas trilhas, picharam uma parte do posto do Mirante e quebraram uma janela. Ontem, pularam a cerca da entrada, quebraram a outra janela, picharam mais paredes e na saída ainda ficaram rindo, nos ameaçando e falando que fizeram um churrasco, que por pouco não virou um incêndio. Se continuar assim, não sei o que vai ser desse parque”, disse um dos funcionários, que não se identificou para não ter problemas com a administração.
PREFEITURA A PBH nega insegurança e afirma que a Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica possui vigilância noturna na unidade, que atua na área oficial do Parque, “com atribuições exclusivas de vigilância patrimonial e ambiental”.
“O vandalismo registrado ontem – cometido por um grupo que acessou o Mirante clandestinamente, por meio de uma área não administrada pela PBH – ocorreu em retaliação a ações mais ostensivas, que vêm sendo realizadas pela Guarda Municipal e pelas polícias Civil e Militar contra o "rolezinho", movimento que voltou a acontecer na Praça do Papa, há cerca de um mês”, afirma a PBH.
A área queimada aos pés da montanha fica próximo a um posto de segurança que está abandonado, também com as janelas quebradas, paredes e pilares pichados e riscados. O posto marca uma das trilhas mais perigosas e, por isso, com necessidade de maior segurança.
Ao fim de um curto caminho entre pinheiros e araucárias, sobe rente ao paredão rochoso da montanha um cabo de aço de aterramento das antenas de transmissão do alto da Serra. Escalar a montanha por ali é proibido, mas atualmente esse controle praticamente não ocorre. A ausência de seguranças abre caminho para a estrutura, restando como único inibidor para esse obstáculo uma placa metálica de alerta para risco de descarga elétrica e queda.
Mais adiante, na estrada que leva para o único Mirante ainda ativo no topo da serra, a placa de informações, que marca a subida por trilha alternativa mais selvagem para quem quer um contato mais direto com a natureza, foi quebrada na altura do mapa e pichada. Grandes pedras e afloramentos de canga de minério de ferro comuns naquele relevo também estão pichados com as marcas dos vândalos até a crista da montanha.
CONSTERNAÇÃO Depois de cerca de 2 quilômetros até o Mirante, a imagem da guarita vandalizada deixa os frequentadores atônitos. Todas as paredes e pilares foram rabiscados, as duas janelas quebradas espalhando montes de cacos pelo chão, lâmpadas foram roubadas e os resíduos das lixeiras propositalmente jogados por todos os lados. Até os hidrantes que combatem incêndios na serra foram atacados e pichados. Uma escada usada na manutenção acabou atirada do alto das plataformas de observação da paisagem para uma ribanceira.
A advogada Giordana Ferreira Teixeira, de 36 anos, e a sogra dela, a aposentada Zeneide Duarte, de 69, ficaram consternadas com a situação. “Adoro vir aqui sempre que posso subir para apreciar a vista. É chocante ver a destruição causada pela depredação. Um lugar tão importante, de grandeza natural e importância para a cidade não pode ser deixado em situação tão precária. Precisa de mais segurança e de uma revitalização urgente”, disse Giordana.
“Precisaria conservar melhor um espaço como o parque para não perdermos um dos poucos lugares que a cidade oferece para admirar a natureza. O problema é que quem faz isso passa pela falta de consciência e é de difícil resolução. Mas é muito triste ver o resultado”, disse o engenheiro José Rebuli, de 24 anos.
Reunião de hoje deve alinhar estratégias
A Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Guarda Municipal, juntamente com as forças policiais, já marcou uma nova reunião para hoje (16/8), para alinhar novas estratégias de combate a esse tipo de criminalidade e aos demais transtornos causados pelo movimento na Praça do Papa.
A Fundação de Parques Municipais e Zoobotanica informa ainda que, conforme o organograma, a gerência de Parques é feita por regionais, e não pela Parques exclusivamente. Ainda assim, no caso da gerência de Parques Centro-Sul, durante o desenvolvimento do plano de manejo dos parques Serra do Curral, Fort Lauderdale e Mangabeiras Maurício Campos (que, por serem contíguos, foram incluídos num único plano), havia um responsável pelos trabalhos de gestão operacional e ambiental em cada unidade. Concluídos os trabalhos, a gerência das três unidades será agora executada de forma única. Os demais parques da mesma regional, Centro-Sul, continuam sob a gerência de outro funcionário, de forma agrupada.
Os ataques que o Parque Municipal da Serra do Curral vem sofrendo e que ameaçam a formação montanhosa e matas contínuas como o Parque das Mangabeiras ocorrem meses após uma série de reações da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), de ambientalistas e da sociedade civil contra a permissão dada pelo estado para a mineração na formação montanhosa.
A Serra do Curral foi eleita pelos belo-horizontinos como símbolo da cidade, em 1997, e o Pico Belo Horizonte, que é parte da cadeia, figura inclusive na bandeira do município, tamanha a importância que tem para BH. A suspensão das atividades minerárias pela Justiça trouxe alívio sobretudo na parte leste da serra. Contudo, na porção sul, onde fica o parque, a degradação e o abandono vão na contramão de todo esse movimento. Atualmente, partes da serra são tombadas pelo município, outros fragmentos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), sendo que ainda corre o processo de tombamento estadual, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha).
CONTROVÉRSIAS A visitação na Serra do Curral também tem sido motivo de controvérsias. É que algumas das maiores atrações são os mirantes ao longo das cristas que se erguem acima de 1.100 metros por cinco quilômetros de trilhas até o Parque das Mangabeiras, mas que desde 2015 não podem mais ser percorridas. A interrupção se deu sob a justificativa de adaptação do caminho para preservar as formações rochosas e a vegetação, além dos exemplares raros de cactos Arthrocereus glaziovii, um vegetal que integra a lista das espécies ameaçadas de extinção, e são endêmicos das formações de canga do Quadrilátero Ferrífero, ou seja, só existem no substrato de solo das áreas ricas em minério de ferro de Minas Gerais.
O Parque Municipal da Serra do Curral tem 40 hectares (o equivalente a cinco explanadas do Mineirão), foi inaugurado em 8 de setembro de 2012 e, de acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte, "tem como objetivo proteger a serra". O espaço possui 10 mirantes que oferecem uma vista privilegiada da Região Metropolitana da capital mineira. As trilhas do parque levam os visitantes até o topo da Serra do Curral, onde se avista o Pico do Itabirito, a Serra da Piedade, o Morro do Pires, o Morro do Elefante, o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, entre outros. O parque é aberto de terça-feira a domingo, das 8h às 17h (entrada permitida até às 16h). A entrada é gratuita.