Jornal Estado de Minas

MOBILIDADE

Dia do ciclista: adeptos do pedal fazem apelo por mais segurança


Bom para o corpo e para alma, o ciclismo ganha força no Brasil e acelera os apelos dos adeptos da prática por respeito no trânsito e investimentos públicos em ciclovias. Os pedidos se reforçam hoje, quando se comemora o Dia Nacional do Ciclista. A data foi estipulada em memória ao ciclista Pedro Davison, de 25 anos, que morreu atropelado por um motorista em 19 de agosto de 2006, quando pedalava no Eixo Sul, em Brasília (DF).




 
No país, diariamente, são registradas em torno de sete mortes de ciclistas em acidentes de trânsito, aponta o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. O cálculo é feito a partir dos 2.542 óbitos registrados em 2021, os últimos dados anuais disponibilizados pela pasta. A taxa média de 0,6 morte de ciclistas por cada 100 mil habitantes no Brasil, o mesmo percentual de Minas Gerais, onde, ao longo deste ano, ocorreram vários casos de atropelamentos, que levaram à morte pessoas que andavam de bicicleta, sobretudo em rodovias.
 
A vulnerabilidade sobre duas rodas também é evidenciada por internações e outros procedimentos registrados em hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) envolvendo ciclistas vítimas de atropelamentos. De acordo com levantamento do Ministério da Saúde, ao longo de 2022 foram registrados no país 8.479 atendimentos (internações e outros procedimentos) a ciclistas que procuraram as unidades de saúde após  atropelamentos. Neste ano, até junho, foram 3.955 atendimentos a pessoas na mesma situação.
 
A quantidade de consultas e exames feitas por ciclistas atropelados é igualmente expressiva: foram 4.524 durante no decorrer de 2022, e até junho deste ano o número já chegou a 2.669 atendimentos, segundo o balanço do Ministério da Saúde.




 
Qual a razão do aumento dos acidentes e atropelamentos de ciclistas no trânsito brasileiro?  Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas afirmam que após a pandemia da COVID-19, elevou-se o uso dos veículos de duas rodas como meio de mobilidade no país, não somente para atividades de lazer, como também nos deslocamentos para o trabalho e para serviços de entrega. Com mais bicicletas nas vias, subiu também o total de sinistros de trânsito envolvendo esse grupo.
 
“Vários estudos têm sido conduzidos para analisar o aumento da prática do ciclismo no Brasil e o correspondente aumento das mortes de ciclistas por atropelamentos, principalmente em rodovias. Esses estudos têm reforçado fatores como infraestrutura para ciclistas, falta de conscientização dos motoristas sobre a presença de ciclistas nas estradas, excesso de velocidade, desrespeito às leis de trânsito e necessidade de medidas de segurança específicas para proteger os ciclistas”, afirma o professor Narciso Ferreira dos Santos Neto, doutor em Engenharia de Trânsito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), docente e pesquisador da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).
 
Ele salienta que os atropelamentos de ciclistas nas rodovias são frequentemente causados por uma “combinação de fatores”, entre os quais aponta: falta de infraestrutura adequada para ciclistas, comportamento inadequado de motoristas e ciclistas, visibilidade reduzida, excesso de velocidade e falta de conscientização sobre a presença de ciclistas na estrada.




 
O uso de equipamentos de segurança, como os capacetes, é essencial para a autoproteção de quem pedala (foto: Sérgio Costa/Divulgação)
“Muitas vezes, os acidentes ocorrem quando os motoristas não conseguem detectar os ciclistas a tempo, ao realizar manobras como ultrapassagens inseguras. A ausência de faixas destinadas a ciclistas e a falta de educação sobre como compartilhar a estrada de forma segura também contribuem para esses incidentes”, avalia.  “A expansão do uso de bicicletas como meio de transporte exige políticas públicas mais eficazes e investimentos em infraestrutura cicloviária para garantir a segurança dos ciclistas e reduzir o risco de acidentes fatais”, observa o especialista.

Para interromper os atropelamentos e mortes dos adeptos do pedal nas rodovias, Narciso afirma que “é essencial implementar uma abordagem multifacetada. Isso inclui a criação de ciclovias separadas e seguras ao longo das rodovias, com barreiras físicas que protegem os ciclistas do trânsito de veículos”.  Além disso, “é crucial promover a conscientização dos motoristas sobre a presença de ciclistas, por meio de campanhas educativas e leis rigorosas de ultrapassagem segura. Investir em tecnologias de segurança veicular, como sensores de detecção de ciclistas, também pode reduzir os riscos”, completa.

AUTOPROTEÇÃO

O especialista chama atenção para os cuidados que os próprios ciclistas devem adotar a fim de conquistarem mais segurança e respeito no trânsito:  “Obedecer às leis de trânsito, sinalizar suas intenções com gestos e sinais luminosos, utilizar equipamentos de segurança como capacetes e refletores, manter uma distância segura dos veículos maiores, como carros e ônibus, e sempre ser previsível em suas ações, evitando movimentos bruscos”, orienta.




 
O doutor em engenharia de trânsito ainda recomenda aos amantes do pedal: “A escolha rotas mais seguras e tranquilas, quando possível, e manter uma atitude defensiva, antecipando possíveis perigos, são práticas essenciais para garantir a segurança pessoal e dos demais usuários das vias”. Ele salienta que é preciso “harmonia” entre os usuários das vias. “Para uma compreensão completa da situação, é importante considerar que uma convivência harmoniosa entre ciclistas e motoristas requer educação, conscientização e respeito mútuo”, avalia.
 
O médico de tráfego Aquilla dos Anjos Couto, coordenador do Departamento de Micromobilidade da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), também relaciona com o aumento dos atropelamentos com o crescimento da circulação de ciclistas na pandemia e sugere uma “reflexão profunda”  sobre o respeito aos amantes do pedal e “a necessidade de respeitar as pessoas que optam pela mobilidade ativa, em geral mais vulneráveis dos que os que escolhem o transporte motorizado”.
Ele ressalta que os ciclists são mais vulneráveis no trânsito por diversos fatores. “A falta de proteção física, como a carroceria de um veículo, torna os ciclistas mais expostos a lesões em caso de colisões. Além disso, a infraestrutura inadequada para ciclistas pode aumentar as chances de envolvimento em sinistros de trânsito”, pontua.




 
Sobre a cobrança dos ciclistas por mais respeito por parte dos motoristas, ele cita o Código de Trânsito Brasileiro que, em seu artigo 19,  “traz a questão e o entendimento que os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres. “Todos merecem se deslocar com segurança, na certeza que melhor que sair de casa para as atividades regulares é voltar para casa com segurança”, defende.

Dores que pedem conscientização

O Dia do Ciclista deve ser usado para a conscientização em busca de um trânsito mais seguro para quem pedala, avalia o analista de sistemas Hélio de Souza Lima Filho,  que integra grupos de adeptos do pedal em Belo Horizonte e luta por melhores condições para o grupo. “Esta data é convite para a reflexão em relação às atitudes no trânsito, incentivo ao uso da bicicleta, como transporte viável e sustentável”, afirma amante do pedal.
 
“Avaliando especificamente a questão de Belo Horizonte em relação aos atropelamentos envolvendo ciclistas, vimos com muita tristeza que a falta de fiscalização por parte dos órgãos competentes leva ao crescente desrespeito à vida. Neste ano, tivemos perdas de ciclistas em BH que estavam pedalando no acostamento e foram atingidos por motoristas embriagados”, lamenta Hélio Souza Lima Filho.




 
Segundo ele, os órgãos competentes falham na missão de oferecer segurança.  “Haja vista obras como a Via 710, que tem travessia de ciclistas, pedestres e cadeirantes em uma saída de curva no Bairro Santa Inês. Além disso, tem uma travessia pouco à frente da estação (de metrô) José Cândido da Silveira, sentido Minas Shopping que tem um semáforo em ponto cego e poucos motoristas respeitam o sinal vermelho”, observa.

Um dos casos que provocaram revolta entre adeptos do pedal na Região Metropolitana de BH neste ano foi a morte do atleta Eduardo Lobato, de 41,  vítima de atropelamento, por um motorista com sinais de embriaguez na BR-040, em Nova Lima, em 1º de abril.
 
Também no primeiro semestre de 2023, em 11 de abril, também causou muita repercussão (e revolta) a morte da microempresária Jéssica Francine Lopes Pereira Alexandre, de 37, que  perdeu a vida após ser atropelada por uma carreta quando pedalava na BR-135, em Bocaiuva, na Região Norte do estado.




 
Ouvido pelo Estado de Minas ontem, o microempresário Washington Pereira Alexandre, viúvo de Jéssica Francine, disse que ainda não se conforma com a perda e que família clama por justiça. Segundo ele, Jéssica usava os itens de segurança e sinalização e pedalava no acostamento quando foi atingida. Porém, o motorista da carreta que a atropelou alegou que ela andava no meio da pista. “Mas, a informação que tenho é que até hoje a polícia não conseguiu colher o depoimento do motorista e, com isso, o inquérito não andou”, reclama Washington, que completa 43 anos na segunda-feira. Ele disse que desde a perda da mulher, enfrenta uma dor interminável, junto com as duas filhas do casal, Maria Clara, de 17, e Lavínia, de 5.
 
Também no Norte de Minas,  em 7 de maio, o empresário Carlos André Soares de Souza, conhecido como “Dé Bike”, morreu aos 43 anos depois de ser atropelado por um carro quando pedalava no acostamento da MCG-135 (estrada Montes Claros/Mirabela), no município de Montes Claros. Segundo testemunhas, Dé Bike estava à frente de um grupo de seis ciclistas, que seguiam na rodovia em fila indiana.
 
O presidente da Associação dos Ciclistas de Montes Claros (Aciclmoc), o dentista Sérgio Costa de Oliveira, afirma que, de fato, o aumento da quantidade de bicicletas e de veículos automotores nas rodovias e vias urbanas contribuiu para a elevação dos acidentes com ciclistas.  Por outro lado, ele aponta a falta de atenção dos motoristas com os ciclistas como um dos fatores responsáveis pelos atropelamentos. Ele lembra ainda que os passeios ciclísticos cresceram muito em Montes Claros, que, atualmente, há mais de 40 grupos de pedais. A maioria deles percorre trilhas em estradas vicinais (de terra), escapando do perigo das rodovias asfaltadas. Na zona rural município existem cerca de 500 quilômetros de “rotas do pedal” em trechos de terra, acredita Oliveira.